Em 1938, o esporte já começava a ter espaço cativo na programação do rádio e o futebol também dava os primeiros passos como atividade profissional. Naquele ano, a França sediou a terceira Copa do Mundo da história. Até então, o Brasil tinha tido participações discretas (6º lugar em 1930 e 14º em 1934). O 3º lugar colocou o país no mapa do futebol mundial.
A campanha histórica pode, pela primeira vez, ser acompanhada pelos brasileiros via ondas de rádio e em tempo real. As Emissoras Byington (Kosmos, de São Paulo, Cruzeiro do Sul, do Rio de Janeiro, Clube, de Niterói, e Clube, de Curitiba), na figura do locutor Gagliano Neto, transmitiram as partidas da seleção brasileira por meio da chamada Rede Verde-Amarela.
Assim como nas primeiras transmissões no Brasil, a cobertura da Copa de 1938 pelas Emissoras Byington enfrentou barreiras. “Além da transmissão internacional, dentro do país existia uma precariedade das linhas telefônicas. Para piorar, a Byington também enfrentou problemas com Getúlio Vargas, que via com desconfiança a formação de uma rede de emissoras transmitindo um mesmo conteúdo e, portanto, também alcançando um número maior de pessoas”, relata Bruno Micheletti.
Dificuldades à parte, a cobertura da Copa na França, se tornou histórica. As transmissões eram acompanhadas, inclusive, em alto-falantes instalados em praças públicas. “É uma transmissão muito importante no que diz respeito a essa reconfiguração da relação que o país vai ter com as Copas do Mundo, com a seleção brasileira. É um marco na história das transmissões do rádio esportivo”, diz Leda Maria da Costa.
Lígia Freitas, filha de Gagliano Neto, conta que o pai se orgulhava do pioneirismo. "A transmissão da Copa em 1938 foi um marco importante na história do futebol no Brasil, sim! Ele tinha noção e se orgulhava desse feito", afirma.
Ela lembra que o pai chegou a ter que narrar uma partida de cima de um telhado. "Foi uma aventura! Ele foi ousado na transmissão por telefone!", relata a Lígia.
Com o espaço aberto, outras coberturas de Copas do Mundo via ondas de rádio marcaram história. Doze anos e uma guerra depois, o Brasil sediava a sua primeira Copa do Mundo da história. O público pode acompanhar as partidas nos estádios e, fora dele, rádios como a Nacional (a maior do país na época) fizeram transmissões. O Brasil chorou ao ouvir a derrota para o Uruguai na final da competição.
Depois do terceiro lugar em 1938 e do segundo lugar em 1950, o Brasil conquistou a primeira Copa do Mundo em 1958. Naquele ano, a rádio Nacional também fez a transmissão das partidas, mas a transmissão que chamou atenção foi da “Cadeia Verde-Amarela Norte-Sul do Brasil”, liderada pela Rádio Bandeirantes.
A transmissão em rede, que havia sido feito de forma tímida em 1938 (com as emissoras Byington) e foi melhorada em 1950 (com iniciativas como da Nacional), alcançou outro patamar em 1958. A cadeia de rádios foi formada por nada menos do que 400 emissoras. Na final, contra a Suécia, a rádio Bandeirantes alcançou a maior audiência de sua história.
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“Indiscutivelmente, Fiori Gigliotti com essa ideia da Cadeia Verde-Amarela foi muito importante e acho que é um marco significativo porque ela demonstrou a possibilidade das emissoras entrarem em cadeia para transmissão dos eventos esportivos e isso é perdura até hoje. Essa iniciativa foi muito importante e decisiva para a evolução do rádio esportivo brasileiro”, destaca Márcio Guerra.
Mesmo com o advento das transmissões de jogos na televisão, por meio de VTs, as Copas do Mundo de 1962 e 1966 ainda eram acompanhadas, prioritariamente, pelo rádio. Foi em 1970 que este quadro começou a mudar.
A transmissão da Copa do México, que rendeu o tricampeonato para a seleção brasileira, foi a primeira vista, ao vivo, pelas telas da TV. À época, se acendeu o debate sobre como a TV poderia “acabar com o rádio”. Isso mudou com o passar do tempo.
“O rádio recebeu a televisão, inicialmente, como uma ameaça, mas depois percebeu facilmente que era possível a convivência entre os dois veículos e, principalmente, que com a sua força, especialmente no jornalismo esportivo e narração dos jogos, o rádio não perderia essa relevância”, relata Márcio Guerra.
Uma das estratégias para o rádio foi atuar em complementariedade com a televisão. Foi isso que a rádio Record fez na Copa do Mundo de 1982, disputada na Espanha. Com os direitos de transmissão comprados com exclusividade pela TV Globo, a Record resolveu chamar os ouvintes para escutar a rádio enquanto assistia aos jogos na televisão.
Silvio Luiz, narrador da emissora na época, relata que a ideia foi de Rui Viotti, um dos chefes do grupo Record: “Com isso foi feita uma campanha para se abaixar o som e escutar o jogo pela Record”.
