O Mubadala pagou, ao todo, US$ 1,8 bilhão pela compra do ativo e opera a refinaria há pouco mais de três meses Primeira e única empresa a comprar uma refinaria da Petrobras, dentro do processo de abertura do setor, até o momento, o Mubadala vive seus primeiros meses no mercado brasileiro de combustíveis sob turbulência. A Acelen, companhia criada pelo fundo soberano de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, para operar a Refinaria de Mataripe (a antiga Refinaria Landulpho Alves), na Bahia, vem enfrentado dificuldades para competir com os preços praticados pela estatal brasileira – responsável por abastecer cerca de 80% do mercado doméstico de derivados.
O Mubadala pagou, ao todo, US$ 1,8 bilhão pela compra do ativo e opera a refinaria há pouco mais de três meses. Os reajustes de 18,7% na gasolina e de 24,9% no diesel, implementados pela Petrobras na sexta-feira, atenuaram, mas não eliminaram, a defasagem dos preços da estatal para o mercado internacional – que chegou a atingir, no pico, na semana passada, mais de R$ 2 por litro de diesel. Dona de 14% da capacidade nacional de refino e responsável por fornecer cerca de 7% dos derivados consumidos no país, a Acelen vem perdendo parte do mercado regional.
Antes mesmo da escalada da guerra na Ucrânia e da valorização mais recente do petróleo, a companhia já havia recorrido às exportações, diante da dificuldade de concorrer com a Petrobras. A defasagem da estatal para o preço de paridade de importação tem sido uma queixa recorrente de tradings privadas e o funcionamento do mercado deu, nas últimas semanas, sinais de desequilíbrio ante a intensificação do congelamento de preços da petroleira.
No caso de um refinador independente, como a Acelen, que não possui operações verticalizadas no setor, o congelamento de preços da Petrobras tem mais um agravante: o petróleo bruto processado pela refinaria baiana é comprado, em sua maior parte, da Petrobras a preços internacionais. Em situações como a recente, em que o petróleo se valorizou e a estatal segurou u o aumento para os preços dos derivados, a Acelen perde nos dois lados: as receitas caem, pela perda ne mercado, e os custos de produção sobem.
Pelo contrato definido com a Petrobras, Mataripe paga um prêmio sobre o preço internacional do petróleo, pela qualidade do óleo. Segundo fontes, no entanto, tem gerado incômodo o fato de a estar exportando neste momento a commodity, de qualidade semelhante, a preços mais baixos que o pago pela Acelen. Um pedido de renegociação contratual entre Mubadala e Petrobras não está descartado. Procuradas, as duas empresas não comentaram o assunto.
Mataripe é a primeira refinaria nacional do país e foi fundada em 1950, antes mesmo da criação da própria Petrobras. Localizada em São Francisco do Conde (BA), a unidade possui capacidade de processamento de 333 mil barris/dia – a segunda maior do país - e tem como principal mercado consumidor a Bahia. A Acelen, porém, tem perdido clientes dentro do próprio Estado para plantas da Petrobras localizadas a centenas de quilômetros.
Na semana passada, antes de a Petrobras reajustar o diesel e a gasolina, os produtos vendidos pela refinaria baiana chegavam a custar R$ 1 a mais, por litro, que os mesmos produtos vendidos pela estatal na Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca (PE). A disparidade era tão grande que, segundo fontes, caminhões de distribuidoras estavam saindo da Bahia atrás de combustível na RNEST, a cerca de 800 quilômetros de distância, para comprar cargas mais baratas. Os veículos atravessam dois Estados (Alagoas e Sergipe) e retornavam à Bahia com preços mais competitivos que os oferecidos pela Acelen. Mesmo clientes que tinham contratos com a refinaria baiana estavam preferindo pagar as multas pelo descumprimento dos compromissos de retirada, dada a vantagem dos produtos em Pernambuco.
A Petrobras chegou a ficar 57 dias sem mexer nos preços. Desde o início do ano, enquanto a Acelen fez cinco reajustes no ponto de venda de São Francisco do Conde (BA): a alta acumulada é de 34,6% na gasolina e 40,5% no diesel. Para efeitos de comparação, a estatal fez dois reajustes em 2022, que acumulam, no ponto de entrega de Ipojuca (PE) um aumento de 25% na gasolina e 36,1% para o diesel. Mesmo após a alta implementada pela petroleira na sexta-feira, o litro da gasolina ainda é vendido pela Acelen R$ 0,32 (+8%) mais caro que a estatal na RNEST. No caso do diesel, a diferença é de R$ 0,24 (+5,5%).
A Acelen esclarece, em seu site, que os preços dos produtos produzidos em Mataripe seguem critérios técnicos, em consonância com as práticas internacionais de mercado. Os reajustes são feitos com base em variáveis como custo do petróleo, dólar e frete. De acordo com a companhia, com o agravamento da crise gerada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, o preço internacional do barril de petróleo disparou, superando os US$115 por barril, o que gerou impacto direto nos custos de produção. Já a Petrobras alega que mantém o compromisso com preços competitivos e em equilíbrio com o mercado, ao mesmo tempo em que evita o repasse imediato das volatilidades externas “causadas por eventos conjunturais”.
Em fevereiro, a Acelen chegou a fazer uma exportação pontual de diesel para a América do Sul, segundo fontes. A refinaria baiana é uma exportadora de óleo combustível desde os tempos em que era operada pela Petrobras, mas as exportações de diesel não são comuns – até porque o Brasil é deficitário nesse produto. O Valor apurou que, com o congelamento dos preços da estatal desde janeiro, Mataripe chegou a fazer pequenos ajustes nas operações, para elevar a produção de óleo combustível para exportação.
Ainda segundo fontes, a Acelen reagiu com apreensão esta semana, diante das discussões sobre um possível congelamento temporário dos preços da Petrobras, durante o choque do petróleo no mercado internacional. No dia 10, representantes do Mubadala chegaram a se reunir com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em Brasília. Embora a iniciativa privada prefira um ambiente de liberdade de preços, o debate sobre um eventual programa de subsídios é visto, pelo fundo, como menos grave, se implementado de forma isonômica, aos moldes da iniciativa de 2018, quando o governo Michel Temer pagou à Petrobras e demais agentes do setor, como importadores, uma compensação financeira pelo controle de preços. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse que o congelamento dos preços da Petrobras não está na pauta e que um eventual programa de subsídio só será implementado, se a crise do petróleo se prolongar.