Além dos opositores, observadores internacionais estarão no país para acompanhar a votação Uma oposição fragmentada enfrenta um chavismo pragmático nas eleições regionais da Venezuela neste domingo (21). O pleito se destaca pela volta de dois atores. Além dos opositores, observadores internacionais estarão no país para acompanhar a votação –que vai eleger nomes para 3.082 cargos: 23 governadores, 335 prefeitos, 253 legisladores regionais e 2.471 vereadores. Foram enviadas à Venezuela missões da União Europeia (UE), da ONU e do Centro Carter, organização ligada ao ex-presidente americano Jimmy Carter. Os últimos pleitos foram realizados sem esse componente, reintroduzido pelo regime como parte das negociações com opositores nos últimos meses, no México.A oposição, por sua vez, participará de uma eleição pela primeira vez desde o pleito de 2015 para o Legislativo, reconhecido internacionalmente como o último legítimo do país. Dois anos depois, o regime promoveu uma votação para a Assembleia Constituinte que visava esvaziar a Assembleia Nacional, de maioria opositora. Em 2018, Nicolás Maduro foi reeleito em uma disputa contestada.No ano seguinte, os integrantes da Assembleia, considerando que havia uma vacância de poder, declararam o líder da Casa, Juan Guaidó, como presidente interino e passaram a fazer campanha por eleições livres o mais rapidamente possível. Quase três anos depois, sem atingir o objetivo, o chamado G4 – que reúne os partidos opositores Voluntad Popular, Primero Justicia, Acción Democrática e Un Nuevo Tiempo – decidiu recuar e participar desta eleição. Guaidó e o líder do Voluntad Popular, Leopoldo López, foram voto vencido e cederam a pressões internas das legendas.Para o analista político venezuelano Eugenio Martínez, a votação "não ameaça de nenhum modo a permanência de Maduro no poder, mas pode ser um ponto de partida para a reconstrução dos poderes locais e do sistema de participação eleitoral, perdidos pelos seguidos boicotes".Mesmo líderes que apoiavam Guaidó e romperam com ele têm visões diferentes sobre a votação deste domingo. O ex-candidato a presidente Henrique Capriles é a favor da participação da oposição e pede o fim da "interinidade" do colega – ela deve ser decidida em janeiro de 2022.María Corina Machado concorda com a destituição do autoproclamado presidente interino, mas considera que concorrer no pleito é mostrar cumplicidade com o regime.Em meio ao desencontro de posições, o discurso de campanha dos opositores deixou de lado a narrativa de tirar Maduro do poder para se concentrar em recuperar espaços nas administrações regionais."Voltar a ocupar cargos é importante para legitimar nossa luta – que sempre será pelo fim da ditadura –, mas por ora talvez tenhamos que ir passo a passo", afirma o ex-deputado Freddy Guevara. "Sabemos que as condições não são ideais e que, mesmo que nossos candidatos vençam, teremos poderes reduzidos e controlados. Mas é importante participar para ter força de pressionar por negociações."Um dos que tentam desbancar o regime de uma posição-chave é José Manuel Olivares, que disputa o cargo de governador de La Guaira, um reduto chavista, com o governista José Alejandro Terán."Só de estar na rua fazendo campanha já é um símbolo forte. As pessoas não podem pensar que desistimos delas, por isso é importante estar nesta eleição, conversar com as pessoas sobre seus problemas cotidianos", afirma. "Temos de nos expor para convocar os venezuelanos de volta às ruas e ao interesse pela política. Mesmo que o resultado eleitoral não seja satisfatório."Do outro lado, o regime minimiza o tom do discurso ideológico. Em vez de evocar a figura de Hugo Chávez (1954-2013) e apostar nos discursos de que há uma conspiração imperialista contra a revolução, os candidatos de Maduro fizeram campanha com foco em problemas imediatos da população, como a crise econômica e a segurança. Até a cor vermelha, que predominava no material de campanha eleitoral, vem dando lugar a outras cores, sendo o azul-claro o predominante.A animação do eleitorado, porém, não decolou. Segundo números do Datanálisis, só 15% dos venezuelanos se diz muito disposto a comparecer às urnas. "Temos um cenário em que eleitores do chavismo estão mais propensos a votar que os da oposição, que se mostram desiludidos com os fracassos recentes e com a fragmentação de seus líderes", diz à Folha Luis Vicente León, economista e diretor do instituto. "Também é preciso levar em conta que 20% do eleitorado emigrou nos últimos anos –e que eram pessoas descontentes com o regime, seriam eleitores importantes para a oposição."Embora a disposição de votar seja pequena, as sondagens mostram que 85% dos venezuelanos querem uma mudança de regime. Para León, o chavismo está disposto a se mostrar algo democrático para legitimar-se ante à comunidade internacional – e essa é uma chance para o crescimento da oposição."Não se pode achar que a eleição da Venezuela é parecida com a da Nicarágua. Aqui de fato haverá observadores e oposição", afirma. "Não significa que o regime não seja autoritário e que estratégias de intimidação e de manejo do resultado não serão usadas. Mas, ainda assim, não é um teatro."Trata-se, ainda, da primeira eleição desde a reestruturação do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que agora é formado por dois reitores independentes e três chavistas. "Eles fizeram um trabalho para tornar o pleito tecnicamente mais confiável. Mas é preciso levar em conta que o chavismo ainda controla o CNE e que o Supremo Tribunal Eleitoral, que dirime problemas no conselho, também é chavista", diz León.A Venezuela enfrenta grave crise econômica. Nos últimos oito anos, o PIB encolheu 75%, e o país tem a mais alta taxa de inflação da região, de 1.945% ao ano, segundo o Banco Mundial. Há 8 milhões de desempregados e 94,5% da população está abaixo da linha da pobreza, de acordo com dados da Universidade Católica Andrés Bello.Em 2019, o regime passou a permitir o uso de dólares na economia cotidiana, em razão da escassez de moeda causada pela alta inflação. Hoje, 70% das transações comerciais internas são realizadas com a moeda americana, assim como 60% dos depósitos bancários. A medida facilitou a entrada na economia local das remessas enviadas pelos venezuelanos no exterior. Já são 6 milhões os que emigraram nos últimos anos, durante o período de governos chavistas – um quinto da população do país.
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