O dólar iniciou a semana em alta no mercado doméstico de câmbio e fechou no maior patamar desde meados de fevereiro, na contramão do sinal predominante de baixa da moeda americana no exterior. A cotação foi de R$ 5,19. Analistas atribuem a perda de fôlego do real sobretudo à percepção de aumento de risco político e fiscal, em meio a investidas do governo e de seus aliados no Congresso para tentar conter os preços dos combustíveis. Fontes ouvidas pelo Broadcast afirmaram que medidas como mudanças na Lei da Estatais, taxação de exportações de petróleo e aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) estariam na pauta em reunião de líderes na Câmara marcada para o fim da tarde de hoje.
O estresse no mercado de câmbio começou pela manhã com a notícia do pedido de demissão de José Mauro Coelho da presidência da Petrobras, na esteira de ataques do presidente Jair Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ambos falaram em instalar uma CPI para investigar a política de preços da companhia após anúncio de reajuste na sexta-feira (17). A saída de Coelho deixa o caminho livre para o novo indicado pelo governo ao comando da Petrobras, Caio Paes de Andrade, egresso da equipe do Ministério da Economia. Em reação à escalada do preço do diesel, o presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, conhecido como Chorão, atacou Bolsonaro e disse que "o país vai parar naturalmente por não ter mais como rodar".
Com esse pano de fundo negativo, investidores preferiram aumentar as posições defensivas. Afora quedas pontuais e bem limitadas na abertura dos negócios e no início da tarde, o dólar trabalhou em alta. Entre mínima de R$ 5,1375 e máxima a R$ 5,1902, registrada na reta final do pregão, encerrou com avanço de 0,81%, cotado a R$ 5,1862 - maior valor de fechamento desde 14 de fevereiro (R$ 5,2185). Assim, o dólar passa a apresentar valorização de 9,12% em junho. A liquidez foi reduzida em razão do feriado nos Estados Unidos, que deixou o mercado sem a referência das Bolsas em Nova York e dos Treasuries. O contrato futuro de dólar para julho, termômetro do apetite por negócios, movimentou menos de US$ 10 bilhões.
Segundo o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, a saída de Coelho, embora já esperada, aumenta o prêmio de risco e as pressões sobre o dólar, que pode romper o patamar de R$ 5,20 nas próximas semanas. "O acirramento político e institucional tende a se agravar. Mesmo sendo pouco provável, não se pode descartar um cenário de intervenções do governo na ponta de preços administrados ou aumento dos gastos públicos na medida que se aproxima o calendário eleitoral", afirma.
Lá fora, o índice DXY - que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis moedas - teve um dia de alívio, após a escalada recente com a aceleração do ritmo de alta dos juros nos EUA pelo Federal Reserve na semana passada. A moeda americana caiu frente à maioria das divisas emergentes e de exportadores de commodities. Em relação aos pares do real, o desempenho foi misto, com baixa frente ao peso mexicano e alta na comparação com o peso chileno e o rand sul-africano. As cotações do petróleo tiveram avanço tímido, com o tipo Brent, referência para a Petrobras, ao redor dos US$ 114 o barril. O minério de ferro caiu quase 11% no mercado futuro em Dalian e fechou com recuo de 8,18% no porto chinês de Qingdao, na China, cujas siderúrgicas estão reduzidos as operações.
Para o CIO da Alphatree Capital, Rodrigo Jolig, após resistir até de certa forma bem à alta maior dos juros nos EUA, o mercado local parece, de fato, olhar novamente para "coisas ruins" do ambiente doméstico, o que ajuda a explicar o desempenho fraco do real. "Mas acredito que o mercado vai acabar relevando esses problemas. Os números fiscais estão melhores e não é só o Brasil que está tentando segurar os preços dos combustíveis, apesar de se falar muito aqui da pressão política e dos motivos eleitorais", diz Jolig.
O gestor vê o dólar ainda forte em relação a divisas pares, em meio ao processo mais acelerado de alta de juros nos EUA. Ele destaca, contudo, que moedas emergentes de países com taxas de juros elevadas, caso do Brasil, se mostram bem defendidas contra a maré externa. "O real pode voltar a operar perto de R$ 5 nas próximas semanas se o setor externo não adicionar muito risco. O CDI fala mais alto", diz Jolig, que, por ora, não vislumbra um quadro desfavorável para commodities, vistas pelos investidores como proteção contra a inflação. "Por enquanto, só o Fed está fazendo o trabalho duro. Os outros bancos centrais desenvolvidos estão atrás. Enquanto não houver uma alta generalizada e mais forte dos juros, o quadro para commodities segue ok". (Estadão Conteúdo)