Maria Lucimar Ferreira é auxiliar de serviços gerais e precisou abandonar escola ainda na infância. Data, celebrada neste domingo (14), chama a atenção para 77,7 mil analfabetos na capital do país. Maria Lucimar Ferreira aprendeu a ler e escrever depois dos 50 anos. "Meu maior orgulho", define.
Maria Lucimar Ferreira/Arquivo Pessoal
Para onde Maria Lucimar Ferreira olhava, tudo o que via parecia sem sentido, como uma confusa e indecifrável "sopa de letras". Mas, em 2017, a vida da auxiliar de serviços gerais, moradora de Ceilândia, no Distrito Federal, começou a mudar. Aos 52 anos, ela aprendeu a ler e a escrever, em um projeto social que leva o nome de Paulo Freire – o patrono da Educação.
Hoje, aos 56 anos, e alfabetizada, a piauiense que precisou abandonar a escola ainda na infância para trabalhar na roça e ajudar os avós, comemora a conquista.
"Aprender a ler é o meu maior orgulho. Minha vida mudou para melhor. Antes, era como se eu fosse cega. Olhava para as palavras, mas não as via", conta Lucimar.
A angústia vivida por Maria Lucimar antes de iniciar os estudos define bem a situação de milhões de brasileiros. O Dia Nacional da Alfabetização, comemorado neste domingo (14), chama a atenção para esse grave problema no país: o analfabetismo (veja dados mais abaixo).
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No Distrito Federal, segundo os últimos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios, realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), em 2018, 77.717 pessoas não sabiam ler e escrever – o que representa 2,7% da população local.
Uma das turmas do professor e alfabetizador Goethe Borgonha. Foi em uma delas que Maria Lucimar aprendeu a ler e escrever.
Goethe Borgonha/Arquivo Pessoal
Decifrando a 'sopa de letras'
Se engana quem pensou que a história de Maria Lucimar seria apenas mais um atestado das estatísticas de analfabetismo. Em 2017, ignorando as provocações do ex-marido – que falava que "a época de estudar tinha passado faz tempo" –, segundo conta, ela buscou uma sala de aula para aprender a ler e escrever.
"O primeiro mês foi difícil, mas fui me habituando. Percebia que estava me desenvolvendo a cada dia", lembra Lucimar .
Para a moradora de Brasília, a alfabetização foi uma "feliz oportunidade" que a motivou a retomar os estudos e até os sonhos que tinha deixado encostados.
Educação de Jovens e Adultos; em imagem de arquivo
Prefeitura de Itu/Divulgação
Hoje, Lucimar está finalizando o 9º ano do ensino fundamental, no Centro de Ensino Fundamental 13 de Ceilândia, e se prepara para embarcar na aventura do ensino médio.
"Fico emocionada quando falo desse assunto. Aprender a ler foi meu maior orgulho, minha vida mudou pra melhor. Não sabia me comunicar com as pessoas, nem achar endereços. Agora, sei o local para onde eu vou. Gosto muito de ler também", conta com entusiasmo.
Os próximos planos, a auxiliar de serviços gerais antecipou ao g1: conseguir um emprego, dar uma vida mais digna para os quatro filhos e iniciar o curso superior de enfermagem – "por amor, e não por dinheiro", faz questão de enfatizar.
Maria Lucimar também deixou um recado para quem, assim como ela, já achou que era tarde demais para se alfabetizar.
"Quero dizer para cada uma dessas pessoas para que não desistam dos seus sonhos, pois estou realizando o meu. Procure uma sala de aula e vá aprender a ler e a escrever. Não pensem que não têm mais idade para estudar. Só é preciso agir e ter força de vontade", diz Lucimar.
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Palavra de mestre
O professor Goethe Borgonha, educador popular do Centro de Educação Paulo Freire – responsável por iniciar o processo de alfabetização de Lucimar – acompanhou a trajetória da aluna.
"Ela era interessada, muito esforçada, sempre fazia muitas perguntas e não faltava às aulas. Era uma das melhores alunas", conta.
"Quando a pessoa escreve, aprende a organizar e a refletir sobre suas ideias claramente. Aprender a ler e escrever é, acima de qualquer coisa, uma oportunidade para que ela se sinta um pouco mais cidadã", diz o professor Goethe.
Carteira em escola no DF
Eduardo Paiva / TV Globo
Analfabetismo no DF
Os últimos dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios, da Codeplan, mostram que 24,96% das pessoas analfabetas no DF têm mais de 60 anos. Quase a metade (47,50%) é de pessoas com menos de 18 anos.
O levantamento também aponta que o analfabetismo é um problema, sobretudo, social: 42,03% dos analfabetos moravam em regiões administrativas consideradas de baixa renda: Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, Estrutural e Varjão.
Para o professor do Centro Educacional 06 de Ceilândia, Marcos Carlos, que trabalha na modalidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA), faltam políticas educacionais que propiciem uma maior reinserção de pessoas que abandonaram os estudos no processo de alfabetização.
"Sabemos que o número de analfabetos e analfabetos funcionais não é pequeno. O resgate dessas pessoas deveria ser prioridade, o que não é uma realidade no Distrito Federal", diz o educador.
Imagem mostra letras do alfabeto
TV Globo/Reprodução
Desigualdade no país
Até 2020, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad) Contínua Educação, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha 11 milhões de pessoas que, segundo definição do instituto, "não são capazes de ler e escrever nem ao menos um bilhete".
A pesquisa também revela desigualdades raciais e regionais no país: entre negros e pardos, a taxa de analfabetismo é de 27,1% – quase o triplo do percentual de brancos (9,5%). O Nordeste foi a região que registrou o maior índice, de 13,9%, quatro vezes mais que a taxa observada nas regiões Sul e Sudeste (3,3%).
*Sob supervisão de Maria Helena Martinho
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