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Entenda como o Telegram pode deixar de ser 'terra sem lei' para campanhas


A determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a pedido da Polícia Federal, de bloquear o Telegram, plataforma de compartilhamento de conteúdo digital, provocou indignação em todo o bolsonarismo. 

Horas após a decisão ter sido divulgada na imprensa, na sexta-feira (18), o presidente da República Jair Bolsonaro (PL), que pretende concorrer à reeleição em outubro, a classificou como "inadmissível" e "muito triste", com impactos nos negócios, comunicação entre familiares, lazer e saúde (contato entre paciente e hospitais ou médicos).

O governo federal também se mobilizou rapidamente. Em reação, o ministro Anderson Torres (Justiça), ao qual a Polícia Federal está subordinada, prometeu uma solução e criticou a decisão de Moraes. 

O advogado-geral da União, Bruno Bianco, também se movimentou, no fim da noite de sexta-feira e recorreu da decisão no STF contra o bloqueio do Telegram.

Um dos motivos de tal reação do governo federal é a interpretação de que o STF está cerceando a liberdade de expressão dos bolsonaristas. Essa percepção se agravou no sábado (19), quando Moraes deu 24h de prazo para que o Telegram cumpra todas as determinações da Corte para que não seja bloqueado. 

Entre essas determinações está a exclusão de uma mensagem de agosto de 2021 do canal de Jair Bolsonaro que trazia informações sobre inquérito sigiloso do Tribunal Superior Eleitoral e ataques à segurança das urnas eletrônicas.

Reforçando a reprovação bolsonarista sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que em setembro assumirá a presidência do TSE, uma montagem foi massivamente compartilhada, desde sexta-feira, inclusive por integrantes do governo federal.

Entre eles está o ministro do Turismo e pré-candidato ao Senado por Pernambuco, Gilson Machado. Na montagem, foi feito um ranking da quantidade de seguidores no Telegram de cada pré-candidato ao Planalto. 

Nessa imagem, Simone Tebet (MDB) aparece com 17 inscritos; André Janones (Avante) com 5.870 seguidores; Ciro Gomes (PSD) tem 19.278; Sergio Moro (Podemos) tem 5.343; Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 48.664 seguidores e Jair Bolsonaro (PL) tem 1.088.752 inscritos.

Veja a imagem compartilhada pelo ministro nas redes sociais:

 

A reportagem checou esses números, que estão desatualizados. No entanto, Bolsonaro continua tendo larga vantagem sobre os demais. No Telegram, até o início da manhã deste domingo (20), Simone Tebet tinha 64 inscritos; André Janones tinha 5.917; Ciro Gomes tinha 19.511; Sergio Moro contava com 5.593; Lula tinha 49.979 e Bolsonaro era seguido por 1.143.543 usuários.

Entre os presidenciáveis destacados pela montagem, somente Bolsonaro e apoiadores se manifestaram contra a decisão do Judiciário que afeta o Telegram, isso tanto nos perfis da própria plataforma quanto em outras redes sociais. Tal atitude corrobora que a campanha de Bolsonaro é a que está se sentindo mais impactada pela decisão do STF.

Além de Gilson Machado, a deputada federal e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Bia Kicis (PL-DF), que faz parte da tropa de choque do bolsonarismo, também criticou e classificou como censura a decisão de Moraes.

"É muito mais (que o Telegram). Todas as plataformas nos calam. Nós temos inquéritos absolutamente ilegais e inconstitucionais", afirmou, após evento de sua filiação ao PL, na manhã de sábado.

Somando os perfis do clã Bolsonaro, há cerca de 1,3 milhão de seguidores no Telegram. Além do número atualizado de seguidores do presidente Jair, o senador Flávio Bolsonaro tinha 99 mil inscritos, o vereador Carlos Bolsonaro tinha 81.399 e o deputado federal Eduardo Bolsonaro tinha 54.631 seguidores.

O que motivou a decisão do ministro do STF?

O Telegram tem se destacado como aplicativo para disseminação de conteúdo no Brasil. Isso porque possibilita mais recursos, como edição de mensagens já enviadas, apagar mensagens sem deixar rastros e sem limite de tempo, maior quantidade de usuários por grupo e maior limite de tamanho de arquivos para envio. Outra “vantagem”, sobretudo para práticas criminosas, é que a plataforma não faz controle do conteúdo disseminado.

