Universidades e instituições federais de ensino superior no Brasil convivem com a grave ameaça de interrupção de diversos programas de assistência a alunos em situação de vulnerabilidade econômica, mas também a projetos de pesquisas científicas importantes para o país a curto, médio e longo prazo. A situação é fruto de uma redução, de 46%, no orçamento discricionário das universidades desde 2016, como reflexo do teto de gastos públicos implementado no Brasil.
Dados extraídos do painel de execução orçamentária da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostram que, há seis anos, a verba destinada às federais para manutenção em infraestrutura, pagamento de bolsas, financiamento de pesquisas e assistência aos alunos era de R$ 10,1 bilhões. Já a previsão até o encerramento deste ano é de R$ 5,1 bilhões.
Para 2023, conforme a Andifes, a projeção do Plano Plurianual é ainda mais baixa: R$ 4,9 bilhões. As limitações impostas a partir do teto de gastos, consolidado na Emenda Constitucional nº 95, se somam aos bloqueios orçamentários feitos na atual gestão. Se considerado somente este ano, o Ministério da Educação fez um corte de R$ 1,6 bilhão das federais. A limitação, até junho, era ainda maior, chegando a R$ 3,2 bilhões, mas os valores foram revistos pelo ministro Victor Godoy em 3 de junho.
Presidente da Andifes, o reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marcus Vinicius David, explicou que o contingenciamento também afeta o orçamento obrigatório das instituições. Neste caso, a verba custeia folha de pagamento e outras despesas primárias. Neste caso, as federais não tiveram perdas. Em 2016, o painel da Andifes contabilizou R$ 39,4 bilhões, contra R$ 41,9 bilhões neste ano.
“Quando um professor se aposenta, ele não sai da folha da universidade, mas entra na folha de inativos. A despesa obrigatória tem um crescimento vegetativo que vai comprimindo a receita discricionária. O que já era previsível é que com o passar dos anos esse aperto iria se tornar cada vez maior”, explica o reitor que admite dificuldades nas instituições para recomposições nos quadros de pessoal devido ao cenário de escassez financeira.
Segundo o reitor, a situação atual impõe às administrações das instituições o corte de bolsas de iniciação científica de ensino e projetos de extensão. “Cria-se cada vez mais dificuldade para o professor trabalhar. Tem que tocar projetos com alunos como voluntários, começam a faltar insumo nos laboratórios”, descreveu. Marcus Vinicius afirma que a qualidade acadêmica está sendo comprometida.
“Poderíamos formar melhor os alunos, propiciando experiências em iniciação científica, projetos de extensão na área de conhecimento, porque temos um quadro de professores e de técnicos que se tivessem condições de trabalho vão produzir muito mais. Mas acabo tendo que comprometer a qualidade do ensino”, lamenta o presidente da Andifes.
Dentre os problemas observados, há até mesmo comprometimento em situações corriqueiras, como troca de lâmpadas e revisão de contratos manutenções e limpeza nas edificações. "As condições de trabalho vão se distanciando do ideal. Antes era mantido com mais rigor. Agora tem mofo, problema na porta, lâmpadas que não acendem e você começa a ter problema com infraestrutura", argumenta.
Conforme Marcus Vinicius, o teto de gastos públicos deveria ter sido acompanhado de uma discussão ampla de revisão da política previdenciária e administrativa. “Mas o Brasil foge dessa discussão e o estado brasileiro já está perto de um colapso absoluto”, observa.
A limitação orçamentário também afeta o financiamento de bolsas de estudo a alunos em vulnerabilidade econômica. Os valores pagos ajudam a manter os alunos na formação acadêmica, sem a necessidade de desistência do curso para trabalhar. “Quando há um corte no orçamento discricionário como um todo, atinge também a assistência estudantil, o aluno que entrou em política de cotas, toda essa política de democratização e acesso”, acrescenta o reitor. Pagamento de transporte e moradia universitária também estão em xeque, assim como as pesquisas em laboratórios científicos.
