Nesta semana, Carlos Tramontina também deixou a TV em comum acordo após 43 anos. Chico Pinheiro deixou a TV Globo em comum acordo após 32 anos, nesta sexta-feira (29). Além do jornalismo, Chico é conhecido pelo bom humor, pelos bordões e, claro, por ser torcedor do Atlético Mineiro. No Bom Dia Brasil, ele falava das principais notícias do dia, do Galo e da "coragem" para enfrentar as segundas-feiras.
Ele começou a trabalhar na Globo no final de 1977, no cargo de chefe de reportagem. “Naquela época o chefe de reportagem fazia tudo. Você tinha que armar a pauta do dia seguinte, fazer a escala das equipes, distribuir os equipamentos, marcar as entrevistas, apurar as notícias”, contou Chico ao site Memória Globo.
Chico Pinheiro: bordões, jornalismo e bom humor
Chico Pinheiro no Bom dia Brasil, em 2022
Bom Dia Brasil/Divulgação
O jornalista ficou também conhecido por bordões como:
"É, vida que segue..."
"Graças a Deus, é sexta-feira!"
"Coragem! Porque é segunda-feira."
Filho do topógrafo Antônio Oscar Pinheiro e da professora Ester Gontijo Melo Pinheiro, Francisco de Assis Pinheiro foi criado em Minas Gerais, chegou a estudar engenharia na Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), mas abandonou o curso no quarto ano. Formou-se em jornalismo pela mesma universidade em 1976.
Começou a trabalhar no Diário de Minas, como estagiário, em 1971, primeiro na editoria Geral, depois na de Esportes. Ainda não havia se formado quando conseguiu uma vaga na sucursal mineira do Jornal do Brasil.
Em 1980, obteve uma bolsa de estudos na Universidade de Navarra e, em seguida, mudou-se para a Espanha. De volta à Globo no ano seguinte, foi repórter do Jornal Nacional em Belo Horizonte. Dois anos depois, voltou a deixar a emissora, dessa vez para ser professor de jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
De sua primeira passagem pela Globo, o jornalista se lembra de duas entrevistas marcantes: a primeira foi com Ulysses Guimarães, então líder do MDB, e a outra, com o então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Na ocasião, perguntou ao ministro quem eram os responsáveis pelo atentado ocorrido naquele dia no Riocentro, e não esquece o que ouviu dele: “Os responsáveis por esse atentado são os bolsões sinceros, mas radicais; são os pescadores de águas turvas”. No entanto, era época de vigência da Censura Federal, e essa declaração nunca foi para o ar.
Ainda na década de 1980, trabalhou na Quilombo, produtora que cuidava da carreira artística do compositor Milton Nascimento, prestando serviços de assessoria de imprensa, e editou o jornal Trem Azul. Também foi chefe de gabinete do secretário de Saúde do Governo de Minas Gerais e comandou um programa de debates na TV Minas, chamado Alta Tensão.
No final de 1989, transferiu-se para São Paulo, contratado pela TV Bandeirantes. Inicialmente, editou e apresentou diariamente o programa Canal Livre, então de perfil comunitário, além de fazer comentários políticos no telejornal local noturno da emissora. Em 1992, coordenou a cobertura da segunda visita do Papa João Paulo II ao Brasil e foi premiado pela cobertura do impeachment de Fernando Collor. Ainda na Bandeirantes, foi âncora do Jornal da Noite (1992-1993), do Jornal de Domingo (1993) e do Jornal da Bandeirantes (1993-1995).
Em 1995, Chico Pinheiro assumiu o cargo de diretor de jornalismo da TV Record e âncora do Jornal da Record, principal telejornal da emissora. No dia 12 de outubro, o pastor da Igreja Universal Sergio von Helde chutou uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida durante um programa da Record. O episódio levou Chico Pinheiro a entrar em desacordo com a direção da rede, o que resultou na sua demissão. Logo em seguida, em 1996, transferiu-se para a Rádio CBN, ocupando o cargo de apresentador do Jornal da CBN. Permaneceu na rádio até 1997.
