Beatriz Matos, viúva do indigenista Bruno Pereira, disse nesta quinta-feira (14) que deseja uma retratação pública do presidente Jair Bolsonaro (PL), do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) e de Marcelo Xavier, presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), por fazerem declarações contra o servidor licenciado da Fundação. Bruno foi assassinado junto com o jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari (AM) no início de junho.
"Eu gostaria que o presidente do Brasil, o vice-presidente, e o presidente da Funai se retratassem em relação às declarações indignas, absurdas, que eles fizeram concerne ao trabalho do Bruno, Dom e Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari]. O presidente da Funai falou sobre a ilegalidade da presença deles ali, o presidente da República falou coisas que eu me recuso a repetir aqui. Eu acho que isso não é só uma questão digamos assim menor. É uma coisa muito séria. É o presidente, o vice, é o presidente do órgão", afirmou.
Enquanto às vítimas estavam desaparecidas, Bolsonaro chegou a afirmar que a dupla estava em uma "aventura não recomendável" e que Dom "era malvisto" por fazer "muita matéria contra garimpeiro". Já Mourão afirmou que a morte de Dom foi um "dano colateral" e que o jornalista entrou de "gaiato" no assassinato pelo fato de estar junto a Bruno.
Já a Funai disse que Bruno e Dom não adotaram os protocolos sanitários de prevenção contra a Covid-19 para entrar na terra indígena. A Fundação também acusou Bruno de não ter licença para entrar em território indígena. As acusações foram rebatidas pela Univaja.
Durante audiência pública da Comissão Externa do Senado que apura as causas do aumento da criminalidade e de atentados na Região Norte, Beatriz, que também trabalha no Vale do Javari, ressaltou que a família de Bruno não recebeu uma palavra de "condolência" do governo federal ou da Funai. Beatriz teve dois filhos - de 2 e 3 anos - com Bruno.
"A família não recebeu uma palavra de condolência. No funeral do Bruno, tinha representantes do poder municipal, estadual, mas não tinha do governo federal. Com exceção dos deputados e senadores, a gente não teve nenhum apoio. Isso que o Bruno era um funcionário publico dedicadíssimo, seríssimo, hipercomprometido com o trabalho dele."
A viúva, que participou virtualmente da audiência, se mostrou indignada com as acusações feitas por Xavier contra Bruno. "O presidente da Funai acusa o funcionário de estar fazendo alguma coisa no lugar de tomar para si a investigação, proteção, indignação, cuidado com a família, filhos, é indignante a falta de apoio que a gente teve da esfera federal desse país."
'BRUNO ACABOU MEXENDO COM PESSOAS PODEROSAS'
Jader Marubo, líder indígena e ex-coordenador da Univaja, esteve presencialmente na audiência do Senado e, junto com Beatriz, manifestou preocupação com a retomada das mesmas atividades criminosas que, supostamente, causaram as duas mortes.
Segundo Jader, Bruno se orgulhava de lutar pela proteção dos índios isolados e dos povos indígenas do Vale do Javari. Ele lembrou a atuação do indigenista para que os índios tivessem direito de voto e que ele teria denunciado casos de políticos que compravam votos de ribeirinhos na região, motivo pelo qual também teria recebido ameaça de morte.
"A partir do momento em que ele vestiu a camisa, e com a boa vontade de lutar pelo território, o Bruno acabou mexendo com pessoas poderosas da nossa região. São pessoas que lutam para ter poder. São políticos, comerciantes, narcotraficantes, pescadores, caçadores e garimpeiros, que estão invadindo nossa terra pela parte sul, com dragas que podem fazer extinção em massa de nossas regiões de pesca. Eles estão adentrando em um território onde existem muitos índios isolados", disse o líder indígena.
LÍDER INDÍGENA AFIRMA QUE CRIMINALIDADE JÁ VOLTOU AO NORMAL NO VALE DO JAVARI
A proteção dessas áreas e desses povos é um trabalho que, segundo Marubo, deveria ser feito pelo Estado Brasileiro. "No entanto, foi a ausência do Estado o que fez com que a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari vestisse a camisa e fosse lutar para proteger nosso território. Só que essa luta nos fez colocar um alvo em nossas costas", disse.
Segundo Marubo, as medidas de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) "não têm garantido nem a lei nem a ordem na região". "Chegou o contingente da Força Nacional e chegaram alguns funcionários da Funai, mas não houve melhoria. O que acabou acontecendo foi perseguição, na Funai, a funcionários que trabalham no local, para que não falassem, dizendo que eles poderiam pagar com a própria vida", relatou.
O trabalho da entidade, segundo o ex-coordenador da Univaja, tem sido dificultado pela falta de apoio do poder público federal. "Não temos polícia ambiental e a Polícia Federal tem um pequeno efetivo, insuficiente para a região. Depois da morte deles [Bruno e Dom], achamos que a criminalidade iria parar, mas quando baixou a poeira das forças militares que lá estavam, a coisa voltou ao normal", disse. "Sabemos o poder das pessoas que fazem parte dessas organizações criminosas e sabemos como eles podem atuar. Todos têm medo."
Como a situação não está melhorando na região, a liderança indígena avalia que assassinatos como os ocorridos podem acontecer novamente. "Eu e outros líderes e funcionários estamos em uma lista dos criminosos para sermos mortos. Não vai acontecer amanha; daqui a uma semana; ou daqui a um mês, mas vai acontecer caso nada seja feito", alertou.
A liderança indígena informou que, até o momento, com relação à cobrança manifestada em junho pelas Nações Unidas para que o governo federal reforçasse a segurança dos povos indígenas e da floresta, "nenhuma providência foi adotada", e que nem mesmo foi feita "uma manifestação de solidariedade por parte do governo federal ou da Funai".