Com o slogan “Olhos na TV, coração na Rádio Record”, a equipe de esportes teve que se adaptar para “sincronizar” a narração com a TV. “Eu ficava na Espanha com a imagem do jogo e quando aparecia uma imagem exclusiva da Globo na TV, me avisavam e eu narrava em cima da imagem que iam falando”, conta Silvio Luiz.
É claro que a emissora não conseguiu os mesmos índices de audiência da TV. Porém, relatos apontam que a estratégia fez com que a Record vencesse concorrentes do segmento rádio. Até hoje, a estratégia é utilizada. O narrador Edson Mauro da rádio CBN do Rio de Janeiro, por exemplo, adota até hoje o bordão “olho na telinha, ouvido na caixinha”.
Edson Mauro conta que o bordão surgiu na metade dos anos 1990 com o intuito de incentivar o hábito de assistir na TV e ouvir no rádio. "O torcedor percebia que o relato dos narradores, através do rádio de pilha e agora dos celulares, é mais rico em informações e passa a sensação de se estar no estádio. Ouvir as narrações pelo rádio à frente do aparelho de TV consagram o bordão histórico do grande Waldir Amaral na Rádio Globo: é como se você estivesse à beira do gramado", diz.
Não foi apenas como “complemento” que o rádio esportivo sobreviveu à chegada da TV. O fato de nem todos os jogos serem transmitidos, da TV não ser um eletrodoméstico, por assim dizer, portátil e da narração radiofônica ainda carregar uma emoção que cativa algumas pessoas fez com que emissoras ainda continuassem transmitindo jogos históricos.
Pela TV e pelo rádio, o Brasil viu a seleção ser tetra e pentacampeã. Foi aí que o crescimento do acesso à internet e o streaming forçaram mais uma adaptação por parte de quem fez esporte pelo rádio.
A internet surgiu como uma concorrente a mais (além da TV, que em canais fechados aumentava o número de partidas transmitidas) para o rádio esportivo, mas proporcionou uma nova tendência: as transmissões ao vivo em plataformas como o YouTube.
Uma das experiências mais bem sucedidas do momento é a da rádio Jovem Pan. Parte da programação esportiva da emissora é transmitida (com som e vídeo) para o canal Jovem Pan Esportes. A página tem cerca de 3,4 milhões de seguidores e 1,6 bilhão de visualizações desde 2015 (período da criação do canal).
Wanderley Nogueira, jornalista e diretor de esportes da rádio Jovem Pan, cita que a “ida para internet” causou espanto, mas foi bem sucedida. “Faz vários anos, a Jovem Pan começou a transmitir as narrações como imagem dos locutores. Foi um "espanto" para todo mundo naquele momento. O tempo passou e esse recurso é seguido por emissoras de todo o país”, afirma.
Ele acredita que, independentemente da plataforma, o conteúdo é que vai prevalecer. “O rádio - junto com TV/Internet/Streaming - vai continuar levando informação, opinando, prestando serviços, oferecendo entretenimento e fazendo transmissões esportivas emocionantes”, diz.
A opinião é corroborada por pesquisadores. Márcio Guerra acredita que, mesmo com novas formas de se consumir conteúdo, o rádio e seu estilo vão continuar cativando pessoas. “A migração de alguns conteúdos para o YouTube é a prova de que as pessoas continuam admirando a linguagem e o estilo radiofônico. A internet é uma complementariedade e sinal que o rádio continua explorando novos espaços”.
“Mesmo com o rádio perdendo espaço para a TV ou internet, está longe de morrer. A rádio está tentando se adaptar a essas novas demandas de um público que tem outros hábitos e formas de acessar e consumir o futebol. O rádio vai se reinventando e aí vai se caminhando a história da comunicação esportiva”, aponta Leda Maria da Costa.
Nesta nova fase, até os bordões estão sendo reinventados. Edson Mauro, por exemplo, "adaptou" a "caixinha" de seu bordão: "Hoje, a frase que narro está atualizada para "olho na telinha, áudio na caixinha... do tablet e do celular", conta.
Em comemoração aos cem anos do rádio no Brasil, completados em 7 de setembro de 2022, a Agência Brasil publica uma série de reportagens sobre as principais curiosidades históricas do rádio brasileiro. Veja as matérias já publicadas:
Cem anos do rádio no Brasil: o padre brasileiro que inventou o rádio
Cem anos do rádio no Brasil: Recife foi "berço", dizem pesquisadores
Cem anos do rádio no Brasil: das emissoras pioneiras até a Era de Ouro
Cem anos do rádio no Brasil: caráter educativo marca história da mídia
Cem anos do rádio no Brasil: o nascimento do radiojornalismo
Cem anos do rádio no Brasil: conheça a história do Repórter Esso
O centenário do rádio no país também é celebrado com ações multiplataforma em outros veículos da EBC, como a Radioagência Nacional e a Rádio MEC que transmitem, diariamente, interprogramas com entrevistas e pesquisas de acervo para abordar diversos aspectos históricos relacionados ao veículo. A ideia é resgatar personalidades, programas e emissoras marcantes presentes na memória afetiva dos ouvintes.
*Com produção de Simone Magalhães