Antes disso, ainda em 1996, Chico Pinheiro foi convidado a retornar à Globo, agora nos postos de apresentador do Bom Dia São Paulo e editor do Bom Dia Brasil. Desde então, passou a apresentar também, eventualmente, o Jornal Nacional e o Jornal da Globo.
"Fui participar do projeto de criação e implantação do Bom Dia Brasil, ancorado pelo Renato Machado, editor-chefe, e do novo Bom Dia São Paulo. E encontrei uma emissora completamente diferente, tanto do ponto de vista de qualidade técnica quanto de conteúdo editorial. E fui descobrir a extrema importância que o jornalismo tem na Globo para a mudança substancial e necessária do país, das comunidades, da sociedade", disse Chico ao Memória Globo.
Chico Pinheiro foi premiado duas vezes pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA): em 1992, pela cobertura do impeachment de Fernando Collor, e em 1997, por seu trabalho como apresentador do Bom Dia São Paulo.
Chico apresentou ainda o telejornal local SPTV, na Globo, e o programa Espaço Aberto, na GloboNews, em 1998. No Espaço Aberto, entrevistou grandes nomes da música popular brasileira, como Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Dona Ivone Lara e Milton Nascimento, além de atores como Walmor Chagas e Nathalia Timberg. Em 2007, o programa foi reformulado e ganhou novo nome, Sarau. Em 2013, o programa ganhou uma nova versão, o Sarau Itinerante, quando o apresentador percorre diferentes cidades brasileiras para mostrar o trabalho de artistas locais. Na estreia, o Sarau Itinerante homenageou o manguebeat, ritmo desenvolvido em Pernambuco.
Em março de 2000, durante a cobertura dos escândalos da prefeitura de São Paulo, conseguiu uma entrevista exclusiva com Nicéia Pitta, na qual a ex-mulher do então prefeito Celso Pitta relatava os principais detalhes do sistema de corrupção da administração paulista.
Diretor-geral de jornalismo, Ali Kamel divulgou uma mensagem anunciando o período sabático de Chico, lembrando de grandes momentos falando da carreira e falando da amizade entre os dois.
Veja a íntegra do comunicado de Ali Kamel:
"Chico Pinheiro conquista de imediato o público em casa e seus colegas no trabalho com duas características marcantes: a língua afiada contra as mazelas do Brasil e uma simpatia contagiante. Este mineiro, cujo amor pelo jornalismo só encontra paralelo na paixão pelo Galo, não é mineiro. Nasceu em Santa Maria da Boca Monte, cidadezinha do Rio Grande do Sul. Mas foi criado em Minas Gerais, conquistou o coração dos paulistas e fez grandes amigos no Rio. Para nossa sorte, desistiu do curso de engenharia na UFMG depois de quatro anos e se formou em jornalismo na PUC-MG em 1976 (mas já estagiava em redações desde 1971, primeiro no Diário de Minas e, depois, na sucursal mineira do Jornal do Brasil). Em 1977, veio para a Globo Minas como chefe de reportagem a convite de Eduardo Simbalista, com quem trabalhara no JB. Inquieto, foi para Navarra fazer uma pós-graduação e, na volta, tornou-se repórter em Belo Horizonte do Jornal Nacional. Fez entrevistas de que se orgulha: entre muitas, com Doutor Ulysses Guimarães e o então ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, essa última censurada pela ditadura militar.
A mudança para São Paulo foi em 1989 para apresentar o Jornal da Band, o carro-chefe da emissora. Lá foi premiado pela cobertura do impeachment de Fernando Collor e ancorou os principais telejornais da Band até 1995. O retorno à Globo, em 1996, foi como apresentador do Bom dia São Paulo, com participação no Bom dia Brasil, e os plantões na bancada do JN. Logo depois, Chico conquistou os corações paulistanos no SPTV - uma bancada onde brilhou por 13 anos.
Dessa época, se destaca a entrevista histórica com Niceia Pitta, ex-mulher do então prefeito Celso Pitta, sucessor de Paulo Maluf. Niceia revelou para Chico as entranhas do esquema de corrupção e pagamento de propina na prefeitura numa reportagem exibida num Globo Repórter especial sobre o caso.
