Números da Polícia Federal apontam que as apreensões de valores e bens nas investigações de combate à corrupção e desvio de recursos públicos aumentaram em 2020.
Até novembro, segundo a corporação, o montante chegou a R$ 6,1 bilhões. Foram 281 operações, incluídas aquelas contra o desvio de recursos destinados ao combate à Covid-19.
O valor é superior à soma dos resultados obtidos em 2019 – R$ 2,7 bilhões – e em 2018 – R$ 2,5 bilhões.
Procurado, o ministro André Mendonça (Justiça) não quis comentar sobre os resultados da pasta, à qual a PF é subordinada. Ele assumiu o posto em abril deste ano, após Sergio Moro deixar o governo acusando Jair Bolsonaro de tentar interferir na corporação.
Informações consolidadas sobre o desempenho da polícia nas ações contra o crime de colarinho-branco eram aguardadas com expectativa em setores do governo federal.
O primeiro ano da administração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fechou com resultados próximos ao do período imediatamente anterior, na gestão de seu antecessor, Michel Temer (MDB).
O relatório de gestão do Ministério da Justiça de 2019, divulgado no início do ano, mostrou que a PF ficou aquém da meta no quesito operações especiais – 15% menor se comparada a 2018.
São operações especiais, segundo a pasta, aquelas ações executadas com o emprego de técnicas de investigação como monitoramento telemático, análise de material obtido por meio da quebra de sigilo financeiro e fiscal ou atuação com outros órgãos.
Entram nessa classificação também operações cuja soma de mandados de busca e apreensão e de prisões seja superior a dez ordens judiciais na etapa de deflagração. As ações da Operação Lava Jato são exemplos.
Pesquisa do Datafolha de dezembro de 2019 revelou que 50% dos entrevistados consideraram o governo federal ruim ou péssimo em iniciativas de combate à corrupção.
Episódios como a investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente, no caso das "rachadinhas", e a apuração sobre o laranjal do PSL, revelado pela Folha, reforçaram essa percepção.
Ainda enquanto ministro da Justiça, Moro disse que não houve prejuízo ao enfrentamento do crime de corrupção e que a preocupação era com a qualidade das operações, focadas em alvos estratégicos.
Aliados de Moro dizem que o resultado operacional de sua gestão sofreu impacto por motivos alheios à pasta. Por exemplo, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) do ano passado que paralisou, por seis meses, investigações em todo o país com dados do Coaf, órgão de inteligência financeira que monitora transações suspeitas.
Quatro meses após o ex-ministro ter deixado o cargo, Bolsonaro foi às redes sociais e afirmou que "como num passe de mágica" as operações da PF passaram a ser realizadas.
O montante de valores e bens apreendidos nos últimos meses é um indicativo de que houve, sim, um incremento operacional. Porém, seria exagero creditar o resultado somente à atual gestão, dizem investigadores ouvidos pela Folha.
O presidente da ADPF (Associação de Delegados da Polícia Federal), Edvandir Paiva, disse que é preciso aguardar mais informações para entender as razões do aumento.
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"É cedo para dizer se é fruto desta ou da gestão passada ou ainda de gestões anteriores", afirmou Paiva. "Mas o dado revela que a PF não ficou parada neste ano tão difícil."
O agente federal Flávio Werneck, diretor jurídico da Fenapef (Federação Nacional de Policiais Federais), afirmou que a proposta de atuação da corporação, até pouco tempo bastante focada em corrupção, sofreu ajustes, muito até em razão da Lava Jato.
Outras áreas, como o narcotráfico, ganharam espaço na agenda policial nos últimos dois anos, segundo ele.
O economista Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, disse que, embora a entidade não tenha recebido dados oficiais, há informes que apontam para "um expressivo incremento de operações anticorrupção em relação a anos anteriores". Sobretudo, frisou ele, em razão das investigações contra o desvio de recursos destinados ao combate da Covid-19.
Brandão afirmou que a polícia não é hoje o foco de maior preocupação da entidade em razão do fortalecimento institucional das últimas duas décadas. "O que não é impossível de ser desconstruído, mas tem uma solidez institucional", disse.
Ele alertou que as unidades regionais estão mais sujeitas à captura política do que o comando central em Brasília.
"Um bom termômetro são os filhotes da Lava Jato. A Lava Jato espalhou filhotes por várias partes do Brasil. Quais delas avançaram, quais não avançaram? A maioria não avançou."