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Aliança de Lula com ruralistas provoca impasse entre ambientalistas e indígenas

Por Redação

14/08/2022 às 08:08:47 - Atualizado há

A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato ao Palácio do Planalto na chapa com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) como vice, tem sinalizado a ambientalistas e lideranças indígenas que, se por um lado o eventual governo Lula estará comprometido com a proteção ambiental e direitos dos povos indígenas, por outro esse mesmo governo não vai escapar do embate com os defensores do meio ambiente.

Isso porque faltando pouco mais de três meses para o primeiro turno eleitoral, no início de julho, o PT fechou aliança com a campanha do deputado federal ruralista Neri Geller (PP-MT), candidato ao Senado pelo estado. Além dele, o senador licenciado Carlos Fávaro (PSD-MT) assumiu a coordenação da campanha petista no Mato Grosso. Os dois parlamentares são assimilados como importantes articuladores da aproximação de Lula com o agronegócio.

O site do PT chegou a reproduzir uma entrevista concedida por Fávaro ao blog do jornalista Ricardo Noblat, em 19 de julho, em que o senador acusa o governo de Jair Bolsonaro (PL), principal oponente de Lula na disputa à Presidência, de não ter feito nada pelo agronegócio. “Venho refletindo muito e não foi difícil chegar à conclusão de que é muito melhor o Lula voltar. É só comparar o que os dois fizeram pelo agro”, declarou Fávaro.

Tanto Geller quanto Fávaro não são bem quistos por ambientalistas e lideranças indígenas por conta de projetos que conduziram no Congresso Nacional. O deputado federal Geller é autor do texto substitutivo ao Projeto de Lei (PL) que estabelece a lei de Licenciamento Ambiental, tornando a regra do licenciamento uma exceção e não uma regra.

Enviado para votação no Senado, esse PL é criticado por ameaçar Unidades de Conservação, terras indígenas e comunidades quilombolas, que ficam vulneráveis e expostas a desastres ambientais causados por barragens de mineração, por exemplo.

Já o senador Fávaro é acusado de favorecer grileiros no chamado “PL da Grilagem”, sob sua relatoria na Casa. O texto já foi aprovado na Câmara e anistia invasões de terra, além de estabelecer mudanças nos marcos temporais para regularização fundiária, que é uma das principais causas dos povos indígenas em embate com grileiros e invasores de terras.

A repercussão da aliança do PT com esses representantes do agronegócio foi expressada negativamente pela ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora Marina Silva, uma das fundadoras do partido Rede Sustentabilidade, que está coligado à campanha de Lula e Alckmin.

"Não há escolha que não tenha consequência. Aliar-se àqueles que lideram a articulação dos PLs [projetos de lei] da destruição é criar amarras com o atraso, estimular vetos internacionais ao agronegócio do Brasil e manter o país na condição de pária ambiental, uma das grandes conquistas do governo Bolsonaro", declarou a política ao jornal Folha de S. Paulo em 19 de julho.

“Com aliados desse tipo, ficará difícil cumprir as promessas feitas aos indígenas, aos ambientalistas, ao setor do agronegócio que quer se firmar na pauta da sustentabilidade e aos pequenos agricultores", completou Marina Silva.

Os parlamentares foram acionados pela reportagem via assessorias para se posicionarem sobre essas críticas, mas não retornaram até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações de ambos.

Em pré-campanha, Lula promete proteger o meio ambiente

Por outro lado, o ex-presidente Lula tem reiterado em seus discursos e entrevistas que vai se comprometer com as causas ambientais e dos povos indígenas, inclusive com promessa de um ministério exclusivo para os indígenas, tendo uma liderança deles à frente da pasta.

“Os ministérios que eu tinha, vou recriá-los. Ministério da Igualdade Social, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Pesca. Vou criar o Ministério das Causas Indígenas nesse país e terá que ter um índio [sic] no ministério, não precisa ser um branco de terno e gravata”, afirmou o petista em entrevista ao site Uol, em fins de julho.

Mais recentemente, durante participação em um debate promovido pela Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), na última terça-feira (9), Lula encerrou suas respostas aos empresários prometendo enfrentar a grilagem, garimpo e desmatamento ilegais na Amazônia como uma das medidas para recuperar a credibilidade internacional do país.

"A Europa vai definitivamente compreender que se quiser investir no Brasil pra que a gente cuide da questão climática, ela vai ter aqui gente com disposição de enfrentar qualquer grileiro, qualquer garimpeiro, qualquer boiadeiro, qualquer canavieiro que queira invadir áreas que não podem. O Brasil precisa reconquistar credibilidade, não precisa perder a soberania. A questão climática hoje não é uma coisa secundária, é uma coisa prioritária pra gente ganhar respeito e dinheiro", declarou o ex-presidente.

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima – entidade que reúne 73 organizações de defesa do meio ambiente –, tem uma avaliação pragmática sobre as alianças feitas pelo PT com o agro, e pondera que isso não isentará o eventual governo PT de ser cobrado.

"O Lula está fazendo campanha política, tem esses aliados e vários outros, ele está buscando votos, essa é a missão de todos os candidatos que querem derrotar o Bolsonaro. Mas isso não significa que, se eleito, Lula não vai enfrentar as contradições de governo”, nota Astrini.

"Eu acredito no que o Lula vem afirmando sobre os compromissos de meio ambiente, de combater o desmatamento e o garimpo ilegal, por exemplo. Até porque é fundamental para as principais promessas do governo dele, que é combater a fome e a pobreza, gerar emprego. Ele vai precisar de ajuda internacional, e sabe que a Amazônia é cartão de visita do Brasil no mundo afora. Se o Brasil vai mal na questão ambiental, a ajuda financeira para o país diminui”, acrescenta, reverberando o discurso de Lula na Fiesp.