Chico é sempre atento a causas sociais. Na Globo, desenvolveu o movimento “Sou da Paz”, pelo desarmamento, que se transformaria depois no instituto de mesmo nome com forte influência no que viria a ser o Estatuto do Desarmamento. É também conselheiro do movimento Todos Pela Educaçao e do Instituto Ayrton Senna. Graças ao trabalho no jornalismo comunitário da em SP, recebeu o título de Cidadão Honorário da capital paulista. Depois, foi agraciado com o título de cidadão honorário de Águas de Lindóia, terra de sua mulher, a jornalista, Leda Rielli, nossa colega, terra onde pretende viver um dia.
Chico cobriu as visitas ao Brasil dos Papas João Paulo II, Bento XVI e seu xará Francisco. Dessa última, tenho uma lembrança muito afetuosa, pois fui testemunha do carinho que sempre teve pelo pai, seu Antônio, católico fervoroso que gostaria de receber uma benção de Francisco. O Papa receberia convidados de pessoas ligados de alguma forma aos organizadores da Jornada da Juventude, que a Globo apoiou. Era tudo muito restrito, mas o empenho de Chico era tão comovente que consegui um convite para o seu Antônio. Ocorre que Chico estava preocupado com o bem-estar do pai, já idoso, que chegara muito cedo ao Palácio São Joaquim. Apesar de saber que ele seria bem cuidado, Chico não não conseguia descansar: queria estar por perto para cuidar do pai, algo quase impossível, mesmo para ele. De repente, quando olho para o lado, lá estava Chico, ao lado do pai. Como ele entrou? Ele gosta de dizer que fez como a água, que sempre encontra um caminho por onde passar.
Em sua trajetória, entrevistou grandes nomes das artes no Espaço Aberto da Globonews, como Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Walmor Chagas, Nathalia Timberg e tantos talentos dos palcos. Dessa experiência, nasceu o Sarau, programa que é ainda hoje um dos maiores arquivos de gênios de nossa música, entrevistados com habilidade, elegância, deixando sempre o convidado se sentindo em casa.
A competência e a popularidade trouxeram Chico para o Rio em 2011, para assumir a bancada no Bom Dia Brasil. Chico já participava do programa entrando de São Paulo e passou a ancorar o telejornal, primeiro ao lado de Renata Vasconcellos e depois de Ana Paula Araújo. No Bom Dia, cobriu eleições presidenciais no Brasil, as manifestações de 2013, Copas, Olimpíadas, guerras, desastres e tudo mais que tenha sido notícia nesses onze anos.
Sem perder o sotaque mineiro nem o bom humor, Chico saúda o início das semanas com um entusiasmado “Coragem!”! E a chegada do fim de semana com “Graças a Deus, hoje é sexta-feira”. Este carisma transborda para a equipe, que sempre para, atenta a suas histórias.
Depois de 51 anos de jornalismo diário, 32 deles na Globo, em comum acordo com a emissora, Chico decidiu deixar o dia a dia da vida de repórter, como ele faz questão de se definir. Pretende se dar um sabático e, mais adiante, se dedicar a atividades num ritmo mais espaçado. E combinou comigo que esperaria o fim de mais uma brilhante transmissão do Carnaval, a que se dedica há vinte anos, para que esse anúncio fosse feito, numa sexta-feira. Talvez para poder dizer com força o seu bordão, cuja origem, apesar do significado mais ligeiro, ele explicou assim, numa entrevista: “As pessoas me perguntam por que eu digo isso, me perguntam se eu não gosto de trabalhar. O motivo na verdade é outro. Na sexta, a gente cumpriu o dever, a gente navegou pela vida durante a semana, conhecendo coisas, aprendendo coisas e procurando melhorar. E sexta-feira, claro, é o começo de estar mais com os amigos, de estar mais relaxado e de se sentar à mesa para partilhar o que foi vivido durante a semana com o companheiro, aquele com quem como o pão, aqueles com quem divido a minha mesa. Essa alegria do encontro, em geral, acontece na sexta-feira”.
