Uma estudante branca de 22 anos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, responde a processo disciplinar da instituição por "manifestações racistas e injúrias raciais proferidas no âmbito acadêmico" e a inquérito na Polícia Civil gaúcha por suspeita de racismo.
Segundo as investigações, Maria Eugênia Riboli Corrêa, do curso de artes cênicas, escreveu nas redes sociais que tinha "pavor de conviver com pessoas escuras" na sala de aula. As reproduções das publicações foram encaminhadas pela Polícia Federal, que recebeu inicialmente a ocorrência, à Polícia Civil, agora responsável pelo inquérito.
"Tenho pavor de conviver com pessoas escuras, eles devem ter complexo de inferioridade muito forte em relação às pessoas brancas", diz trecho da postagem da aluna. Procurada, a universitária não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem. A reitoria não soube informar se ela tem advogado.
Em outra parte da publicação, a aluna afirmou que, "se os brancos não podem se apropriar da cultura dos pretos, os pretos também não deveriam se apropriar da cultura branca", acrescentando que "praticamente todas as coisas que existem foram inventadas por pessoas brancas". Escreveu ainda não gostar "de gente preta mesmo".
A estudante foi afastada por 60 dias pela UFSM, segundo a instituição, para que não haja risco para a integridade física ou psicológica dela ou dos colegas.
A reitoria registrou a ocorrência na Polícia Federal e abriu processo disciplinar interno que deve ser concluído em um mês, mas pode ter o prazo prorrogado. Em última instância, ela pode até ser expulsa da UFSM. Na Polícia Civil, o caso está sendo investigado pela Delegacia de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância de Santa Maria.
Segundo a delegada Débora Dias, as testemunhas começaram a prestar depoimento no último dia 10. Ainda não há data para que a estudante seja ouvida. "A linha de investigação é racismo, artigo 20 da Lei 7.716 de 1989, que prevê pena de prisão de até cinco anos", diz a delegada.
O reitor da UFSM, Luciano Schuch, diz ter tomado conhecimento do caso por um ativista do movimento negro de Santa Maria, que o alertou sobre as mensagens da aluna contra colegas de curso. Reproduções dos posts viralizaram na internet, cobrando uma atitude da instituição.
Segundo Schuch, esse é o sétimo caso de racismo na instituição nos últimos seis anos, mas o primeiro em que existe uma autoria comprovada no momento em que o estudante ainda está ligado à instituição. "Dessa vez, existe autoria e materialidade. Os outros casos foram tão covardes que não foi possível identificar os autores a tempo [de a universidade punir]", afirmou o reitor.
No dia 10, o campus da universidade foi tomado por cartazes denunciando a atitude da jovem. Estudantes da universidade fizeram um ato antirracista e cobraram da reitoria a responsabilização da estudante para crime de ódio e um plano de promoção da igualdade racial.
O reitor afirma que a universidade "é o lugar onde mais se incentivam as diferenças" e que casos como esse são uma consequência da diversidade. "Temos cotas para estudantes negros, indígenas, refugiados. Então, a diversidade está aqui. O estudante chega nesse ambiente tão diverso e às vezes não reage bem. O racismo não é da universidade, é da sociedade. Infelizmente, nem todos reagem bem à diversidade", afirmou o reitor.
Na reprodução de uma conversa privada que também repercutiu nas redes sociais e está sendo investigada pela Polícia Civil, a estudante afirma que as mensagens não têm "nada de mais".
"Não tem nada a ver com ódio contra uma pessoa ou várias, ou contra características de uma pessoa ou várias. Apesar disso, eu não vou me desculpar pelo que eu escrevi. Porque eu tenho minha vivência individual e minha história de vida, cada pessoa tem a sua, e aquele texto que eu escrevi não teve nada de mais e não foi direcionado a uma pessoa especifica e sim [foi] um texto que eu postei no meu Instagram individualmente", escreveu a estudante.
A reitoria da UFSM, o Centro de Artes e Letras (CAL), ao qual pertence o curso da aluna, o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da universidade e lideranças do movimento negro emitiram notas repudiando qualquer forma de preconceito.
Segundo a universidade, os colegas da estudante receberão apoio psicológico.
"Precisamos fazer o que puder para evitar que a situação se torne ainda pior e que qualquer ato de violência venha a ser cometido. É preciso que haja uma responsabilização pelo que foi feito, mas tudo dentro do que estabelecem as leis", afirmou o diretor do CAL, Claudio Antonio Esteves.
O Movimento Negro Unificado (MNU) participou de discussões com a reitoria para que sejam efetivadas políticas públicas de promoção da igualdade racial. A advogada Isadora Bispo, ativista do movimento, afirma que viu avanços positivos nessa negociação.
"Não podemos permitir que uma pessoa destile ódio contra os alunos negros da instituição ou de qualquer outro lugar. Infelizmente, em pleno século 21, vivemos os reflexos de uma sociedade excludente e racista", disse a advogada. (FolhaPress)