Popular na década de 1970, artista fluminense amplia o cancioneiro com o álbum de músicas inéditas 'O infalível zen' e tem a trajetória revista em ainda inédito tributo que inclui Criolo e Teresa Cristina. ? ANÁLISE – Quando Benito Di Paula viveu o auge da popularidade ao longo dos anos 1970, com sucesso que se estendeu em menor escala até meados da década de 1980, houve quem diminuísse na imprensa musical o samba criado e tocado por esse cantor, compositor e músico fluminense ao piano.
Mal sabiam que, embora as críticas injustas e preconceituosas magoassem Benito, o próprio Uday Velloso – nome de batismo desse artista fluminense nascido em 28 de novembro de 1941 em Nova Friburgo (RJ) e criado no Rio de Janeiro (RJ) antes de partir para cidades de São Paulo, como Santos (SP) e a capital do estado – jamais se considerou sambista da dinastia de Martinho da Vila e Paulinho da Viola, ambos também com grande sucesso na década de 1970.
Benito sempre se rotulou publicamente como sambeiro. E também como pianeiro. Porque foi no toque percussivo do piano que Benito Di Paula fazia a própria batucada com suingue brasileiro que, de certa forma, antecipou o pagode paulista que seria propagado nos anos 1990 por grupos como Raça Negra com arranjos cheios de teclados.
E o fato é que o sambeiro pianeiro delineou assinatura singular na música do Brasil e chega hoje aos 80 anos com obra em processo de expansão e reavaliação. A ampliação do cancioneiro acontece com a edição do álbum de músicas inéditas O infalível zen, lançado estrategicamente neste domingo, 28 de novembro, dia do 80º aniversário de Benito.
Assinado pelo artista com o filho Rodrigo Vellozo e gravado sob direção artística de Romulo Fróes, o disco apresenta músicas como Ao mundo o que me deu, Um piano no forró, O jantar, Meu retrato – bolero composto em tributo ao cantor Nelson Gonçalves (1919 – 1998) – e Uma onda no tempo.
A revisão da obra (sempre avalizada pelo público) acontece em vindouro álbum dedicado pelo admirador Zeca Baleiro ao cancioneiro original de Benito Di Paula e em ainda inédito tributo coletivo que, sob a batuta de Romulo Fróes, junta outros admiradores como Criolo e Teresa Cristina.
De toda forma, a grande obra autoral de Benito Di Paula merece loas, e não somente no dia dos 80 anos do sambeiro, porque essa obra fala por si só.
Diplomado na escola noturna das boates, território onde constatou que o manuseio das teclas do piano surtia efeito de batucada, Benito Di Paula marcou época nos palcos dos auditórios dos programas de TV com o informal visual de gala composto por anéis, casacas, colares, gravatas borboletas, pulseiras e, claro, os cabelos longos e outrora cacheados. Quem viveu no Brasil ao longo dos anos 1970 lembra da figura de Benito.
Benito Di Paula na capa de álbum de 1976 com o visual típico dos anos 1970
Reprodução / Capa de disco
O cantor debutou em disco em 1967 e, há 50 anos, lançou o primeiro álbum, Benito Di Paula (1971), ao qual se sucedeu o segundo, Ela (1972), lançado um ano depois com o primeiro sucesso do artista, Violão não se empresta a ninguém (1972).
Contudo, o reinado de Benito Di Paula começou de fato em 1973 com dolente samba-canção, Retalhos de cetim, apresentado em single blockbuster naquele ano de 1973.
Retalhos de cetim foi o ponto de partida para o sucesso de obra que – calcada no mix do piano tocado pelo artista com instrumentos de percussão – rendeu sucessivos hits até 1984, mas sobretudo de 1973 a 1977.
Nesse período, foi impossível ignorar Charlie Brown (1974), Beleza que é você mulher (1974), Bandeira do samba (1975), Como dizia o mestre (1975), Vai ficar na saudade (1975), Tudo está no seu lugar (1976), Do jeito que a vida quer (1976, samba dos versos confessionais “...É que meu samba me ajuda na vida / Minha dor vai passando esquecida”), Assobiar e chupar cana (1977) e Proteção às borboletas (1977).
Apresentadas ao longo de quatro anos, no já mencionado período de 1973 a 1977, auge da carreira de Benito, essas músicas atestam o talento do compositor para fazer samba descolado da matriz do gênero, ainda que a assumida maior influência do sambeiro tenha sido a obra do bamba Ataulfo Alves (1909 – 1969).
Lançados em discos editados pelo cantor na gravadora Copacabana, na qual Benito permaneceu até 1980 e para a qual voltou brevemente em 1987 e em 1992, esses sucessos da década de 1970 são suficientes para garantir a imortalidade do agora octogenário Benito Di Paula na galeria dos criadores da música do Brasil.
Benito Di Paula toca violão no álbum 'O infalível zen', disco assinado com o filho Rodrigo Vellozo
Murilo Alvesso / Divulgação
Contudo, o cantor ainda emplacou eventuais hits na primeira metade da década de 80. Ah! Como eu amei, música dos irmãos Jota Vellozo e Nei Vellozo, garantiu a Benito bom lugar nas playlists de 1981. Parceria de Benito com Márcio Brandão Carneiro, Amigo do sol amigo da lua tocou bem nas rádios em 1984.
Foi o último sucesso de Benito Di Paula, ainda que o cantor tenha continuado a lançar álbuns com regularidade até 1996, ano em que apresentou Baileiro sem repercussão.
Desde então, alijado do mercado fonográfico pela máquina das gravadoras, Benito Di Paula apresentou somente mais dois álbuns com músicas inéditas, A felicidade é nossa (2017) e o novíssimo O infalível zen (2021), disco em que também toca violão.
A frieza da indústria fonográfica pode ter afastado Benito Di Paula das paradas, mas jamais do público. O cantor e compositor sempre foi extremamente popular e amado pelo chamado povão – e aí talvez tenha residido a resistência dos formadores de opinião em dar a Benito Di Paula o merecido reconhecimento que o sambeiro pianeiro recebe tardiamente no 80º aniversário. Ao menos, as flores estão sendo dadas em vida...