Banda fez show quase sem músicas antigas no Lollapalooza, em meio à segunda onda do emo no Brasil. Ao g1, Lucas Silveira analisa nova chance das guitarras e 'emofobia' do primeiro auge. Fresno comenta a volta do Emo
Dezesseis anos depois do álbum “Ciano” (2006), que cravou na história (e na MTV) alguns dos versos mais clássicos do emo no Brasil, o Fresno subiu ao palco do Lollapalooza, no último domingo (27), em um show quase sem músicas dessa época.
A banda tocou “Quebre as correntes”, marco zero da fase “mainstream” do grupo, mas, por falta de tempo, precisou cortar do setlist outras duas antigas.
“Ficou um show de músicas novas, mas a resposta do público mostra que a galera pira no Fresno atual”, avaliou o vocalista Lucas Silveira, em conversa com o g1, depois da apresentação.
Não foi uma escolha tão arriscada quanto pode parecer. A participação do grupo no festival aconteceu em meio a uma segunda onda do emo e do pop punk no país.
Lucas Silveira se apresenta com a banda Fresno no Lollapalooza 2022
Marcelo Brandt/g1
Para a programação, o Lollapalooza escalou representantes da velha guarda (além do Fresno, as bandas Alexisonfire e A Day to Remember) e nomes que traduzem o estilo para a geração Z (Machine Gun Kelly e Jxdn).
De cima do palco, Lucas viu na plateia “rostos que estavam no Kazebre”, casa de shows na Zona Leste de São Paulo onde o grupo tocou em seus primeiros anos. Mas também algumas carinhas que nem tinham começado a ter espinhas quando saiu o “Ciano”.
“Quando eu era adolescente, também gostava de coisas que já tinham 10, 15 anos. Às vezes, o irmão mais velho ou até o pai ouve”, ele analisa. “A gente também adapta nossa música mais ou menos ao que tá rolando na época, vai modernizando, então não fica aquele som de velho. Isso faz diferença.”
“Quem vai em show, pega fila e se deixa impactar muito fortemente pela música é a galera mais nova. Quando você tá mais velho, tem muita coisa acontecendo na sua vida.”
Lucas acompanha atento os movimentos da indústria. Além de liderar a Fresno e tocar projetos paralelos, ele é produtor musical de nomes como Manu Gavassi.
Nos mais de 20 anos de trânsito nos palcos e nos bastidores, ele viu a influência pop punk chegar ao auge e, depois, ganhar as cores de bandas como Restart e Cine. Mais tarde, assistiu ao rock se diluindo ano após ano no rap e no pop. Até muito recentemente, quando as guitarras ganharam nova chance.
“Eu achava que nunca mais ia ver bandas com guitarra e bateria surgindo. Achava que tudo ia para a música eletrônica, para o som de trap. Eu não imaginava que um hit da Olivia Rodrigo ia ter bandinha tocando.”
'1º choque geracional'
Há algo que une os fãs de Olivia, de Machine Gun, Jxdn e do Fresno, na opinião de Lucas: “O fã sabe que foi o artista quem fez a música. Não se juntaram 10 compositores ótimos e fizeram uma música perfeita. É muito foda porque é real. E, quando é real, o fã olha diferente porque sabe que o que tá sendo cantado é a vida dele.”
Público durante show da banda Fresno no Lollapalooza 2022
Marcelo Brandt/g1
Talvez por isso, emos do passado e do presente conviveram na mais absoluta harmonia no Lollapalooza, numa dinâmica bem diferente da que pairou quando o movimento estourou pela primeira vez. Lucas lembra bem:
“Foi o primeiro grande choque geracional que rolou aqui no Brasil, com os adultos percebendo que não entendiam mais os jovens.”
No início dos anos 2000, a “emofobia” se tornou quase tão forte quanto o próprio movimento. Vídeos com agressões ganhavam milhares de visualizações no YouTube. A hostilidade com tons homofóbicos afetava principalmente meninos, que se maquiavam, cuidavam do cabelo e não estavam tão preocupados em performar masculinidade.
A banda Fresno na época do lançamento do disco "O rio, a cidade, a árvore", em 2004
Divulgação
Além do conservadorismo, o vocalista do Fresno cita outras duas origens para o “hate”: a crise no mercado fonográfico, que fez roqueiros tradicionais perderem espaço na época, e uma certa má vontade da imprensa, que não entendia como um gênero musical crescia na internet, sem ajuda dos críticos.
Mas, no fim das contas, o emo venceu. Não só na música. “Serviu para muitos jovens se descobrirem e virarem adultos saudáveis, e não adultos travados, doidos, como os da geração anterior à nossa, que não vai ao psicólogo, não mexe com a saúde mental, não toma remédio, não faz nem exame de próstata.”
“Parte dessas discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual, que estão tão presentes hoje, eram um choque para a galera da época. O emo serviu para forçar essas conversas.”