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Disputa pelo Campo de Marte entre SP e União começou com Vargas e envolve divida bilionária


O cálculo da indenização que a administração federal pagaria a São Paulo pelo uso daquele espaço por décadas – e também pela desapropriação – ficou próximo de uma dívida da cidade com a União, de R$ 24 bilhões A destinação do aeroporto Campo de Marte, na zona norte de São Paulo, está mais clara desde que, em março, foi confirmado um acordo entre a União e a Prefeitura de São Paulo. O documento pôs fim há mais de 60 anos de disputas na Justiça para definir quem é o dono do terreno – uma briga que tem origem ainda no Brasil colônia.

A decisão assinada pelo ministro Kassio Nunes Marques no Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a tese de que o terreno do aeroporto sempre pertenceu ao município. Com o acordo, o domínio do terreno ficou dividido, com parte para a União.

Segundo mapa anexado ao processo, o que está identificado como área A, com 1,7 milhão de metros quadrados, é de domínio federal. A área B, com 405 mil metros quadrados, ficou para o município.

O cálculo da indenização que a administração federal pagaria a São Paulo pelo uso daquele espaço por décadas – e também pela desapropriação – ficou próximo de uma dívida da cidade com a União, de R$ 24 bilhões, e que gerava juros anuais de cerca de R$ 3 bilhões.

O acordo foi comemorado nas duas esferas. A realidade, contudo, é que ainda há perguntas sobre vantagens e desvantagens para os cofres do município e ao governo federal.

Na decisão do Supremo está escrito que o Campo de Marte é afetado, ainda que parcialmente, à prestação de um serviço federal relacionado à aviação. Por causa dessa situação, prossegue o texto dos autos, "é inviável afastar a posse da União, ainda que reconhecido o domínio do Município".

Em 2019, o então governador de São Paulo João Doria (PSDB) chegou a anunciar a desativação gradativa do aeroporto para a implementação de um polo esportivo na região. Fernando Haddad (PT), prefeito entre 2013 e 2016, também havia tentado negociar a desativação da pista para aeronaves de asa fixa.

O fim do impasse foi trazido por meio do diálogo do governo federal com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB). Há obras sendo executadas pelo Ministério da Defesa em parte do lote. A prefeitura, por sua vez, desenvolve um projeto de um parque para aquela área na zona norte, mais tímido do que os anteriores.

Esse imbróglio todo começou na Revolução Constitucionalista de 1932. Na ocasião, o então presidente Getúlio Vargas instalou o aeroporto federal no terreno do município, sem destinar repasses a São Paulo.

A União até tentou inverter o jogo, depois. Em juízo, procurou demonstrar que aquelas terras eram suas com a tese de que haviam sido confiscadas pela Coroa no século 18, com a expulsão dos jesuítas, até então detentores das sesmarias, que eram imensos latifúndios.

"Apesar da imensidão das terras confiscadas dos jesuítas por todo o Brasil, não se conhece um único caso em que essa linha argumentativa tenha sido adotada para excluir o domínio estadual sobre as terras devolutas", diz texto do ministro Celso de Mello (que cuidou do processo no STF antes de Nunes) nos autos.

"Não é possível pretender, por essa interpretação absolutamente 'sui generis', aplicável exclusivamente ao presente caso, ratificar a tomada do Campo de Marte durante a Revolução de 1932", prossegue.

Em 2000 foi assinado um contrato entre a prefeitura e o governo federal que apontava uma dívida de R$ 11,26 bilhões. De lá para cá, São Paulo vinha pagando a dívida em parcelas, e por causa de juros acabou desembolsando um total de R$ 43,7 bilhões. "Em virtude da fórmula de cálculo da parcela, o município raras vezes conseguiu amortizar o principal da dívida", explica nota da prefeitura.

A dívida inflou porque o valor dos juros mensais superava a fatia do parcelamento. "Esses valores demonstram que a dívida com a União gerava uma pressão nas contas do município, tornando positivo o acordo que possibilitou sua quitação", diz nota da prefeitura.

Apesar disso, a prefeitura ainda teria que pagar mais R$ 24 bilhões à União. Pelo acordo, essa dívida será perdoada. Em troca, o governo federal não vai precisar pagar uma indenização ao município pelo uso do terreno do aeroporto desde os anos 1930.

Essa indenização pelo uso do Campo de Marte pela União foi estimada em R$ 48 bilhões, mas esse cálculo poderia ser contestado pelo governo federal em juízo. Com o acordo, isso não será mais necessário.

Linha do tempo

1759 - Confisco das terras que integravam as sesmaria dos jesuítas, expulsos pelo Marquês de Pombal

1889 - Proclamação da República

1891 - Estado de São Paulo demarca o terreno do Campo de Marte, que é considerado devoluto e que mais tarde será cedido ao município de São Paulo

1912 - Lote é ocupado pelo corpo de cavalaria do Estado e, logo depois, pela aviação bélica paulista

1929 - Campo de Marte é inaugurado sob propriedade do município

1932- Com a derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista, Getúlio Vargas ocupa o imóvel e inicia novo projeto aeroportuário nacional

1945 - Fim do Estado Novo, ditadura de Vargas iniciada em 1937; retomada parcial da autonomia dos Estados e primeiras tratativas da devolução do imóvel

1958 - Frustradas as negociações, o município propôs Ação Possessória, com pedido subsidiário de indenização

2003 - Tribunal Regional Federal decide que área é da União

2008 - Em nova ação, Superior Tribunal de Justiça muda entendimento do TRF e determina que o terreno é do município

2011 - STJ determina que União devolva áreas sem uso ao município e que pague indenização pelo espaço usado para decolagens; União recorre ao Supremo

2013 - Prefeitura anuncia que aeroporto será desativado e dará lugar a um parque

2017 - Município tenta negociar construção de parque em parte do local sem intermediação da Justiça

2022 - Após mais de 60 anos de disputas na Justiça, União e Prefeitura firmam acordo; Supremo dá razão a tese de que aeroporto foi criado em terras devolutas

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