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Educação

Inep segura há pelo menos dois meses divulgação pública dos microdados do Enem 2020


Inep diz que ainda não divulgou a base de dados que possibilitará a pesquisa sobre o impacto da pandemia na realização do exame porque “está em processo de estudo e adequação quanto forma de disponibilização dos seus dados no site”. Dez meses após a última edição do Enem, Inep ainda não divulgou dados sobre os inscritos

A edição 2021 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começa em duas semanas, mas o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) ainda não divulgou a base de dados detalhada da edição 2020. Sem o arquivo referente às provas aplicadas no início deste ano, pesquisadores não conseguem estudar a fundo o impacto da pandemia no exame (leia mais abaixo).

Em resposta à TV Globo via Lei de Acesso à Informação, o Inep afirmou que “está em processo de estudo e adequação quanto à forma de disponibilização dos seus dados no site” para atender aos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em agosto de 2020, e da Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigência há dez anos.

A LGPD é a nova lei que rege formas de divulgação de dados para proteger as informações pessoais dos cidadãos. Já a LAI determina os processos de transparência dos órgãos públicos, e determina, entre outras regras, a divulgação ativa de dados sobre programas e políticas públicas.

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Na resposta, o órgão não explicou por que essa justificativa só se aplica aos microdados do Enem 2020, já que, desde a entrada em vigor da LGPD, o Inep publicou no site os microdados do Censo da Educação Superior 2019 e do Censo da Educação Básica 2020. Os dois documentos, como tratam de matrículas feitas antes da chegada da pandemia, ainda não refletem as mudanças provocadas pela suspensão das aulas presenciais.

Questionado sobre os aspectos técnicos que exigiriam uma revisão da divulgação de microdados, que já passam por um processo de tratamento para suprimir dados pessoais, o Inep citou a definição do conceito de “dados pessoais” pela LGDP como “informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”, e afirmou que “a proteção de dados pessoais envolve não apenas a informação relacionada à pessoa natural identificada, mas também a possibilidade de identificação de pessoas naturais a partir de diferentes cruzamentos entre os dados, hipótese que está sendo avaliada”.

No entanto, o próprio instituto afirmou, em uma publicação de 8 de agosto deste ano em seu site oficial, que “a LGPD na?o e aplicavel ao tratamento de dados de pessoas juridicas nem de dados anonimizados, que sa?o aqueles que na?o permitem a identificac?a?o do individuo, pois nenhum desses e considerado dado pessoal, salvo se a anonimizac?a?o puder ser revertida” (veja abaixo):

Informação sobre Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no site do Inep.

Reprodução

O Inep é um dos órgãos mais experientes do governo federal no processo de tratamento dos dados e já publicou diversos estudos mostrando as técnicas de supressão de informações para evitar que o cruzamento de bases de dados educacionais possa permitir a identificação dos indivíduos.

Entre as informações suprimidas estão o nome, CPF, data de nascimento, nome dos pais, endereço, CEP, números individuais de identificação, como o número de inscrição do Enem ou de matrícula.

Readequação vai até dezembro de 2022, diz Inep

Ainda segundo o instituto, em maio de 2021 foi criada uma Assessoria de Governança e Gestão Estratégica (AGGE) “que absorveu as atribuições relacionadas à implementação da LGPD no âmbito do Inep”. O Inep afirmou que “este esforc?o de governanc?a abrange, inclusive, a disponibilização dos microdados, e a expectativa de finalização de revisão de todos esses processos é em dezembro de 2022”.

O órgão afirmou que “tem sob sua responsabilidade inúmeros dados pessoais e a revisão de seus macroprocessos é um grande desafio”, que o prazo até dezembro de 2022 não se refere à disponibilização dos microdados, e que “está trabalhando para que a publicação dos microdados do Enem 2020 se dê da forma mais célere possível”.

Com isso, os dados servem para uma série de pesquisas educacionais por parte de pesquisadores de dentro do instituto e também de universidades e entidades dedicadas aos estudos na área de educação.

Por meio dessas informações é possível descobrir, por exemplo, qual é o perfil socioeconômico dos candidatos do Enem que faltaram às provas, qual é a competência da redação em que mais candidatos tiraram nota zero ou nota máxima, qual é o desempenho dos estudantes treineiros ou segundo a cor ou raça, o gênero ou a faixa etária.

