O número de vítimas da chuva que arrasou Petrópolis, no Rio de Janeiro, não para de subir, chegando a 136 mortos e 218 desaparecidos nesta sexta-feira (18). Enquanto isso, políticos fazem discursos tentando se esquivar de críticas e trocam acusações.
Como é frequente nos desastres que costumam ocorrer todos os anos durante o período de chuvas no Sudeste, autoridades federais, estaduais e municipais ressaltaram o volume de água acima do esperado, responsabilizaram gestões passadas e citaram até Deus em suas falas.
De volta da viagem à Rússia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sobrevoou o município da região serrana nesta sexta e afirmou não ser possível prevenir todas as tragédias. Realçou também que há uma limitação de recursos.
"Medidas preventivas estão previstas no orçamento. Ele é limitado. Muitas vezes não temos como nos precaver de tudo que possa acontecer nesses 8,5 milhões de quilômetros quadrados [área territorial do país]", disse à imprensa.
"A população logicamente tem razão em criticar, mas aqui é uma região bastante acidentada. Infelizmente, tivemos outras tragédias aqui. A gente pede a Deus para que não ocorram mais. E vamos fazer a nossa parte", acrescentou o presidente.
Ao lado de Bolsonaro, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) também culpou as chuvas: "Até agosto, a pauta era a falta de chuvas e a crise hídrica. Nenhum meteorologista previu o que aconteceria no final do ano. Pelo contrário, falavam em falta de água e energia".
Marinho afirmou que será liberado R$ 1bilhão em recursos emergenciais para Petrópolis e outras 50 cidades do país em situação de emergência ou calamidade pública. Outros R$ 200 milhões haviam sido liberados em dezembro a estados atingidos por chuvas, principalmente a Bahia.
Já o governador fluminense, Cláudio Castro (PL), disse em entrevista coletiva no dia seguinte à tragédia que chover nesta época é natural, mas que um temporal desses era "totalmente imprevisível" e "não tinha porque a vida não estar andando na normalidade".
"Unir uma tragédia histórica com um déficit que realmente existe causou esse estrago todo. Que sirva de lição para que a gente aja diferente. Essa união toda é a prova de que a tendência clara é de que as obras aconteçam", discursou.
Castro e o deputado federal Marcelo Freixo (PSB),que são pré-candidatos ao governo do Rio neste ano, também trocaram farpas nas redes sociais.
"Enquanto a população de Petrópolis precisa de socorro e os bombeiros fazem o que podem com pouco pessoal e poucos equipamentos, Cláudio Castro, por razões políticas, demora um tempo precioso para aceitar as ajudas oferecidas por outros estados", escreveu na quinta (17) Freixo, que foi ao município.
Nesta sexta, foi a vez de Castro subir o tom: "Você é o maior oportunista que eu conheci em toda a minha vida! Você só sabe fazer politicagem em cima do sangue e da tragédia das pessoas! É uma espécie de Zé do Caixão da política! Vem a Petrópolis mentir, criar intrigas e gerar confusão", atacou.
Freixo respondeu ao governador, dizendo que "não é hora de atacar e brigar". "O momento é de união, porque tem muita gente em risco e muito trabalho a ser feito. Aceite ajuda rapidamente de quem oferecer, mantenha a serenidade e vamos ao trabalho", afirmou.
Petrópolis revive agora um desastre que já viveu de maneiras parecidas em ao menos dois verões, em 1988 e em 2011. A cidade tem 234 locais de risco alto ou muito alto, o que equivale a 18% do território e 12 mil moradias, segundo o Plano Municipal de Redução de Riscos de 2018.
O prefeito do município, Rubens Bomtempo (PSB), também responsabilizou as chuvas e o "passivo" da cidade em reunião com o governador e secretários logo após o temporal. "[As dificuldades foram causadas] não só por uma chuva muito forte, mas também pelo acúmulo das chuvas que aconteceram em janeiro, e a cidade dessa vez não suportou. Foi difícil, foi uma tromba d'água. E aí vem o passivo todo, que a gente sabe que tem uma dificuldade muito grande de cuidar desse passivo sozinho", afirmou.
Grande parte dos imóveis condenados há 11 anos na região não foi demolida e voltou a ser ocupada por quem não conseguiu moradia ou discordou das opções dadas pelo poder público. Os moradores reclamam que as unidades habitacionais construídas desde então não são suficientes.
Castro argumenta que, desde que assumiu, em agosto de 2020, criou um comitê de chuvas, gastou mais de R$ 200 milhões limpando rios e mais de R$ 80 milhões em contenções de encostas. Disse que o estado é grande e "não se resolve 20, 30, 40 anos em um ano".
O jornal Folha de S.Paulo mostrou, porém, que sua gestão gastou só metade (47%) do previsto em orçamento para o ano passado no programa de prevenção e resposta a desastres, de acordo com dados do Portal Transparência. Foram empenhados R$ 193 milhões de um total de R$ 408 milhões previstos.
"Tem que ser um projeto de médio e longo prazo. Não adianta fazer frases de efeito agora, bravatas, e depois esquecer e esperar o próximo evento catastrófico", diz o professor Antonio Guerra, do departamento de geografia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).