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Venezuelanos não sentem no bolso o fim da hiperinflação



O fenômeno da hiperinflação acontece quando os preços de bens e produtos aumentam mais de 50% ao mês; o país iniciou sua escalada hiperinflacionária em 2017 e, em 2018, a inflação atingiu 130.060% Em um dia e meio de trabalho, o venezuelano Jorge Luis Arreaza, de 60 anos, mal ganhou quatro bolívares (menos de um dólar) para tomar conta e lavar carros estacionados em uma avenida ao norte de Caracas. Antes ele ganhava o equivalente a US$ 5 por seis automóveis.

Durante um discurso no sábado passado, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse que depois de “muita paciência e proteção” o país teve uma inflação mensal de um dígito nos últimos quatro meses.

“Isso nos deixa otimistas de que superamos os fardos da hiperinflação”, afirmou o presidente, algo com que os economistas concordam, embora se mostrem mais cautelosos e evitem comemorar.

O fenômeno da hiperinflação acontece quando os preços de bens e produtos aumentam mais de 50% ao mês, o que se traduz em pessoas que pagam mais para comprar menos. A Venezuela começou sua escalada hiperinflacionária em 2017, quando a inflação mensal chegou a 56,7% em dezembro. A inflação daquele ano foi de 862,6%, para depois atingir 130.060% em 2018, segundo dados do Banco Central do país, que deixou de divulgar dados econômicos por quatro anos.

Um comerciante conta notas de bolívar e dólar para entregar a um cliente de seu estabelecimento, em Caracas, Venezuela

Matias Delacroix/AP

Inflação mensal de um dígito

Em dezembro do ano passado, a Venezuela registrou uma inflação mensal de 7,6%, com o que completou 12 meses com uma variação inferior a 50%, o que se enquadra no conceito tradicional do que marca o fim de um ciclo de hiperinflação.

Ainda assim, a taxa anual foi de 686,4%, o que a torna o país com a inflação mais alta do mundo. Em comparação, a Colômbia fechou 2021 com uma taxa de 5,62%, enquanto a da Argentina subiu para 50,9%, em uma região que registra taxas mais altas do que o normal, com economias prejudicadas pela pandemia.

Maduro espera que “com muita disciplina” essa taxa abaixe durante 2022, embora não tenha dado detalhes de ações concretas, mas grande parte da população não vê isso refletido em suas contas, o que a deixa com poucas opções de poupança.

“A situação não mudou, para mim está até pior. Antes eu levava para casa até US$ 8, e, agora, quando muito consigo US$ 4”, diz Arreaza, enquanto mostra os bolívares que tem no bolso.

“O fim da hiperinflação não é suficiente para que haja uma melhora nas condições de vida dos venezuelanos. Tem de haver um aumento na capacidade de produção e na capacidade de exportação. Tivemos uma queda muito acentuada na produção. O fim da hiperinflação pode ser visto como uma boa notícia, mas é uma notícia incompleta”, disse o economista venezuelano Ronald Balza, que também explicou que o governo cortou seus gastos e deixou de emitir bolívares ao manter os salários baixos nas instituições públicas e não investir em manutenção da infraestrutura em áreas como as de energia elétrica e hospitais.

Lesli Ibarguen, uma jovem de 19 anos, vende pratos de arroz chinês a US$ 1 para almoços todos os dias nas ruas do bairro pobre de Petare, a leste de Caracas. Em um bom dia, ela consegue fazer um lucro de US$ 15. “Para mim, meu trabalho é muito abençoado e agradeço a Deus, mas também não [consigo o suficiente] para me ajudar com os gastos necessários do dia a dia”, diz ela. Por exemplo, um quilo de peito de frango passou de US$ 4 para US$ 6 em uma semana.

Em outros momentos, o governo já alegara que a hiperinflação tinha sido “induzida”, como parte de uma “guerra econômica” da oposição venezuelana e das sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos.

Reformas monetárias

Com o aumento galopante dos preços, o Estado fez duas reformas monetárias desde 2018, nas quais eliminou 11 zeros da moeda venezuelana como medida para facilitar as transações, já que as pessoas precisavam usar maços de notas para comprar apenas uma caixa de ovos, e os caixas eletrônicos não tinham bolívares, o que provocava longas filas nos bancos.

Para Balza, a hiperinflação também levou as pessoas que podiam a fazer pagamentos em dólares ou euros “por causa da falta de notas de bolívar” e das grandes quantidades de notas necessárias para cada transação.

Segundo a empresa econômica Ecoanalítica, mais de 60% dos pagamentos no país são feitos em moeda estrangeira. O uso generalizado de dólares também fez seu preço disparar no mercado negro, que, agora, está estável há vários meses.

Quando a hiperinflação começou, o país sul-americano passava por uma grave escassez de alimentos e produtos de higiene, com prateleiras de supermercados vazias e longas filas de pessoas que tentavam comprar — em quantidades limitadas — o pouco que havia. Em meio a esse colapso econômico, em 2019 o governo venezuelano relaxou o rígido controle cambial que mantinha havia 16 anos, o que permitiu o aumento da circulação de moedas estrangeiras e foi definido por Maduro como “uma válvula de escape”.

Pobreza

Hoje, com as prateleiras cheias de produtos importados dos EUA ou da Turquia, a produção venezuelana não decola. E com um salário mínimo equivalente a US$ 3 ou US$ 4, poucos têm acesso a artigos com preços dolarizados, em meio à pobreza que abrange quase 95% da população, segundo um estudo independente feito no ano passado.

No discurso do dia 15 de janeiro, Maduro disse que, em 2021, a pobreza no país foi de 17,7%, depois de três anos sem nenhuma atualização oficial.

“[O governo] diz que a hiperinflação está parando, que já saímos dela, algo que Maduro também vai apresentar como um êxito de alguma maneira. O governo não publicou os números das contas nacionais, nem o balanço de pagamentos. Não vemos como isso muda a vida para a maioria dos venezuelanos”, afirmou Balza.

Na Venezuela é normal que profissionais tenham dois ou até três empregos para aumentar sua renda e a economia informal tem crescido nos últimos anos, razão pela qual muitos vivem do que ganham no dia e usam essa renda para comprar alimentos.

“Quero começar um curso e ver como fica isso da universidade. E qual é o problema? Fica complicado porque, obviamente, com a venda de arroz eu não acho que possa fazer isso. (...) Quero ter estabilidade”, disse Ibarguen, enquanto enchia seus recipientes para vendê-los.

Balza disse que é necessário que o governo publique estatísticas, como as dos detalhes do orçamento nacional, dos gastos públicos e das exportações e importações, algumas das quais não são atualizadas há pelo menos três anos.

“Com base nas informações é que se pode avaliar o investimento privado em atividades produtivas. A informação é essencial para ter uma economia ordenada. A inflação é apenas um dos problemas a serem enfrentados”, acrescentou.

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