O site do Inep mantém no ar os microdados de todas as edições do Enem, desde a primeira, em 2009. Também dispõe de uma série de outras bases anuais, como as do Censo Escolar, do Censo da Educação Superior e de outras avaliações, como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

Dados auxiliam na melhoria de políticas públicas

Especialistas consultados pela TV Globo explicam que a importância de manter a divulgação consistente de bases de dados como as do Enem é poder formular políticas públicas baseadas em evidência.

Segundo a economista Fabiana de Felício, diretora da consultoria Metas Sociais e ex-diretora de Estudos Educacionais do próprio Inep, entre 2005 e 2008, os microdados do Enem não tratam apenas das notas, mas “combinam dados e percepções dos participantes, características das escolas frequentadas, e desempenho nas áreas do conhecimento avaliadas”.

Ela explica que o arquivo traz um diagnóstico “que conta com grande parcela dos estudantes concluintes e egressos da educação básica” e que também “permite investigações sobre determinantes do desempenho escolar, desigualdades de oportunidades e resultados e suas possíveis causas, entre outros”.

Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, diz que “a ausência dos microdados impede que se faça qualquer estudo mais preciso, porque só com os microdados é possível fazer correlações a partir do nível socioeconômico, raça/cor, renda”.

Análises sobre o efeito da pandemia

No caso do Enem 2020, são os microdados que possibilitarão uma pesquisa mais detalhada sobre o impacto da pandemia no exame. “Um dos grandes problemas que a pandemia trouxe para a educação é o impacto desigual nas crianças e jovens”, afirma Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).

“Estudantes mais vulneráveis foram mais impactados, e os microdados são importantes para avaliarmos como esses impactos repercutiram no desempenho dos estudantes em avaliações de aprendizagem.”

De acordo com Portela, do Cenpec, “qualquer estudo do Enem comparado com os anos anteriores em função das peculiaridades desse ano, da pandemia, só é possível ser feito com esses microdados”.

O atraso da divulgação da base, segundo ele, também faz com que todos os estudos decorrentes desses dados atrasem. “Portanto, a possível ajuda decorrente que esses estudos teriam na formulação de políticas públicas fica prejudicada. Certamente é um prejuízo para a pesquisa e para a formulação de políticas públicas baseadas em evidência no país.”

Fabiana de Felicio ressalta ainda que esse tipo de política acaba “promovendo a maior eficiência do investimento público e privado”, e que os microdados do Enem 2020 podem ajudar a avaliar o sistema educacional durante a pandemia e apontar “alguns caminhos novos para tratar de velhos desafios: a recuperação da aprendizagem e a redução das desigualdades”.

O que são microdados?

Os “microdados” são chamados assim porque representam a versão mais detalhada possível dos indivíduos em um banco de dados específico. Historicamente, o Inep divulga anualmente nesse formato dados dos censos e de avaliações educacionais.

No caso do Enem, a base contém detalhes de cada candidato inscritos, como a idade, o sexo, a raça, informações socioeconômicas e educacionais, como o nome da escola, o tipo de rede de ensino e as notas que cada um tirou nas provas. Ela é divulgada anualmente no mês de junho, cerca de sete meses após a aplicação das provas e cinco meses após a divulgação do boletim com as notas de cada participante.

Em 2020, por causa da pandemia, a realização do Enem foi adiada de novembro para janeiro. Com isso, a divulgação das notas individuais também foi adiada em dois meses, de janeiro para março.

Se a lógica fosse mantida, a divulgação dos microdados seria atrasada em dois meses, de junho para agosto. No entanto, até a tarde desta sexta-feira (5), o documento ainda não havia sido divulgado ao público.

Via LAI, o Inep confirmou que os dados estão prontos, mas diz que, “enquanto os microdados não são divulgados no site, o cidadão pode solicitar acesso a eles por meio do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap)”, referindo-se ao sistema pelo qual pesquisadores com vínculo e projeto de pesquisa ativos em universidades podem pedir autorização prévia para se deslocar até a sede do órgão, em Brasília, e acessar bases de dados não anonimizadas por meio de um computador protegido contra o risco de vazamento de dados pessoais.

G1

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