O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou nesta quinta-feira (9) que a inclusão de perguntas sobre orientação sexual e identidade de gênero no questionário do Censo Demográfico inviabilizaria a realização do levantamento em 2022.
A manifestação vem após o tema parar na Justiça. Nessa sexta-feira (3), ao acolher pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal do Acre determinou a inclusão das perguntas no questionário.
O problema, segundo o IBGE, é que não haveria tempo hábil para a medida, já que o início da coleta das informações está previsto para agosto.
Na avaliação do instituto, a inclusão também geraria "impacto econômico severo", aumentando os custos do Censo além do seu orçamento, estimado em R$ 2,3 bilhões.
"Sobre a decisão da Justiça Federal do Acre, o IBGE informa que, a menos de dois meses do início da operação do Censo Demográfico 2022, não é possível incluir no questionário pergunta sobre 'orientação sexual/identidade de gênero' com técnica e metodologia responsáveis e adequadas – muito menos com os cuidados e o respeito que o tema e a sociedade merecem", alegou o instituto.
"Inserir tais quesitos em um Censo Demográfico, em cima da hora, sem prévios estudos, testes e treinamentos, seria ignorar a complexidade e o rigor de uma operação censitária do porte continental da brasileira -cuja discussão e elaboração dos questionários e sucessivos planejamentos e preparações se iniciaram em 2016", acrescentou.
O IBGE esclareceu ainda que acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para recorrer da decisão judicial e "evitar o adiamento" da pesquisa.
"Seria irresponsabilidade arriscar a integridade do Censo Demográfico enquanto principal pesquisa do país, ainda que por iniciativa inspirada em legítimas causas e boas intenções", informou.
"Nesse caso -para dar cumprimento escorreito (sem falhas) à liminar da Justiça do Acre- restaria ao IBGE, como única alternativa possível, o adiamento do Censo 2022", completou.
O MPF, que pediu a inclusão das perguntas no questionário, argumenta que a obtenção das informações sobre orientação sexual e identidade de gênero é importante para subsidiar políticas públicas mais eficientes com foco na população LGBTQIA+.
"A informação estatística cumpre um significativo papel na efetivação de políticas públicas por evidenciar questões sociais ainda latentes, e é somente a partir do conhecimento da quantidade e condições de vida dessas populações que suas demandas sociais podem fazer parte da agenda estatal", esclareceu o órgão na sexta.
Já o IBGE entende que, em razão da metodologia, o Censo "não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual", segundo comunicado divulgado em março pelo instituto.
"A metodologia de captação das informações do Censo permite que um morador possa responder por ele e pelos demais residentes do domicílio", justificou o órgão à época.
"Pelo caráter sensível e privado da informação, as perguntas sobre a orientação sexual de um determinado morador só podem ser respondidas por ele mesmo", completou na ocasião.
O IBGE também disse nesta quinta que os quesitos relacionados à identidade de gênero e à orientação sexual já estão previstos para investigação no conjunto de pesquisas que compõem o Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares do instituto.
Entre elas, estão a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), no primeiro trimestre de 2023; a Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS), que irá a campo no segundo trimestre de 2023; a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), agendada para 2024; e a próxima edição da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).
Após o início da polêmica, o órgão divulgou em maio um levantamento inédito relacionado ao tema. De acordo com esse estudo, 94,8% das pessoas de 18 anos ou mais no país se declaram heterossexuais. Entre os entrevistados, 1,8% se disse homossexual (1,13%) ou bissexual (0,69%).
A pesquisa, porém, foi vista por especialistas como frágil por ignorar a sexualidade de pessoas transgênero e promover um reforço simbólico da heterossexualidade como padrão.
O Censo é considerado o trabalho mais detalhado sobre as características demográficas e socioeconômicas do país.
A pesquisa costuma ser feita a cada dez anos. Inicialmente, o novo levantamento estava previsto para 2020, mas não foi realizado devido à pandemia de coronavírus, que provocou restrições ao deslocamento de pessoas.
Em 2021, o que acabou inviabilizando novamente o estudo foi o corte de recursos destinados ao Censo. A verba para 2022 foi liberada após o Supremo Tribunal Federal (STF) ser acionado.
Na prática, os dados apurados funcionam como base para uma série de políticas públicas e decisões de investimento de empresas.
As informações balizam, por exemplo, os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FMP), fonte de recursos para as prefeituras.
Por Leonardo Vieceli, da Folhapress