No caso da vacina da Covid-19, por exemplo, o Brasil é um dos países com laboratórios que produzem o insumo: Butantan e Fiocruz. Também há imunizantes em estudo e fase de testes em universidades do país. “A vacina não foi desenvolvida em um ano. Eu tenho 20 anos para trás de pesquisas, vários modelos e estratégias diferentes. E aí quando você precisa de resposta rápida, todo acúmulo de conhecimento que se tem de laboratórios operando, pesquisadores trabalhando, é utilizado”, afirma David.
O impacto, na avaliação dele, será principalmente a longo prazo. “Projetos de pesquisa são de médio e longo prazo. Preciso ter laboratórios estruturados, preciso de pesquisas gradativas. E quando interrompo isso, suspendo projetos e tiro estudantes de graduação, mestrado e doutorado por falta de bolsas, acabo comprometendo o resultado lá na frente. Quando a ciência brasileira for chamada à resposta, nossa velocidade vai ficar comprometida”, finaliza o reitor.
Os dados apresentados pela Andifes e os cortes feitos pelo Ministério da Educação no orçamento das universidades federais demonstram descaso com a educação no Brasil, segundo a diretora do Centro de Políticas Educacionais (Ceipe) da Fundação Getúlio Vargas, Cláudia Costin. A especialista alerta que não há projeto de país com políticas públicas estruturadas para a área da educação.
No cenário atual, ela citou ações do governo, como a PEC dos Benefícios, que vai gastar quase R$ 42 bilhões com programas de transferência de renda às vésperas da eleição, que comprovam o descompromisso com a educação. “Acho natural que em crises econômicas os investimentos sejam reduzidos. Isso faz parte de uma certa disciplina fiscal. Mas não é o que estamos vendo em outros setores Estamos tirando dinheiro da saúde e educação para bancar situações associadas a interesses políticos, eleitorais e ideológicos”, frisa Costin.
Para ela, os investimentos em educação, ciência e tecnologia e saúde não deveriam ter sido inseridos no teto de gastos públicos. “Ciência e tecnologia e as universidades são investimentos para construir o futuro do país. 90% da pesquisa brasileira é feita pelas universidades públicas. Isso nos ajuda a entender o que vai acontecer com esses cortes”, afirma.
A reportagem de O TEMPO questionou os Ministérios da Educação e Ciência, Tecnologia e Inovações sobre a situação. Apenas a pasta educacional respondeu informando que o bloqueio orçamentário não vai acarretar em impactos financeiros nas instituições federais de ensino ou no pagamento de bolsas. “A pasta realizará remanejamento de verbas para que o contingenciamento seja aplicado em despesas futuras, não prejudicando, assim, universidades, institutos federais e programas em execução”, afirmou.
Contra os cortes nas universidades federais e também às reduções orçamentárias na educação básica, a União Nacional dos Estudantes (UNE) planeja, para 11 de agosto, uma manifestação nacional. A presidente do movimento, Bruna Brelaz, afirmou que o protesto vai ser em defesa da educação e em defesa da democracia brasileira. “É uma falta de visão de um Brasil soberano e desenvolvido. Nossa luta nas ruas é porque precisamos da recomposição orçamentária, da retirada do teto de gastos e por mais investimentos em educação”, conta Bruna.
A presidente da UNE afirma que situação educacional no país é urgente, principalmente após a pandemia, O período entre 2020 e 2021, de fechamento das escolas e universidades para conter o avanço da Covid-19, apesar de necessário, representou prejuízos classificados como “incalculáveis” por Brelaz. “Se a gente não conseguir construir um plano emergencial de recuperação da educação, desde o ensino básico até a pós-graduação, pensando de curto a longo prazo, como a educação pode voltar a ser um dos motores principais de desenvolvimento da nação brasileira?”, questiona.