Por um lado, a adoção do prefixo 0303 para as ligações de telemarketing, que começará a valer para todas elas após 8 de junho, é um alívio para o consumidor que recebe chamadas indesejadas cotidianamente, pois facilitará o bloqueio de propagandas. Por outro, empresas argumentam que a medida ameaça os empregos no setor e os próprios trabalhadores preocupam-se com o futuro próximo, em um mercado já marcado pela pressão das mudanças tecnológicas.
A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) estima que cerca de 1,5 milhão de pessoas estejam empregadas no setor e que quase um terço dos postos de trabalho estejam ameaçados. “Creio que de 300 mil a 400 mil pessoas estejam na corda bamba. Sabemos que existe muita importunação e incômodo com várias ligações de telemarketing e precisamos encontrar uma solução. Mas temos dúvidas técnicas sobre o 0303, fora a questão do desemprego”, diz a presidente da entidade, Vivien Mello Suruagy.
O discurso sobre a ameaça aos empregos tem sido utilizado pelos empregadores para dificultar negociação de salários, segundo a diretora de pesquisa e tecnologia do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações de Minas Gerais (Sinttel-MG), Rafaela Andrade. Mas ela também concorda que deve haver demissões após a consolidação do novo prefixo.
“A gente sabe que, quando as pessoas veem um número com DDD 011 já não atendem, então isso vai aumentar com o 0303. A realidade é que o impacto será grande demais e muitos trabalhadores perderão postos de trabalho. As empresas vão tentar robotizar ainda mais algumas operações. Vai ser aos poucos e muitos trabalhadores ainda não têm noção do impacto que o 0303 vai causar”, diz.
A professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie Marlucy Godoy Ricci, que pesquisou as relações de trabalho em callcenters, lembra que a digitalização já pressiona a empregabilidade na área. No bojo de tantas ameaças — como as vendas pelo WhatsApp e por sites —, o 0303 é mais uma pressão.
“No final da década de 90, ele já sofreu uma reorganização forte, com parte dos atendimentos se tornando eletrônicos, robotizados. Hoje, a gente tem um impacto ainda maior e, futuramente, teremos um enxugamento desse setor. No começo dos anos 2000, ele cresceu muito, mas, agora, daqui para o futuro é um enxugamento. A possibilidade de o consumidor bloquear a ligação constitui claramente mais um fator de restrição e de barreira a essa atividade profissional. Esse impacto só será mensurado em alguns anos”, elabora.
A professora Marlucy Godoy Ricci enfatiza a importância do setor para a inserção de jovens no mercado e para o retorno de profissionais mais velhos ao trabalho. “Ele promove essa inserção, mas, ao mesmo tempo, é um trabalho sem perspectiva de carreira, sem estruturação de cargos a serem galgados. Para a mão de obra, ele é uma porta de entrada, mas com período de validade. Já o perfil de mão de obra mais velha é absorvido ou porque está tendo muito problema de se requalificar e entrar no mercado de trabalho para continuar exercendo a função que exercia no passado ou porque ficou na informalidade muito tempo e conseguiu passar para o mercado formal, ou até se aposentou”, pontua.
A presidente da Feninfra, Vivien Mello Suruagy, afirma que em torno de 60% da mão de obra no mercado têm menos de 24 anos e grande parte está no primeiro emprego. “E 70% são mulheres e pessoas pretas ou pardas”, pontua.
A diretora de pesquisa e tecnologia do Sinttel-MG, Rafaela Andrade, pondera que a alta taxa de desemprego no país, que tem quase 12 milhões de desempregados, leva pessoas com outras formações ao telemarketing. “Hoje, quem está no telemarketing é gente que precisa trabalhar. Já foi um foco de primeiro emprego, mas hoje você vê gente formada em engenharia, em psicologia, que está lá porque precisa de trabalho”, destaca.
Desde 10 de março deste ano, o prefixo é obrigatório para as empresas que fazem ligações por celular. A partir de 8 de junho, também será para as que utilizam telefone fixo. Caso as empresas efetuem chamadas sem utilizar o prefixo, poderão ser punidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
A Anatel orienta que, caso a empresa não cumpra a regra, o cliente deve reclamar, primeiro, com a prestadora de serviço. Caso não tenha sucesso, pode procurar a agência reguladora para fazer a queixa pelo 131, Reclame Aqui, pelo site da Anatel ou pelo aplicativo da agência. Dentre as punições pelo descumprimento da medida, estão advertência, multa e suspensão temporária dos serviços da empresa.
Há algumas opções de bloqueio. Uma delas é fazer o bloqueio manual sempre que receber uma ligação do prefixo 0303. Outra alternativa é baixar apps que oferecem esse tipo de serviço. Além disso, o consumidor pode acessar o site nãomeperturbe.com.br e registrar a solicitação.
Por fim, também é possível pedir o bloqueio de todas as chamadas de telemarketing ligando para a operadora do celular. A Anatel afirma que as operadoras têm que realizar o bloqueio preventivo quando o consumidor solicitar.