Em estudo inédito, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quarta (25) que cerca de 2,9 milhões de pessoas se declaram homossexuais ou bissexuais, o que corresponde a 1,8% da população adulta. Os dados, coletados em 2019, são alvo de críticas de especialista ouvido pela reportagem, que aponta limitações na metodologia do levantamento – sobretudo pela ausência de números sobre a identidade de gênero, o que limita o estudo sobre as pessoas transsexuais.
Em todo o país, além dos cerca de 2,9 milhões de homossexuais ou bissexuais, o IBGE registra 1,7 milhão de pessoas que não souberam responder aos questionamentos, enquanto 3,6 milhões não quiseram responder.
O número de recusas maior que o de gays, lésbicas e bissexuais declarados tem relação direta com a metodologia aplicada, na opinião de Luiz Morando, pesquisador sobre memória LGBT de Belo Horizonte.
“Tem uma série de limitações que pode levar o respondente a não afirmar qual é a sua orientação sexual. Primeiro, a falta de privacidade, principalmente entre os mais precarizados, que moram em residências até mesmo sem paredes. Segundo, a falta de informação. O termo "homossexual" não é compreendido em muitas regiões do País. Inclusive, pronunciam de forma equivocada”, diz Luiz Morando.
O próprio IBGE reconhece as falhas do levantamento. De acordo com a coordenadora da pesquisa, Maria Lucia Vieira, o grande número de pessoas que não quiseram responder ao instituto revela uma possibilidade de subnotificação desses dados, algo que, segundo a pesquisadora, pode revelar preconceitos na sociedade.
“O número de pessoas que não quiseram responder pode estar relacionado ao receio do entrevistado de se autoidentificar como homossexual ou bissexual e informar para outra pessoa sua orientação sexual. Diversos fatores podem interferir na verbalização da orientação sexual, como o contexto cultural, morar em cidades pequenas, o contexto familiar, se sentir inseguro para falar sobre o tema com uma pessoa estranha, a desconfiança com o uso da informação, a indefinição quanto a sua orientação sexual, a não compreensão dos termos homossexual e bissexual, entre outros”, afirma.
No próprio documento de divulgação do levantamento, o IBGE ressalta que a privacidade do entrevistado “nem sempre foi possível”. O instituto também destaca que alguns termos "podem gerar dificuldade de entendimento por parte da população, especialmente aquela com menor escolaridade".
Outro problema apontado pelo professor Luiz Morando, que pesquisa a memória LGBT em BH, é a falta de números sobre a identidade de gênero – o que, na visão dele, limita qualquer política pública para essas minorias que seja feita com base na pesquisa. “São pessoas que seriam atingidas diretamente. Pessoas transexuais e travestis até podem responder sobre orientação sexual, mas é muito importante saber a identidade de gênero delas para poder formular políticas públicas de saúde, educação e moradia”, diz. Ele teme uma invisibilidade dos trans nesse contexto.
Em março, o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça para que o IBGE incluísse campos para identificação de “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos questionários do Censo 2022 e em futuras pesquisas.
A Procuradoria argumenta que o fato de não haver um “perfil social, geográfico, econômico e cultural'' da comunidade LGBTQIA+ no Brasil resulta em um “verdadeiro empecilho” para a formulação de políticas públicas focadas nas necessidades de tal população.