Estruturada em seis episódios, a produção documental de BiD e Flavio Frederico mostra a importância de pioneiros como Tim Maia, Cassiano, Hyldon e Tony Tornado na década de 1970. Logotipo da série documental 'Balanço black'
Reprodução
Resenha de série documental
Título: Balanço black
Criação: BiD e Flavio Frederico
Direção: Flavio Frederico
Roteiro: Flavio Frederico e Mariana Pamplona
Direção musical: BiD
Produção: Kinescópio / Canal Curta!
Cotação: * * * *
? As destacadas presenças do DJ Corello e do rapper Thaíde em Legado, sexto e último episódio da série documental Balanço black, exemplificam a expansão e a influência do soul nacional no que Sandra de Sá chama apropriadamente de Música Preta Brasileira, rótulo que altera o sentido original da sigla MPB para enfatizar a contribuição fundamental do negro na criação da trilha sonora do Brasil.
Corello é o carioca Marco Aurélio Ferreira, DJ reconhecido pelo pioneirismo em jogar na pista o charm, estilo mais lento de funk, mais próximo do R&B, que Corello criou nos anos 1980, década em que a soul music perdera força no Brasil após a diluição da disco music.
Foi também nos anos 1980 que o paulistano Altair Gonçalves virou Thaíde, rapper que, em dupla com DJ Hum, ajudou a implantar a cultura do hip hop no Brasil.
Paralelamente, ao fim da mesma década de 1980, o batidão pesado de funk conhecido como Miami Bass invadiu os bailes fluminenses e inseriu o gênero na cultura nacional, contra todos os preconceitos.
Contudo, se Corello e Thaíde abriram alas, é porque antes, no alvorecer da década de 1970, toda uma geração de compositores, cantores e músicos negros pediram passagem para apresentar o soul e o funk ao Brasil.
É a história desses pioneiros da Música Preta Brasileira que a série Balanço black põe em foco ao longo de seis episódios de cerca de meia hora. Produção da Kinescópio Cinematográfica viabilizada com a colaboração do Canal Curta!, a série Balanço black foi criada pelo músico, compositor e produtor musical BiD com o cineasta Flavio Frederico.
Se BiD orquestrou a direção musical, com direito a jam sessions com os entrevistados ao fim de cada episódio, Frederico dirigiu os seis episódios da série que estreia no Canal Curta! nesta segunda-feira, 1º de novembro, com a exibição às 20h do primeiro episódio, Laço negro.
Tony Tornado lembra do impacto da música 'BR-3' em entrevista para a série 'Balanço black'
Reprodução / Vídeo promocional da série
Com exceção do já mencionado episódio final Legado, a série Balanço black está focada na produção do soul e do funk brasileiros ao longo dos anos 1970, década em que irromperam na cena nacional nomes como Tim Maia (1942 – 1998), Cassiano (1943 – 2021), Hyldon, Tony Tornado e Gerson King Combo (1943 – 2020).
Com exceção do já falecido Tim Maia e do arisco Cassiano, ainda vivo quando a série começou a ser produzida há anos, todos os pioneiros do soul e do funk nativo deram depoimentos diante das câmeras de Flavio Frederico. “Soul é alma, é essência, é pegada, é a batida”, conceitua o ativista Dom Filó, fundador da Equipe Soul Grand Prix, no primeiro episódio.
Entremeados com imagens de arquivo, os depoimentos inéditos traçam painel da efervescência black do Brasil na década de 1970 sem rigores biográficos ou didáticos.
Retratado na série como pioneiro do soul, pela primazia de ter lançado em 1969 um álbum com arranjos de Tim Maia, A onda é boogaloo, Eduardo Araújo se gaba de ter sido o primeiro a falar de Tim para Manuel Berembeim, então poderoso executivo da gravadora Philips – informação corroborada por depoimento do próprio Berembeim.
Por insistência de Erasmo Carlos, como também ressalta o executivo, Tim acabou contratado pela Philips e lançou em 1970 um álbum blockbuster com sucessos como Azul da cor do mar (Tim Maia, 1970). Tim Maia está bem representado no episódio inicial, ao lado de Hyldon, cuja canção soul Na sombra de uma árvore (1975) é ouvida na voz de Céu em registro feito ao lado do próprio Hyldon para o fim desse primeiro episódio.
Hyldon dá depoimento para a série 'Balanço black'
Reprodução / Vídeo
Há consenso de que foi Tim Maia quem mais propagou no Brasil o balanço da soul music após chegar ao país, deportado dos Estados Unidos. Mas há quem puxe o cordão mais para trás. “O soul entra no Brasil por Jorge Ben Jor”, sentencia André Midani (1932 – 2019), relevante executivo da indústria fonográfica, no episódio 2 da série, Família black.
O foco desse segundo episódio é a politização do balanço black por nomes como Tony Tornado. Na cola de James Brown (1933 – 2006), Tornado importou o black power para o Brasil ao apresentar com o Trio Ternura em 1970 o eletrizante soul BR-3 (Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, 1970) na quinta edição do Festival Internacional da Canção.
No episódio 3, Onda, a série destaca Cassiano, cuja genialidade é ressaltada na mesma proporção do temperamento notoriamente difícil desse cantor, compositor e músico paraibano, parceiro de Silvio Roachel na balada Primavera (1970), sucesso do primeiro álbum de Tim Maia, produzido com a colaboração fundamental de Cassiano.
Encerrado ao som de outra joia da obra autoral de Cassiano, A lua e eu (1975), parceria com Paulo Zdanowski ouvida na série nas vozes de Seu Jorge e Claudio Zoli, este terceiro episódio também recorda o balanço negro do trio Azymuth e a incursão de Elis Regina (1945 – 1982) pelo soul, entranhado na cadência do samba Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1970) e explicitado na canção Black is beautiful (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1971).
No quarto episódio, Foi no baile black, o foco recai sobre Carlos Dafé e sobre os bailes da pesada que aglutinavam multidões nas cidades de Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) para dançar ao som do soul e do funk exportados pelos Estados Unidos para o mundo. É quando a série evidencia o pioneirismo de Oseas dos Santos (1951 – 2012), o Mr. Funky Santos, um dos primeiros DJs a comandar um baile black com os LPs de soul e funk que cultuava com zelo.
Na sequência da série, no quinto capítulo, Black Rio, o foco é o movimento intitulado Black Rio desde que foi batizado em histórica reportagem da jornalista Lena Frias (1944 – 2004) sobre os bailes da pesada, publicada em 1976 no Jornal do Brasil.
A série Balanço black mostra como o movimento saiu dos bailes e ganhou as ruas, gerando a estética black power, propagada com orgulho, inclusive nos cabelos dos jogadores de futebol dessa época marcada também por discussões sobre a autenticidade do samba em contraponto com a importação do som negro norte-americano.
Enfim, pela abrangência de temas, depoimentos e imagens de arquivo, a série Balanço black cumpre bem a função de historiar a criação, o apogeu e o legado do soul e do funk brasileiros.