De nós, seus colegas e amigos, fica o reconhecimento de ter convivido na redação com um dos grandes jornalistas que a televisão brasileira já produziu e uma das pessoas “boa gente” com quem já compartilhamos histórias e experiências.
Entre mim e Chico fica carinho e amizade, e muitas sextas feiras por vir.
A ele, agradeço em nome da Globo por toda a contribuição que deu ao nosso jornalismo.
Ali Kamel"
Tramontina e Burnier
Também nesta semana, Carlos Tramontina deixou a TV em comum acordo após 43 anos. O jornalista entrou para a Globo em 1978. Ele foi apresentador e editor-chefe do Bom Dia São Paulo, Globo Notícia e Antena Paulista. Também foi o âncora do SP2 por 24 anos. José Roberto Burnier foi escolhido para comandar o telejornal.
Carlos Tramontina durante mediação de debate
Matheus Castro/Rede Amazônica
Filho de professores, formou-se em jornalismo pela Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, em 1977. No terceiro ano de faculdade, conseguiu um estágio no departamento de imprensa da Volkswagen em São Bernardo do Campo. Estagiava de dia e estudava à noite. Ao final do estágio, ainda estudando, não podia ser contratado, e foi “bater às portas das empresas de comunicação”. Conseguiu outro estágio, agora na Globo no início de 1978. Era um período de investimento muito forte da emissora no jornalismo em São Paulo, segundo Tramontina, e ele foi logo contratado. Sua carteira foi assinada no dia 1º de junho de 1978.
“Entrei como repórter, para cobrir o chamado buraco de rua, matérias feitas na periferia – em tese, mais simples; ao mesmo tempo, mais trabalhosas, porque você tinha de ir para os lugares mais distantes e mais problemáticos”, conta. “Eu fazia isso para o Bom Dia São Paulo, que não tinha os mesmos critérios de tratamento estético das matérias que os outros telejornais, digamos, e um repórter iniciante podia experimentar um pouco mais ali”, disse ao site Memória Globo.
Logo passou a fazer um quadro chamado Café da Manhã, gravado na casa de pessoas que eram notícia naquele dia por algum motivo. Tomou café da manhã com Elis Regina, Raul Cortez, muitos artistas e autoridades, mas também com pessoas comuns.
A partir daí, Tramontina passou a fazer matérias de política, muitas transmissões ao vivo e alguns comentários de política para os telejornais locais. A primeira experiência do Bom Dia São Paulo ocorreu quando ele ainda era repórter.
Começou a apresentar regularmente o Bom Dia São Paulo no final de 1986 e ficou por sete anos – dois anos como subeditor e cinco como editor-chefe. A estrutura do jornal era pequena, e Tramontina deixava todos os textos da cobertura esportiva do domingo para gravar na segunda-feira. Os dez anos do jornal, em 1987, já com Tramontina no comando, foram comemorados em grande estilo.
No aniversário da cidade de São Paulo, em 1990, Tramontina e sua equipe fizeram o primeiro telejornal ancorado fora do estúdio: o Bom Dia São Paulo foi transmitido direto do Parque do Ibirapuera. A ousadia foi repetida dois anos depois, na comemoração dos 15 anos do telejornal, em 1992.
No aniversário de 15 anos do telejornal Bom Dia São Paulo, em 1992, o apresentador e editor-chefe Carlos Tramontina realizou algo inédito na televisão brasileira: ancorou o jornal direto de um helicóptero, ao vivo, sobrevoando a cidade de São Paulo.
Em 1995, Tramontina voltou a produzir reportagens para os telejornais de rede. Três anos depois, assumiu a função de apresentador da segunda edição do SPTV. No mesmo ano, convidado pela Globo News, tornou-se apresentador do N de Notícias, programa que discutia a principal notícia da semana sob a ótica do jornalismo.
