Várias denúncias de violência policial em Minas foram registradas por câmeras de segurança e testemunhas nos últimos dias, mas a Polícia Militar nega que sejam numerosas.
Moradores do Bairro Vila Esperança II, em Juiz de Fora, queimaram um ônibus e móveis para protestar contra uma ação violenta da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) no último domingo (14/8), na cidade da Zona da Mata mineira. A abordagem a um grupo de homens foi registrada por câmeras de segurança e não foi o único vídeo que mostra agressões por parte de policiais no estado nos últimos dias. A corporação alega que os agentes foram desacatados e reagiram a ameaças.
A ação da PM durante a tarde de domingo foi registrada por câmeras de segurança que mostram o momento em que viaturas param e policiais descem dos carros apontando armas para quatro homens que estavam na calçada. Mesmo sem oferecer resistência, um deles leva um tiro com bala de borracha e cai no chão.
Em seguida, uma mulher que estava dentro do imóvel aparece na rua e tenta argumentar com os militares. Do outro lado da calçada, um PM atira em direção à parte superior da casa, mas não é possível ver nas imagens o quê, exatamente, ele estava mirando. Enquanto isso, a mulher segue aparentando desespero, gesticulando com os policiais no meio da rua.
Posteriormente, um dos homens que estavam na calçada é imobilizado no chão, algemado e levado para o camburão da PM. No caminho para a viatura, ele cai, e é atingido por um chute de um policial. Por fim, o rapaz é colocado dentro da viatura.
Em um segundo vídeo, gravado cerca de 15 minutos depois do primeiro registro da abordagem, outro homem é puxado pelo braço por um dos PMs. Na sequência, outro policial arremessa um pneu no rosto dele. Com o impacto do golpe, o rapaz desmaia e cai. Uma criança presenciou toda a cena.
PROTESTO Segundo informações dos bombeiros, na noite de domingo, moradores do bairro protestaram contra a ação queimando móveis para bloquear a Rua Custódio Lopes de Matos. Durante o movimento, um ônibus da linha 735 também foi incendiado. Cerca de 50 pessoas estavam nas proximidades e, segundo testemunhas, bastante agitadas.
Em nota, a Polícia Militar informou que realizou diversas operações na região, incluindo mandados de busca e apreensão. Segundo a corporação, os criminosos da área ficaram descontentes com a ação policial, hostilizaram e cercaram uma viatura que fazia o patrulhamento da área e foi necessário solicitar reforço.“Após a chegada (do reforço), um dos indivíduos levou a mão à cintura, sendo necessária a utilização de instrumento de menor potencial ofensivo”, complementa a PM.
GOLPES Um outro vídeo de ação violenta de policiais em Minas também circulou nas redes sociais no último fim de semana. Em Paineiras, na última sexta-feira (12/8), testemunhas registraram o momento em que Marcos Mendonça Gonçalves, de 23, foi abordado pelos agentes. Ele foi jogado ao chão por dois PMs e, enquanto um segurava suas pernas, o outro golpeou sua cabeça, ao menos, 11 vezes. O jovem desmaiou durante as agressões e levou sete pontos na parte de trás da cabeça. Segundo ele, sua namorada também foi agredida.
Sobre o caso, a Polícia Militar informou que recebeu uma denúncia de que um homem estava soltando bombas em uma praça da cidade perto de crianças. Segundo a PM, o suspeito apresentava sinais de embriaguez, desacatou os policiais com xingamentos e resistiu à prisão com chutes, mordidas e chegou a jogar um copo de vidro no rosto de um policial.
A PM informou ao Estado de Minas que instaurou uma investigação para apurar a conduta dos policiais envolvidos na agressão. Ontem, o prefeito de Paineiras, Afrânio Alves de Mendonça Neto (PSDB), anunciou que o militar filmado desferindo socos em Marcos foi transferido para outro destacamento.
O advogado criminalista e conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Minas, Marcos Aurélio de Souza Santos, assumiu o caso de Paineiras. Ele afirma que enviará hoje uma representação ao Ministério Público de Minas Gerais pedindo que seja aberta uma investigação. "Não há como brigar contra as imagens. Então, vamos pedir que os policiais sejam afastados de suas funções até que todas as apurações sejam feitas", declarou.
