Cenário básico do estudo também leva em conta uma expansão do PIB que converge para cerca de 2% no fim do período O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acaba de finalizar estudo apontando que a relação dívida/PIB tende a ficar relativamente estável ao longo da década, mas ganhando trajetória de queda na segunda metade e chegando a 75,7% em 2030.
Esse é o cenário básico previsto no “Panorama Fiscal” do órgão, antecipado pelo Valor, e que considera a despesa controlada nos níveis previstos pelo teto de gastos após a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios até 2026, passando a crescer 1% em termos reais nos anos seguintes. Essa projeção também leva em conta uma expansão do PIB que converge para cerca de 2% no fim do período.
Leia mais:
Tesouro: Dívida Pública Federal total sobe 2,34%, para R$ 5,498 trilhões em novembro
Melhora das expectativas sobre trajetória fiscal no Brasil faz curva de juros perder nível e inclinação, aponta Tesouro
Volume de ações contra aplicativos dispara na Justiça do Trabalho
O documento traz outros dois cenários - um pessimista e um otimista - nos quais o principal indicador fiscal pode encerrar a década em 104,8% (se as despesas já romperem o novo teto em 2023 e o crescimento econômico ficar muito fraco) ou em 58,3% - considerando as despesas controladas e o impacto de reformas microeconômicas que levem o PIB para a casa de 3%.
“Os exercícios de simulação realizados mostram que, caso o risco fiscal seja mantido sob controle, a relação DBGG/PIB pode apresentar estabilidade ou trajetória de queda ao longo desta década – a depender da magnitude do efeito das reformas microeconômicas em curso sobre a produtividade da economia”, aponta o texto. “Contudo, caso o país não seja capaz de avançar no requerido processo de consolidação fiscal, e a economia convirja para um equilíbrio caracterizado por menor crescimento e mais inflação, a dívida pública poderá entrar em uma trajetória insustentável”, completa o texto.
O material é assinado pelos pesquisadores Marco Cavalcanti, que já foi subsecretário de política fiscal no ministério da Economia do atual governo; Felipe Martins, Sergio Ferreira e Wellington Nóbrega.
O texto destaca o bom desempenho das contas públicas em 2021, que fecharão com números bem melhores que o esperado no início do ano. “Isso se deve, principalmente, ao crescimento mais forte do PIB e à taxa de inflação mais elevada, relativamente às expectativas iniciais, que deverão ensejar, para o acumulado do ano, uma arrecadação federal cerca de R$ 270 bilhões acima do nível previsto em março e um aumento de receita líquida do Governo Central da ordem de R$ 210 bilhões”, explica o documento.
Nas estimativas dos técnicos, o ganho de receita mais do que compensará o aumento de despesas primárias, levando a um déficit primário de aproximadamente R$ 70 bilhões em 2021 – muito inferior à meta de de R$ 247 bilhões.
Apesar dos dados melhores, o texto reconhece que as incertezas fiscais aumentaram por conta da tramitação da PEC dos Precatórios, que foi aprovada e elevou o espaço para gastos nos próximos anos. “A aprovação dessa PEC resolveu o problema de obediência à EC nº 95/2016 em 2022, mas deu margem à preocupação, por parte de analistas e de segmentos da sociedade, de que sinalizaria o abandono do comprometimento do país com o equilíbrio fiscal. Diante disso, a percepção de risco fiscal tem permanecido relativamente elevada, continuando a representar um fator negativo para o ritmo de crescimento da economia”, diz o texto.
Os autores, porém, lembram que parte desse aumento da percepção de risco foi revertido mais recentemente, embora o patamar ainda esteja bem mais pressionado do que antes do problema dos precatórios ter vindo à tona.
“Nos próximos meses, ficará mais claro se o mercado de fato reduziu, na margem, sua percepção de risco em relação à evolução das contas públicas. De qualquer forma, é certo que o quadro fiscal continuará representando, no curto e médio prazo, um fator de risco importante para o processo de recuperação da economia brasileira, e que será necessário esforço redobrado, por parte do setor público e da sociedade brasileira em geral, na continuidade do processo de consolidação fiscal interrompido pela pandemia – não apenas no sentido de conter as despesas em nível agregado, mas também na direção da melhora da qualidade do gasto”, dizem.
Ao Valor, Marco Cavalcanti destacou que, mais importante que os números efetivamente projetados, são as trajetórias apontadas pelo estudo nos três diferentes cenários. Segundo ele, o teto não morreu com a PEC dos Precatórios e que, seguindo a regra em seus novos moldes, é possível ter um cenário de controle e redução da dívida ao longo do tempo, que também dependerá de outras medidas para fomentar o crescimento, que na visão dele são mais reformas.
“Manter a trilha de controle fiscal é um caminho para o crescimento virtuoso”, disse Cavalcanti, reforçando que o novo teto após a PEC ainda representa uma restrição importante de gastos para o longo prazo e que o sustentarpelo menos até 2026 é a melhor saída.
Para ele, a pior situação seria simplesmente abandonar a âncora, mesmo com sua flexibilização recente. “Se o país for por um caminho de não seguir as regras, o risco fiscal vai permanecer alto. A gente pode entrar em um ciclo vicioso, onde uma coisa retroalimenta outra, em que despesa crescendo mais, com primário menor, que gera dívida maior e percepção de risco aumenta os juros e eleva a dívida ainda mais, a inflação aumenta, que é o que o cenário pessimista está retratando. E o cenário pessimista nem considera o risco de ruptura, seria um equilíbrio ruim, mas sem uma grande crise no caminho”, salientou.
28/12/2021 18:04:25