Campanha petista recebeu 74 propostas dos ambientalistas

Representando as propostas dos ambientalistas, o Observatório do Clima entregou à campanha do PT o primeiro volume do “Brasil 2045: Construindo uma potência ambiental”.

Entre as 74 propostas presentes no documento, está o "revogaço" de mais de 100 medidas implementadas na atual gestão. O ano de 2045 é tido como uma meta de alguns países para zerar as emissões de gases que intensificam as mudanças climáticas. Segundo Astrini, o mesmo documento foi entregue à campanha do presidenciável Ciro Gomes (PDT) e aguarda retorno da campanha de Simone Tebet (MDB).

Na versão final do plano de governo registrado pela coligação que reúne PT, PSB, PCdoB, PV, Solidariedade, Rede, Psol, Avante e Agir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), constam 121 compromissos, dos quais seis refletem algumas das propostas feitas pelos ambientalistas.

Correligionário de Marina Silva e um dos coordenadores da campanha petista, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou que, se o governo PT for eleito, será feito o revogaço em janeiro, com um “nomeaço de atos de reconstrução da governança ambiental” em substituição.

“Isso é imprescindível para atrair recursos para o Brasil restaurar o Fundo Amazônia, que financia sobretudo programas de desenvolvimento sustentável para povos indígenas, caboclos, ribeirinhos e povos tradicionais”, disse o senador, em entrevista exclusiva à reportagem de O TEMPO.

O fundo ao qual o parlamentar se referiu foi criado em 2008 e está com os recursos bloqueados desde 2019. Financiado principalmente pela Noruega e Alemanha, os repasses ao Fundo Amazônia foram interrompidos após queimadas recordes na região. Há aproximadamente R$ 2,9 bilhões paralisados em uma conta bancária federal.

Sobre as críticas feitas à aliança com os ruralistas, Randolfe foi enfático: "É uma campanha de frente ampla. Aliança com os diferentes para enfrentar os antagônicos é juntar com alguém do agronegócio e dizer pro agronegócio qual vai ser a regra do jogo, não vai ser a regra do PL do veneno, não vai ser a regra do PL do licenciamento fundiário que estimula a grilagem”.

Indo além, o senador prometeu pedido de arquivamento dos projetos, entre os quais os relatados por Geller e Fávaro: “O pacote das primeiras medidas em janeiro terá pedido de arquivamento desses projetos que estão no Congresso Nacional, e [ao mesmo tempo] pactuar com o agronegócio. Não pode ser uma imposição do agronegócio, como é hoje, mas também não pode haver imposição ambiental para o agro, vai ser dialogado”.

Projetos são "extremamente destrutivos", segundo Astrini

Astrini reforça ainda que os projetos relatados pelos parlamentares “são extremamente destrutivos para a pauta ambiental” e que se Lula quiser diminuir o desmatamento na Amazônia, terá de articular mudanças nesses textos. Seja como for, os ambientalistas estarão dispostos a negociar.

"A gente sempre sentou à mesa de negociação com os ruralistas e vamos continuar fazendo isso, desde que esse espaço exista. Neste momento, esse espaço de negociação se fechou. Não há problema em transformar as riquezas da Amazônia em economia ativa do país, desde que isso não provoque invasão de terras, destruição. Existe uma forma de explorar a madeira de forma sustentável", propõe Astrini.

Em contraponto ao ambientalista, Telma Taurepang, liderança do Parlamento Indígena (ParlaÍndio), vê com desconfiança a ideia de exploração sustentável das florestas brasileiras, além da proximidade do PT com o agronegócio.

"O que é sustentável pro agronegócio? Porque para nós, povos indígenas, sustentável é cuidar da terra, da floresta, que nos sustentam. Nós precisamos da alimentação, da água, e não explorar de forma desenfreada. Me deixa muito com o pé atrás quando esses ruralistas se juntam à candidatura do [ex] presidente Lula, dizendo que estão do lado dos povos indígenas. É muito contraditório como eles vivem esse desenvolvimento do agronegócio, por isso fico desconfiada”, pontua a líder indígena.

Criação de ministério também é vista com ressalvas

Outro receio de Telma é a promessa de Lula de criar o ministério dos povos indígenas. "Quem é que vai de fato dar tinta à caneta de um ministro dos povos indígenas? Vai ser o presidente ou vão ser os parlamentares do Senado e da Câmara? Porque uma coisa é o presidente falar, outra é quem vai assinar [os projetos].”

“Acredito que se dependesse somente do presidente, creio que caminharíamos muito bem para um desenvolvimento com cuidado e legitimidade. Mas o presidente não manda totalmente nos ministérios e se ele deixa os aliados pegarem na caneta também, a gente tem que ficar atento”, acrescenta.

Apesar das desconfianças, os indígenas estão mobilizados em torno de candidaturas próprias para o Congresso Nacional. A intenção é aumentar a bancada que, em nível nacional, ainda conta com apenas uma representante: a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), que está concluindo seu primeiro mandato e vai tentar a reeleição. Telma é uma das candidatas a deputada federal pelo PSD de Roraima

"Nós, povos indígenas, sempre estivemos à frente dessas discussões pelo meio ambiente, pelo direito à terra, que engloba tudo. Para nós sempre foi na base da pressão, da ousadia. Sem a ousadia dos povos indígenas, nós continuaríamos sendo invisíveis na questão do desmatamento, da mineração, do agronegócio nos nossos territórios. Minha candidatura é para criar e defender uma estratégia, junto às nossas lideranças, para avançar na pauta ambiental.”

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Fonte: O TEMPO
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