Em 2000, assumiu interinamente a apresentação do Jornal da Globo. Em seguida, voltou a apresentar a segunda edição do SPTV e tornou-se apresentador e editor do Antena Paulista, programa exibido aos domingos com noticiário e reportagens especiais sobre São Paulo. Entre 2011 e 2014, Tramontina apresentou também o Globo Notícia São Paulo.
Ali Kamel divulgou uma mensagem anunciando as mudanças no SP2 e relembrando a carreira de Tramontina.
Veja a íntegra do comunicado de Ali Kamel:
"O ano era 1978. Um estudante de jornalismo chegava à velha sede da Globo, na Praça Marechal, em busca de estágio, sem saber que aquele movimento definiria a sua vida profissional. Ele começou observando o trabalho da redação e quando algum repórter faltava, ganhava a chance de substituir. A primeira reportagem, sobre o aumento na tarifa de táxi, foi feita em filme, ainda em preto e branco.
Lembrar a história de Carlos Tramontina é viajar pelas transformações tecnológicas e pelos acontecimentos mais importantes da história recente de São Paulo e, em muitos momentos, do país. Na década de 1980, ainda como um jovem repórter, ele cobriu as greves dos metalúrgicos, em São Bernardo do Campo. Saiu de uma delas, no Estádio da Vila Euclides, escoltado pelas lideranças sindicais que o protegeram de um grupo mais exaltado. Estava na sede do governo paulista, o Palácio dos Bandeirantes, quando cinco mil pessoas sem emprego derrubaram as grades, forçando uma invasão. Era um tempo de turbulência, de muita gente na rua. Tempo em que o Brasil reaprendia a viver em democracia.
Da primeira eleição direta para governador, depois da ditadura, em 1982, à mais recente, ele cobriu todas as campanhas eleitorais. Foram oito governadores eleitos, dez eleições municipais.
Profissional meticuloso, sempre gostou de escrever, com caligrafia perfeita, em pequenos cadernos, as informações que colhia para entrevistar os candidatos e depois prefeitos. A lista dos que passaram pelo escrutínio de Tramontina é grande: Jânio Quadros, Erundina, Maluf, Marta Suplicy, Serra, Kassab, Haddad e Bruno Covas.
Em 1985, veio, se não o primeiro, o mais marcante plantão em rede. O país acompanhava agoniado a evolução da doença do recém-eleito, e ainda não empossado, presidente Tancredo Neves. Na porta do Instituto do Coração, entre os repórteres que se revezaram numa longa cobertura, estava Carlos Tramontina. Por 42 dias, aquele foi o seu local de trabalho, e ele gosta de contar que ali entendeu a importância de traduzir de forma simples, temas complexos. As pessoas esperavam os telejornais para saber os detalhes médicos dos quais dependiam a vida de Tancredo e o futuro do país. E às 10h23 da noite, de um domingo, 21 de abril, coube a ele entrar ao vivo para noticiar que o porta-voz Antonio Brito faria um pronunciamento, o anúncio da morte do presidente eleito (eu me recordo vivamente desse momento porque foi a senha para que eu corresse para a Rádio Jornal do Brasil, onde passei a noite ajudando na edição seguinte do “Jornal do Brasil Informa”, que iria ao ar às seis e meia da manhã, e, também, finalizando, com outros colegas, o obituário que estava sendo preparado desde que a doença se agravara).
Foi uma cobertura histórica e desafiadora, num tempo em que entrar ao vivo não era algo trivial. Não só porque era necessário um caminhão, mas pelo desafio de encontrar entre prédios, e mesmo árvores, uma brecha para que a antena parabólica erguida ficasse em linha com a torre de transmissão da Globo.
Quarenta e três anos de trabalho em TV significam estrear a cor (no jornalismo), o vídeo tape, a alta definição. De depender de câmeras grandes, que precisavam de um equipamento em separado para a gravação, à possiblidade de usar apenas um celular. Dessa trajetória, Tramontina carrega alguns orgulhos, o de ancorar o primeiro jornal fora de um estúdio, na Globo, a edição do Bom Dia São Paulo que comemorou o aniversário da cidade, em 1990. Dois anos depois, para marcar os 15 anos do Bom Dia São Paulo, outro feito, a primeira ancoragem de telejornal feita a bordo de um helicóptero, no Brasil. E mais recentemente, quando veio a pandemia, e por segurança se recolheu em casa, aprendeu a gravar sozinho e fez da varanda do seu apartamento o cenário para ancoragem do Antena Paulista, com um resultado que mereceu aplausos da equipe técnica.