Triângulo Mineiro, mulher diz que foi agredida
Renato Manfrim
Outra denúncia de violência policial no fim de semana aconteceu no domingo, em Planura. Na cidade do Triângulo Mineiro, uma mulher de 26 anos acusa um policial militar de agressão. Ela divulgou na internet foto de hematoma no rosto, supostamente provocado pelo PM.
Inicialmente, segundo informações divulgadas pela mulher, os policiais foram até a casa de um casal de amigos dela e disseram que seria feita a apreensão do aparelho de som. Então, ela questionou se eles tinham algum mandado. “Nesse momento, um dos militares me xingou, disse que não precisava disso e logo me agarrou pelo braço”, contou.
Nesse momento, ela disse que tentou resistir às agressões, mas foi empurrada para dentro da viatura, onde continuou a ser agredida com chutes e socos. "Ele me deu mais dois murros no olho e começou a gritar para eu calar a boca até chegar ao hospital", complementa.
Segundo a PM, a mulher entrou em conflito com os agentes de segurança no momento em que foi detida por desacato e durante atendimento a um chamado por perturbação de sossego. De acordo com o boletim de ocorrência, a equipe policial foi recebida de forma hostil pela mulher, que xingou os militares e mordeu a mão de um deles.
Conforme a PM, foi dada voz de prisão à mulher por desacato à autoridade. Ainda segundo o registro policial, a suspeita bateu a cabeça e chutou a porta da viatura policial por diversas vezes, o que danificou uma das portas do veículo.
Também consta no boletim que os policiais apreenderam três celulares e três aparelhos de som que estavam na varanda da casa, direcionados para a rua, ao lado de várias garrafas de cerveja.
Registros não são numerosos, diz PM
Em entrevista ao Estado de Minas, o tenente-coronel Flávio Santiago, chefe do Departamento de Comunicação da Polícia Militar mineira, afirmou que os casos de violência policial no estado não são numerosos. "Não podemos falar em aumento [de casos de agressões envolvendo policiais]. É muito pouco representativo, mas ainda sim vamos tratar com muito rigor, pois a PM não compactua com desvio de conduta", declarou.
A reportagem solicitou à Corregedoria da PM o número de investigações de casos de agressões por policiais e o número de exonerações de agentes registradas neste ano em Minas, mas, até a publicação desta matéria, não obteve resposta.
Em nota, a Polícia Militar informou que preza pela lisura e transparência de suas ações e que, quando há necessidade de apurar algum fato relacionado à atuação policial-militar, a instituição o faz por iniciativa própria. A PM ainda afirma que realiza treinamentos continuados de toda a tropa, inclusive com capacitações bienais.
O Brasil registrou 6.145 mortes decorrentes de intervenções policiais em 2021. Dessas, 114 aconteceram em Minas, segundo dados publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
CÂMERAS As ocorrências em Juiz de Fora e Paineiras chamam a atenção pelas imagens, que registraram as cenas de violência gravadas por equipamentos de segurança e celulares de testemunhas. A utilização de câmeras nos uniformes dos policiais é vista por especialistas como uma forma de coibir ações violentas e já tem exemplos bem-sucedidos no Brasil.
Em Minas, a ideia chegou a ser defendida pelo então candidato ao governo Romeu Zema (Novo) na campanha eleitoral de 2018. Na ocasião, o atual governador afirmou que a instalação das câmeras ajudaria os policiais no combate ao crime. No entanto, a medida ainda não foi aplicada. À reportagem, a PM afirmou que o cronograma de distribuição dos equipamentos está sendo elaborado, com previsão de implementação ainda no segundo semestre deste ano.
Em São Paulo, a medida foi adotada e surtiu efeito. O número de vítimas de letalidade policial no estado caiu 30% no ano passado em relação a 2020. Dados de pesquisa realizada por membros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ainda mostraram que em 2021 houve uma redução de 47% na letalidade provocada pelos batalhões que faziam parte do programa de uso de câmeras nas fardas, ao passo que, nos demais, a queda foi de apenas 16,5% em comparação ao ano anterior.