Cerca de um mês e meio antes do desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, integrantes da Univaja (União dos Povos Indígenas do Javari) relataram que foram ameaçados de morte na principal praça de Atalaia do Norte, no Vale do Javari (Amazonas). Pereira é servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio) e colaborava com a entidade até seu desaparecimento.
Segundo um boletim de ocorrência, três integrantes da Univaja foram confrontados por dois pescadores na noite do dia 19 de abril, na cidade no interior do Estado do Amazonas.
De acordo com o boletim, um dos pescadores tentou agredir um indigenista com um soco, mas errou. Na sequência, outro se aproximou dizendo para "não chamar a polícia, pois se o mesmo chamasse a polícia, ele iria pegá-lo, pois ele sabia onde o mesmo morava". O documento foi registrado na 50ª delegacia da Polícia Civil do Amazonas.
O relato continua afirmando que o primeiro pescador "estava ameaçando dar um tiro na cara" de um membro da Univaja e que "iria acontecer [...] o mesmo que aconteceu com o falecido Max", referência ao colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, morto com tiros na cabeça em Tabatinga, em 2019.
Maxciel integrava a Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, entidade da qual Bruno Pereira também já fez parte. Segundo disseram os indigenistas à polícia, a ameaça de morte aos integrantes da Univaja aconteceu na praça central de Atalaia do Norte, principal ponto de encontro do município, que tem cerca de 20 mil habitantes.
É para lá que Bruno Pereira e Dom Phillips retornavam, após uma viagem à região conhecida como Lago do Jaburu, quando desapareceram no domingo (5).
Pereira também já sofreu ameaças de morte. Há cerca de um mês, a instituição recebeu uma carta enviada por pescadores com ameaças de morte nominais a ele.
O documento, revelado pelo jornal O Globo e confirmado pela Folha de S.Paulo, fala em acerto de contas. "Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e Bruno da Funai, quem manda os índios irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe", diz o texto, citando também Beto Marubu, um dos coordenadores da entidade.
A carta segue com as ameaças e diz que, "se continuar desse jeito vai ser pior"; afirma ainda que esse é o único aviso que os pescadores darão. Cita outros membros da Univaja, um motorista e Eliésio Marubo, advogado indigenista.
Ainda não há sinais de Pereira e de Phillips. Eles deixaram o Lago do Jaburu na manhã de domingo e passaram na comunidade de São Rafael. Sua chegada em Atalaia do Norte estava prevista para por volta das 9h daquele dia, o que não aconteceu.
Eles foram avistados por moradores da comunidade de São Gabriel, situada mais adiante no trajeto pelo rio, mas já em uma terceira comunidade, conhecida como Cachoeirinha, os relatos obtidos por equipes de busca dão conta de que os moradores não os viram.
Desde o domingo, equipes da Univaja tentam encontrá-los. Na segunda (6), também agentes da polícia se somaram aos esforços, assim como equipes da Funai.
Pessoas ligadas às buscas, no entanto, reclamam que o reforço do governo federal tem demorado a acontecer e que falta articulação e organização nas operações.
A Univaja, por exemplo, afirma que até agora não foi montada uma força-tarefa para o enfrentamento da situação e que o governo Bolsonaro é omisso no caso.
Segundo informações da Marinha, Polícia Federal, Polícia Civil, Governo do Amazonas e Itamaraty, no entanto, as operações contam com helicóptero, barcos, jet-sky, mergulhadores, batalhões especiais e mais reforços são previstos.
"Em virtude de mais de 48 horas do desaparecimento do nosso Bruno e seu companheiro de viagem Dom Phillips, apelamos às autoridades locais, estaduais e nacionais que deem prioridade e urgência na busca pelos desaparecidos", escreveram Beatriz, Max e Felipe, respectivamente companheira e irmãos do indigenista, em uma nota.
"Compreendemos que Bruno possui vasta experiência e conhecimento da região, porém, o tempo é fator chave em operações de resgate, principalmente se estiverem feridos". Na segunda, a antropóloga Beatriz de Almeida Matos, companheira de Pereira, afirmou à reportagem que ele precisa voltar para casa. "Tenho um filho de três anos e um de dois, só penso nesse momento que ele retorne bem, por causa dos meninos. Ele tem também uma filha de 16 anos", disse.
"Nós amamos nosso irmão e queremos que ele e seu guia brasileiro sejam encontrados. Cada minuto conta", afirmou a irmã de Dom Phillips, Sian Phillips, em um vídeo que foi compartilhado pelo seu marido, Paul Sherwood.
Dom Phillips e Bruno Pereira tinham passado pela região chamada de Lago do Jaburu, onde visitaram uma base da Funai. O jornalista inglês queria registrar ações da equipe de Vigilância da Univaja e entrevistar seus membros.
Pereira é um experiente indigenista que viveu por anos na região. Ele fez carreira no Vale do Javari até se tornar coordenador-geral de Povos Isolados da Funai, em Brasília.
Após cerca de 14 meses no cargo, pediu licença. Segundo pessoas próximas, ele estava infeliz com o comando da fundação e se sentia pressionado e impedido de realizar seu trabalho. Passou, então, a colaborar com a Univaja. (Folhapress)