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De 2007 a 2021, outros 9 acadêmicos apoiados por este mesmo órgão europeu conquistaram o prêmio Nobel. Rosana Pinheiro Machado, de Porto Alegre, estudará a relação entre trabalhadores informais da economia digital (como motoristas de aplicativo) e políticos de direita. Rosana Pinheiro Machado conseguiu um financiamento de R$ 11 milhões para a sua pesquisa em ciências sociaisArquivo pessoal“Foi o momento mais difícil da minha vida”, diz a cientista brasileira Rosana Pinheiro Machado, de 43 anos, a respeito da cena cinematográfica (de suspense ou drama, você decide) que protagonizou nesta quinta-feira (17). Locação: um ponto de ônibus da Universidade de Bath, na Inglaterra, onde ela dá aulas. Situação meteorológica: chuva, muita chuva. Objetivo: consultar o resultado de um processo seletivo que havia lhe custado 18 meses de dedicação e que renderia um financiamento de 2 milhões de euros (R$ 11 milhões) para sua pesquisa na área de ciências sociais. Conflito: com os dedos molhados e a roupa encharcada, era impossível desbloquear a tela do celular para fazer a consulta. E aí?Foram 10 minutos tentando. Quando finalmente conseguiu ler a carta-resultado, Machado estava tão nervosa, que apelou para uma leitura dinâmica em busca de palavras como “aprovada” ou “aceita”.E encontrou o que queria: "I'm pleased to" (traduzindo: "é com prazer que..."). Era a confirmação da verba milionária que bancará seu estudo sobre a relação entre precarização do trabalho e governos autoritários no Brasil, na Índia e nas Filipinas.LEIA TAMBÉM:'SERIA MELHOR NÃO PAGAR?' Alunos em dia com Fies se revoltam por ficarem de fora de desconto oferecido pelo governoQUANTO CUSTA CURSAR MEDICINA? No BBB, Scooby diz que Lucas se faz de 'pobre coitado' mesmo pagando faculdade particularOs R$ 11 milhões serão concedidos por um órgão da União Europeia (Conselho Europeu de Investigação - ERC, na sigla em inglês), após rigorosa análise de currículos e sabatinas com nomes importantes da academia. A seguinte informação comprova a relevância desse financiamento: de 2007 a 2021, 9 pesquisadores apoiados pelo ERC ganharam o prêmio Nobel.Considerando todos os segmentos (ciências sociais, ciências da natureza e física/engenharia), submeteram-se a esta edição do processo seletivo: 2.652 projetos, principalmente da Alemanha, do Reino Unido e da França. Só 12% (313) foram aprovados e agora dividirão a verba total de 632 milhões de euros.“Em alguns momentos, passei de 12 a 15 horas do meu dia me preparando para essas entrevistas. Eu precisava convencer [a banca] de que uma antropóloga é capaz de liderar uma pesquisa sobre ciência de dados”, conta a professora. Nascida em Porto Alegre, Machado sempre estudou na rede pública. Aprendeu inglês, segundo ela, “tardiamente, só aos 26 anos”, o que a faz até hoje suar frio em apresentações no idioma (mesmo depois de já ter lecionado nas universidades de Harvard, como visitante, e de Oxford, ambas na Inglaterra). “A insegurança nunca acaba. Mas nem essa dificuldade me impediu de ser aprovada.”Sobre o que é a pesquisa?Pesquisadora enfrentou longo processo seletivoArquivo pessoalO estudo da brasileira busca analisar como governos populistas e autoritários conseguem recrutar apoiadores por meio de mensagens sobre empreendedorismo e individualismo.Segundo Machado, o foco serão os trabalhadores "plataformizados" e informais da economia digital, como motoristas de aplicativo e vendedores de produtos por redes sociais. “São grupos que passam 15 horas por dia empreendendo on-line e que estão mais expostos a uma esfera na qual a extrema direita tem mais hegemonia: a digital”, diz a pesquisadora. “Vamos analisar por que essas novas camadas médias da população são (ou não) alinhadas a esses políticos [conservadores].”Não é a primeira experiência da brasileira neste assunto da precarização do mercado: desde a iniciação científica na graduação (ciências sociais) até o mestrado e o doutorado (antropologia), ela explora temas como camelôs de Porto Alegre, consumo popular em favelas do país e venda de “muambas” na China (onde, inclusive, chegou a morar durante a pesquisa). Como usar os R$ 11 milhões do financiamento?Machado conta que o financiamento pode ser administrado de maneira bem flexível. Nos planos dela, os R$ 11 milhões serão distribuídos da seguinte forma: 75% para a contratação de pesquisadores (doutorandos ou pós-doutorandos, que farão estudos etnográficos por 4 anos no Brasil, na Índia e nas Filipinas) e para o "salário" da própria professora;25% para cobrir custos do trabalho de campo e da divulgação científica (em sites, vídeos e publicações abertas para o público).A ideia é que, ao longo dos próximos 5 anos, a pesquisa renda publicações de várias teses e artigos científicos."Estou até agora me recuperando da notícia [da aprovação do financiamento]", diz Machado. "Minha conquista mostra que pesquisadores de ciências humanas também podem liderar estudos internacionais. É possível e importante que isso aconteça."Vídeos