Tramontina foi o rosto do Bom Dia São Paulo por sete anos. Âncora do SPTV Segunda Edição desde 1998. Em 2000, passou a apresentar também o Antena Paulista, aos domingos.
Com a voz dele, os paulistas acompanharam a visita dos papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Se chocaram com casos policiais, como o do maníaco do parque, o sequestro de Silvio Santos, , o ataque do PCC, em 2006, o assassinato de Isabela Nardoni, em 2008. Em longas transmissões, que aconteciam do chão ou pelo ar, o público também chorou a despedida a Elis Regina, Airton Senna, Mamonas Assassinas e Mario Covas.
Na metrópole de clima caprichoso e acontecimentos imprevisíveis viu cair dois aviões. Em 1996, logo após a decolagem, o Fokker 100 da TAM, com 93 mortes. Em 2007, no pouso, o voo da TAM, vindo de Porto Alegre, com 224 pessoas a bordo. Ocasiões em que a notícia era chocante a ponto de merecer uma edição inteira do SPTV. Foi assim na explosão do shopping de Osasco, no dia dos namorados de 1996 e os dias que se seguiram ao incêndio do Edifício do Largo Paissandu, ocupado por 117 famílias, em maio de 2018.
Os colegas da redação de São Paulo aprenderam a ver nele um profissional generoso ao dividir seu conhecimento com os mais jovens, detalhista e muito rigoroso com a apuração e a qualidade técnica. Um torcedor discreto e apaixonado pelo Palmeiras, que se permitia a pequena transgressão de vestir uma gravata verde toda vez que seu time ganhava.
Nesses 21 anos de convivência, pude confirmar a impressão de todos os que trabalham com ele. Tramontina é um profissional de excelência, de dedicado, atento aos detalhes.
Tramontina deixa hoje a Globo, uma saída em comum acordo. Quis se despedir com duas bonitas ancoragens do SP2, no Sambódromo, e a transmissão da apuração das Escolas de Samba de São Paulo. Ele deseja dedicar mais tempo para a mulher, os dois filhos e a neta Alice, que nasceu em março. Correr agora não será mais atrás da notícia, mas apenas para manter a forma, como sempre gostou.
Para ancorar o SP2, no lugar de Carlos Tramontina, convidamos José Roberto Burnier. Os dois dividem uma trajetória parecida e uma amizade que atravessa décadas. Burnier começou na EPTV, em Campinas. A convite do Globo Rural, se mudou pra São Paulo. Ficou no programa por cinco anos. Em 1988, se juntou ao time de repórteres dos jornais diários.
Assim como Tramontina viu pelas lentes da reportagem a redemocratização do país. Burnier cobriu as repercussões da Assembleia Constituinte, a eleição presidencial de 89 e todas as que se seguiram até se mudar para Buenos Aires, como correspondente, em 2004. Nesse mesmo ano, entrevistou Hugo Chaves para o Jornal Nacional e depois, em outras coberturas, viajou para quase todos os países da América do Sul.
De volta ao Brasil, seguiu como repórter do Jornal Nacional até 2018, quando a GloboNews criou o Em Ponto e o escolheu como âncora. No ano passado, passou a ser o apresentador de São Paulo, no Conexão.
À frente do SP2, vai exercitar suas qualidades de âncora na TV aberta, função que ele teve apenas brevemente na primeira metade da década de 90.
Ao Tramontina, agradeço toda a contribuição que deu ao jornalismo brasileiro e ao da Globo em especial e desejo que realize tudo o que deseja.
Ao Burnier, desejo toda sorte do mundo na substituição desse seu contemporâneo, uma grife do nosso jornalismo.
Ali Kamel"