Historiador acerta ao reconstituir a trajetória do artista em ordem cronológica, através de 50 canções, em livro cujo primeiro volume chega ao mercado em 6 de dezembro. Resenha de livro
Título: Roberto Carlos outra vez – Volume 1 – 1941 – 1970
Autor: Paulo Cesar de Araújo
Edição: Record
Cotação: * * * * *
? Nada tira o mérito do primeiro relevante livro sobre Roberto Carlos, o cantor de popularidade mais longeva na música brasileira em todos os tempos. Escrito pelo historiador baiano Paulo Cesar de Araújo e lançado há 15 anos, esse livro se chama Roberto Carlos em detalhes (2006) e é alentado perfil biográfico do artista de 80 anos completados em 19 de abril deste ano de 2021.
Tirado de circulação em 2007, após acordo firmado na Justiça por Roberto com a editora Planeta, o livro abriu caminho para discussões sobre a liberdade de expressão literária que levaram o Supremo Tribunal Federal a liberar em 2015 a publicação de biografias sem necessidade de autorização dos biografados ou dos herdeiros.
Residente em Niterói (RJ), Paulo Cesar de Araújo decidiu então recontar a história de Roberto Carlos em outra biografia. Desmembrada em dois volumes, essa nova biografia terá a primeira parte lançada em 6 de dezembro em volumoso livro publicado pela editora Record.
Roberto Carlos outra vez – Volume 1 – 1941 – 1970 mostra que Paulo Cesar de Araújo se superou na tarefa hercúlea de biografar novamente o cantor e compositor que entrou em cena em 1959, como crooner da boate Plaza, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). A narrativa resulta mais bem estruturada.
A ideia foi recontar a vida do artista através das “canções do Roberto”, entendendo-se por “canções do Roberto” inclusive as músicas que não foram compostas pelo Rei, mas que adquiriram a identidade do cantor assim que ganharam a voz de afinação e emissão exemplares.
Neste primeiro volume, Paulo Cesar de Araújo alinha 50 canções, deixando outras 50 para a segunda parte da biografia, em volume que abrangerá da década de 1970 aos dias de hoje.
As canções do volume 1 não são apresentadas em ordem rigorosamente cronológica. Tanto que a narrativa biográfica do primeiro volume começa com O divã (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), música confessional de 1972, e termina com o spiritual Jesus Cristo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), obra-prima religiosa do álbum de 1970.
Só que as canções são meros pretextos para que o biógrafo, partindo delas, reconte a vida de Roberto Carlos com exposição – esta, sim, cronológica – dos fatos marcantes da existência do cantor capixaba, do nascimento em 1941 na cidade de Cachoeiro de Itapemirim (ES) até 1970, ano em que Roberto conclui a transição da fase juvenil dos anos 1960 para o universo adulto da década seguinte, marcada por canções românticas, sensuais e/ou religiosas.
Nesse sentido, Roberto Carlos outra vez – Volume 1 – 1941 – 1970 supera, na forma, a estrutura do antecessor Roberto Carlos em detalhes, livro em que o autor dissecou o artista por temas, com capítulos dedicados a expor a relação do cantor com o sexo, o amor, a fé e a política, entre outros tópicos.
Há ganhos também no conteúdo. O ensaio que apresenta o livro e precede a narrativa biográfica – intitulado A canção do Roberto – já merece menção honrosa. Nesse ensaio, Paulo Cesar de Araújo defende com propriedade a singularidade da personalidade artística de Roberto Carlos com o argumento de que essa identidade foi moldada com influências do rock, da bossa nova e da canção sentimental brasileira que constitui em si um gênero musical que o autor chama de brega.
Do amálgama desses três estilos de música, germinados e/ou consolidados no Brasil ao longo dos anos 1950 e personificados para Roberto por Elvis Presley (1935 – 1977), João Gilberto (1931 – 2019) e Anísio Silva (1920 – 1989), respectivamente, criou-se a assinatura musical de Roberto Carlos, pessoal e intransferível, ainda que muitos tenham tentado imitar o cantor ao longo de carreira que já contabiliza 62 anos.
Roberto Carlos é alvo de uma segunda biografia não autorizada escrita por Paulo Cesar de Araújo
Reprodução / Capa do single 'A cor do amor'
Com 928 páginas e fotos alocadas entre os capítulos, o livro tem a longa narrativa da primeira parte encerrada com sentença lapidar de Ronaldo Bôscoli (1928 – 1994) – “Roberto Carlos é a contradição brasileira. É o único capaz de mandar tudo para o inferno e ser amigo de Jesus Cristo” – sobre o cantor para quem compôs algumas canções e, em parceria com Luiz Carlos Miele (1938 – 2015), criou shows e especiais.
Mesmo que cada capítulo detalhe a gênese de cada música, descortinando os bastidores das gravações de discos e produções de shows, Paulo Cesar de Araújo vai além ao biografar Roberto Carlos outra vez, procurando explicar a contradição de que falou Bôscoli.
Aparentemente sem temer novas represálias judiciais do artista biografado, o autor dedica o penúltimo capítulo, batizado com o nome da canção Ana (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1970) ao enfatizar a personalidade controladora do artista em relação à própria imagem.
É quando Araújo conta que, em 1980, Roberto Carlos somente autorizou a emissora de TV SBT a reexibir o programa Quem tem medo da verdade? – atração sensacionalista da TV Record da qual o Rei foi o “réu” em edição exibida em fevereiro de 1970 – se pudesse cortar os trechos que ainda o incomodavam dez anos depois. E assim foi feito.
São detalhes de livro que, evidentemente, nada revela de realmente relevante para quem leu Roberto Carlos em detalhes porque, em essência, a história já está contada e, mesmo tendo sido eventualmente atualizada com fatos acontecidos ao longo dos últimos 15 anos, permanece substancialmente a mesma.
Contudo, cabe enfatizar, a maneira com que Paulo Cesar de Araújo reconta a história resulta mais sedutora do que a do livro de 2006 por estar mais próxima do formato cronológico das biografias tradicionais, sem tantas idas e vindas no tempo.
Acima de tudo, mesmo que o autor aponte idiossincrasias do biografado, fica nítido mais uma vez como é grande o amor de Paulo Cesar de Araújo por Roberto Carlos.