Nesta edição, 20,1% dos candidatos se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas contra 22,6% na Fuvest 2021. Segundo o pró-reitor de Graduação da USP, queda reflete redução de inscrições na pandemia na Fuvest e em outros vestibulares do país. Fuvest 2022 tem menor número de candidatos pretos, pardos e indígenas em nove anos
Mais de 101 mil estudantes são esperados para a prova da primeira fase da Fuvest 2022 no próximo dia 12. Eles concorrem a 8.211 vagas na graduação da Universidade de São Paulo (USP). O total de participantes é menor do que na edição passada do vestibular, mas a queda foi maior entre o grupo conhecido como PPI: os pretos, pardos ou indígenas.
Do total de USP, pouco mais de 20 mil, ou 20,1%, se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas no ato de inscrição. É a menor proporção em nove anos, maior apenas que a da Fuvest 2013, quando 19,6% dos candidatos eram PPI.
Porcentagem de candidatos pretos, pardos e indígenas no vestibular 2022 é a menor em nove anos
Ana Carolina Moreno/TV Globo
Em entrevista à TV Globo, o professor Edmund Chada Baracat, pró-reitor de Graduação da USP, disse que a queda é um reflexo da pandemia.
“Realmente a pandemia diminuiu o número de estudantes de uma maneira geral que estão se inscrevendo nos vestibulares. Tanto na Fuvest nós tivemos redução, como nós tivemos redução no Enem, teve uma queda muito grande”, afirmou.
A queda na representatividade vai de encontro à recente evolução da inclusão racial na USP. Em 2021, pela primeira vez a universidade conseguiu ter mais de metade dos novos calouros oriundos de escolas públicas de ensino médio. Esta era uma meta que a universidade queria ter batido em 2018.
Mas, em 2017, o Conselho Universitário (CO) adiou a meta até 2021, na mesma reunião em que decidiu adotar cotas sociais e raciais no vestibular da Fuvest.
A meta era progressiva e foi aumentando ao longo dos anos. A partir de 2021, a determinação é que pelo menos 50% dos ingressantes em cada curso e turno sejam estudantes da rede pública e, desses, pelo menos 37,5% sejam do grupo PPI – a porcentagem de 37,5% equivale à proporção da população preta, parda ou indígena no estado de São Paulo, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
34 cursos não cumpriram meta de inclusão racial
O pró-reitor afirmou que, neste ano, 86% dos cursos da USP conseguiram cumprir a meta de ter metade dos ingressantes de escola pública, e 83% cumpriram a meta referente aos estudantes PPI. Isso representa 34 cursos da instituição.
Na média geral das unidades, Baracat afirma que a porcentagem sobe para 88% nos dois casos, o que garantiu que a USP como um todo chegasse à meta. “Nós tivemos um aumento importante, quase 52% dos ingressantes em 2021 provenientes de escolas públicas, e o percentual de 44% de estudantes pretos, pardos ou indígenas”, afirmou ele.
O Sistema de Seleção Unificada (Sisu), atualmente, é o principal sistema pelo qual a USP reserva vagas nas cotas raciais. Na divisão de vagas para 2022, do total das 8.211 oferecidas pela Fuvest, 1.088 (13,3%) são reservadas para estudantes de escola pública PPI. Já entre as 2.936 vagas em disputa no Sisu, 1.093 (37,2% do total) são para esses cotistas. Considerando a cota da rede pública, a situação se inverte: a maioria das vagas reservadas estão na própria Fuvest, 2.169, contra 1.237 no Sisu.
“Nós atingimos a meta de 50% de escolas públicas. Então agora, a ideia é que se mantenha esse número e que se faça uma análise da evolução dos ingressantes nessas duas modalidades de ingresso, e nas formas de ingresso”, afirmou Baracat.
Barreiras para acesso ao ensino superior
A queda recente na proporção de candidatos PPI na Fuvest pode reverter a recente equalização entre a porcentagem de inscritos e de aprovados que se declaram pretos, pardos ou indígenas. Nos últimos dois anos, após a adoção das cotas no vestibular, o grupo PPI respondia por cerca de 22% dos candidatos, e 22% dos candidatos que conseguiram garantir a matrícula. Mas, nos oito anos anteriores, os calouros PPI tinham uma representação sobre o total de aprovados entre 2 e 6 pontos percentuais a menos do que sobre o total de vestibulandos.