Sobre o aplicativo, a Polícia Federal alertou que ele abriga a prática de crimes graves, sendo um dos "mais usados pelos abusadores sexuais de crianças, por exemplo".

Além disso, em fevereiro, Moraes já tinha mandado a empresa bloquear três perfis ligados ao blogueiro Allan dos Santos, aliado radical do presidente Jair Bolsonaro, que está foragido e é investigado no inquérito das fake news e das milícias digitais por ataques às instituições. 

Sob ameaça de pena de suspensão do uso do aplicativo e multa diária de R$ 100 mil, o Telegram obedeceu a ordem de bloqueio com atraso e não enviou outros dados pedidos como nome, CPF e e-mail dos usuários. A PF alegou que o blogueiro migrou sua atuação e burlou decisões anteriores. 

As autoridades do Judiciário tentaram fazer contato com o Telegram pelos canais disponíveis e encaminhar as ordens judiciais, mas não tiveram resposta em nenhuma das ocasiões. 

Buscando se justificar e pedindo desculpas ao STF, o fundador do Telegram, Pavel Durov, se manifestou poucas horas após a divulgação da decisão de Alexandre de Moraes. Durov alegou falha de comunicação devido a um erro de e-mails e anunciou a contratação de um representante legal no Brasil para atender às determinações judiciais. 

"Estou certo de que, uma vez estabelecido um canal de comunicação confiável, poderemos processar com eficiência as solicitações de remoção de canais públicos que são ilegais no Brasil", prometeu Durov.

Mudanças no Telegram dependem de adequação às regras

Se a promessa do dono da plataforma for cumprida, a Justiça brasileira poderá fazer o que já é corrente em outras empresas: determinar bloqueio ou suspenção de canais, além de exclusão de conteúdo julgado como abusivo. 

Esse aspecto da legislação pode impactar em campanhas de candidatos, mas como ressalta o cientista político Nauê de Azevedo, a adequação do Telegram às regras “vai muito além da questão eleitoral”, pois faz com que a plataforma deixe de ser “terra sem lei” no Brasil.

“O Telegram hoje tem muitos problemas com pedofilia, tráfico, crimes de ódio. A falta de moderação de conteúdo na plataforma a torna um campo fértil para esse tipo de coisa. Vai muito além da questão eleitoral. É preciso que a plataforma se adeque ao ordenamento jurídico brasileiro. Infelizmente, foi preciso aumentar muito o tom para que houvesse essa conscientização”, observa Azevedo, que também é advogado e sócio do escritório Pinheiro de Azevedo Advocacia. 

O especialista lembra ainda que o Brasil não foi o primeiro país que subiu o tom contra o Telegram recentemente. Na Alemanha, autoridades jurídicas e governamentais ameaçaram o bloqueio caso a plataforma continuasse ignorando as ordens de suspensão de 60 perfis que disseminavam ódio e propagavam informações falsas sobre a pandemia do coronavírus.

“Esse remédio, bastante amargo, que foi aplicado pelo Poder Judiciário brasileiro, pode acabar forçando um ajuste de conduta [do Telegram]. Mas é muito importante que o Brasil, por meio de suas autoridades, permaneça atento para que um eventual ajustamento de conduta relativo às más práticas da plataforma seja efetivamente implementado e não fique apenas nas palavras, visando driblar a jurisdição brasileira”, reforça Azevedo, mestrando em Direito Constitucional pelo IDP, em Brasília, e em Direito Privado pela Università degli Studi 'Mediterranea' di Reggio Calabria, na Itália.

Segundo a interpretação do especialista, a iniciativa do STF não configura ataque à liberdade de expressão, como tem sido denunciado pelos bolsonaristas.

“Não é isso porque se está diante de crimes que vêm sendo reiteradamente denunciados e que vêm sendo alvos de pedidos, de decisões da Justiça brasileira para tentar achar essas pessoas criminosas. A plataforma vem sistematicamente ignorando esses pedidos”, nota o cientista político. 

“O caso do blogueiro Allan dos Santos é um representativo, mas a controvérsia é muito maior que isso. Neste momento não há que se falar em ataque à liberdade de expressão”, reitera.

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