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Mudança do clima é uma questão de compliance

Por Redação

11/05/2022 às 06:22:24 - Atualizado há

Empresas brasileiras têm sim obrigações legais de adotar medidas relacionadas à mudança do clima. Entenda melhor neste artigo Quando se trata da atuação das empresas no campo das mudanças climáticas, parece que suas ações são sempre adotadas de maneira voluntária e conscienciosa, na forma de compromissos no contexto de uma política de sustentabilidade. Fica parecendo que as empresas brasileiras não têm nenhuma obrigação legal de adotar medidas relacionadas à mudança do clima. Essa premissa não é totalmente verdadeira: já existem leis ambientais no Brasil que impõem às empresas condutas práticas que controlam ou inibem as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Deixar de cumprir essas leis é um problema de compliance de mudanças climáticas.

Desde pelo menos 1992, praticamente todos os países do mundo já reconhecem que a mudança do clima é um grave risco para a humanidade. Com o Acordo de Paris de 2015, o compromisso de combater esse aquecimento global perigoso foi reforçado. Nesse contexto, o Brasil - que é membro do tratado desde setembro de 2016 - deve apresentar uma meta climática a ser renovada a cada 5 anos e de forma progressiva: a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada).

Nos termos do Acordo, o Brasil também tem a obrigação legal de adotar todos os esforços possíveis para atingir essa meta climática, o que significa que o governo deve adotar um plano de ação e políticas implementadas que viabilizem o cumprimento dessa meta. Já são quase 6 anos desde que o Acordo de Paris entrou em vigor, e em 2023 será feito um “balanço global” dessas ações dos governos e se elas estão sendo suficientes para evitarmos o aquecimento de mais de 1.5 ºC em relação aos níveis pré-industriais, limite considerado perigoso para a vida humana na Terra.

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Até o momento não foram adotadas políticas robustas pelo governo para cumprir suas metas climáticas, mas é certo que já temos uma Política Nacional de Mudanças Climáticas desde 2010 (a Lei 12.187/2010), e que já existem outras leis e regulamentos que criam determinadas obrigações diretamente relacionadas ao combate à mudança do clima. Talvez a mais importante dessas leis seja o Código Florestal (Lei 12.651/2012), verdadeiro instrumento de controle das emissões de GEE causadas pelo desmatamento. Entre os seus objetivos, o Código reafirma o compromisso do Estado Brasileiro com a preservação “das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e da integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras”.

Essencialmente, o Código Florestal proíbe a supressão de vegetação nativa em propriedades privadas até um determinado percentual, que varia de 20 a 80%, de acordo com o bioma em que estão inseridas. É a famosa obrigação de “reserva legal”. Manter a reserva legal garante a manutenção de estoques de carbono no solo e dos serviços de captura do carbono da atmosfera que as florestas realizam por meio da fotossíntese. Por outro lado, descumprir a reserva legal resulta em emissões de GEE. Logo, cumprir a obrigação de reserva legal é uma questão de compliance de mudanças climáticas.

Essa relação de um “compliance climático” fica mais evidente quando vemos ações judiciais como a do Ministério Público Federal no Amazonas, que acusou um proprietário rural de promover danos climáticos ao suprimir vegetação sem a devida licença ambiental. Os danos foram estimados com base no preço do crédito de carbono, a um valor de US$ 5 a tonelada de CO2, com base em parâmetros do Fundo Amazônia.

Outro exemplo é a legislação aplicável ao licenciamento ambiental no Brasil. No Paraná, o órgão ambiental estadual Instituto Água e Terra (IAT) anunciou que vai passar a exigir análise de riscos de impactos de mudanças climáticas nos estudos de impacto ambiental de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação significativa do meio ambiente. Decisão recente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já havia determinado que o órgão ambiental gaúcho deve incorporar aspectos de mudanças climáticas no termo de referência especificamente do processo de licenciamento ambiental de usinas termelétricas.

A PNMC também dispõe expressamente sobre a necessidade de avaliação dos impactos ao macroclima e ao microclima como instrumento a ser usado pelo Poder Público.

Isso demonstra que os riscos relacionados à mudança do clima - inclusive as emissões de gases de efeito estufa causadas por empreendimentos -, assim como quaisquer outros fatores de poluição ambiental, são possíveis impactos ambientais negativos, que, portanto, devem ser analisados e gerenciados na implantação de negócios.

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Para as instituições financeiras, controlar os riscos climáticos passou a ser uma obrigação, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. A Resolução 4.943/2021 prevê que os bancos devem monitorar, mensurar e gerenciar, além de realizar a “devida diligência na identificação da contraparte” em relação a tais riscos climáticos.

Cabe lembrar ainda que compromissos assumidos voluntariamente por empresas são compromissos vinculantes, ou seja, tem um peso legal. Quando uma organização informa ao mercado que está adotando uma determinada medida, como por exemplo a neutralização de suas emissões de GEE, está divulgando informação que influencia a tomada de decisão de consumidores, investidores, e outros stakeholders. Se essa informação não for verdadeira, isso não apenas viola a ética corporativa, como também pode violar outras obrigações legais relacionadas à legislação consumerista, corporativa e de mercados de capitais.

Não apenas a informação falsa poderia gerar essa responsabilidade, como também a omissão em informar aspectos relevantes de riscos climáticos associados a produtos ou serviços, tendo em vista o direito do consumidor à informação adequada, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal 8.078/1990.

Nesse sentido, também há um dever de informar para os administradores de companhias abertas, que tem a obrigação de comunicar fatos relevantes capazes de influenciar as decisões de investimento, com base na Lei das Sociedades Anônimas.

Assim como esses exemplos, certamente há diversas outras exigências legais sobre empresas no Brasil que estão direta ou indiretamente relacionadas à gestão de mudanças climáticas e que passam despercebidas. Está na hora de as empresas olharem para suas políticas de compliance com a lente das mudanças climáticas, pois o compliance climático é real e está batendo na porta.

*Caroline Prolo e Flávia Bellaguarda são fundadoras da LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action)

Sobre a LACLIMA

A LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action) é uma rede de juristas dedicados que compartilham um interesse comum: desenvolver e disseminar o conhecimento jurídico aplicado à mudança do clima na América Latina.

O objetivo é formar uma massa crítica de advogadas e advogados especializados no direito das mudanças climáticas e que seja capaz de disseminar conhecimento e apoiar a construção das bases legais para a descarbonização das economias e para o enfrentamento dos efeitos da crise climática na América Latina.

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