Segundo Adriano Senkevics, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e doutor em educação pela USP, essa diferença entre inscritos e aprovados “aponta para um filtro que seleciona os estudantes, deixando de fora os com perfil mais vulnerável”.
Primeiro, de acordo com o pesquisador, “ele tem que ser capaz de concluir o ensino médio, que é um pré-requisito para continuar os estudos”. Depois, precisa se inscrever no vestibular, “e aí envolve informação, envolve capacidade de poder se inscrever, envolve muitas vezes dinheiro, quando não há isenção da taxa de inscrição. Envolve a capacidade de estar presente nos dias de prova. Às vezes ele pode trabalhar, às vezes a pessoa não tem recursos para estar presente”.
Foi nessa barreira que a estudante Jéssica Morais, de 19 anos, ficou para trás na Fuvest 2022.
“Quando eu soube da Fuvest, eu perdi a data de isenção, como comecei um trabalho novo, tudo... E aí, quando eu ia me inscrever, que eu tinha dinheiro dessa vez, já tinham fechado as inscrições, então meio que não deu de qualquer jeito para eu prestar a Fuvest”, explica ela, que é filha de uma empregada doméstica e um pintor, e tenta ser a primeira da família a entrar na faculdade.
Além de participar da prova, Senkevics diz que esse estudante precisa ter um desempenho melhor que os concorrentes. “Envolve superar a disputa no vestibular que, nessas universidades mais concorridas, como a USP, em determinados cursos, especialmente, é muito acirrada”, explica ele.
“Além de superar essa disputa, essa pessoa tem que ser capaz de se matricular. Ou seja, viabilizar o seu ingresso. Então são várias barreiras que vão afetar esses estudantes, e alunos negros, indígenas, de escola pública, de famílias mais pobres, sempre têm mais dificuldades para superar cada uma dessas barreiras.”
Após ingresso, desafio é garantir permanência
Edmund Baracat, pró-reitor da USP, ressalta que, uma vez matriculado, o estudante ainda precisa garantir a permanência na universidade até a formatura. “Não adianta você aumentar a inclusão, mas não propiciar condições para que os estudantes permaneçam na universidade”, disse ele, afirmando que, para 2022, o orçamento da USP para o auxílio à permanência estudantil vai ser de R$ 260 mil, um aumento em torno de 30% em relação a 2021.
Outras ações da universidade, segundo ele, incluem o programa Vem pra USP, que inclui a Competição USP de Conhecimento (Cuco), feita em parceria com as escolas públicas de ensino médio estaduais no Estado de São Paulo, e que oferece isenção integral na taxa de inscrição da Fuvest para estudantes que atingirem uma pontuação mínima.
“Isso tem atraído estudantes, essa é uma política da universidade de divulgar a Universidade de São Paulo e as suas formas de ingresso para as escolas públicas do estado”, disse Baracat.
Histórico de inclusão na USP
Entre 2007 e 2017, a política de ação afirmativa da USP na Fuvest não passava pela reserva de vagas, mas investia em bônus de até 20% na nota do vestibular para estudantes de escola pública. Em 2013, um bônus extra de 5% foi estendido aos estudantes de escola pública pretos, pardos e indígenas.
Em 2015, o Conselho Universitário aderiu pela primeira vez ao Sisu, o programa do Ministério da Educação que seleciona estudantes com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com isso, 2016 se tornou o primeiro ano em que estudantes puderam passar na USP por meio de cotas de escola pública ou raciais.
Nos quatro anos seguintes, a adesão ao Sisu era opcional e foi aumentando gradativamente. Em 2017, além da imposição das cotas na Fuvest e metas progressivas de inclusão para toda a universidade, todas as unidades passaram a oferecer até 30% das vagas pelo sistema.
Neste ano, um quarto do total de 11.147 vagas na Universidade de São Paulo poderão ser preenchidas com a nota do Enem 2021.
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