No primeiro ano de pandemia de Covid-19, as taxas de suicídio no Brasil tiveram alta entre mulheres (7%) e idosos (9%), mas se mantiveram estáveis na população em geral. Houve também uma grande variação de mortes entre as regiões do país. A conclusão é de um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS) e da Unisinos. Ele foi publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, que comparou dados dos suicídios do DataSUS registrados em 2020 (11.334 no total) com a média de dez anos anteriores.
Em relação ao suicídio de mulheres, as regiões Norte e Sudeste apresentaram as maiores altas, com 26% e 23%, respectivamente. Em números absolutos, as mortes masculinas são quase quatro vezes superiores às das mulheres (8.881 contra 2.470, no ano de 2020). Entre pessoas acima de 60 anos, o Norte também respondeu pela maior alta (53%). Já entre os jovens até 19 anos, houve maior crescimento no Centro-Oeste (33%), seguido do Norte (30%) e Sudeste (29%). O Norte também liderou a alta da taxa de suicídios entre os brancos (30%). E a região Sul ficou no topo entre os não-brancos (30%).
Segundo o psicólogo Felipe Ornell, um dos autores do estudo e pesquisador do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do HC de Porto Alegre, é preciso que as campanhas e as políticas de prevenção do suicídio olhem para essas particularidades. "A gente não pode trabalhar o suicídio de forma genérica ou individualizada. Precisamos de políticas específicas para grupos específicos."
Ele levanta algumas hipóteses para explicar o aumento das taxas entre os grupos mais vulneráveis durante a pandemia. As mulheres, por exemplo, além de enfrentarem a sobrecarga do trabalho doméstico aliada ao home office, também tiveram que auxiliar no ensino dos filhos, que, com as escolas fechadas, passaram a estudar em casa. "Foram as mulheres que também sofreram mais violência doméstica. Muitos maridos estavam em tratamento [por algum distúrbio psiquiátrico] e, com os serviços de saúde fechados, descompensaram."
Estudos indicam que uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência nos primeiros 12 meses de pandemia. A auxiliar de serviços gerais Cristina, 54, é uma delas. Ela já tinha sido agredida pelo marido antes da pandemia, mas, durante a crise sanitária, as coisas pioraram porque ele, desempregado, passou a beber diariamente. Atualmente, ela é acompanhada por psicólogo e psiquiatra em um Caps (centro de apoio psicossocial) na zona leste de São Paulo.
No caso da alta da taxa de mortes entre idosos, a suspeita de Ornell é que, por ser um dos grupos mais vulneráveis ao coronavírus, eles tiveram um isolamento social ainda mais restrito. Para o psicólogo, não estão claros os motivos da região Norte ter registrado o maior aumento da taxa de suicídio no geral. "Por que o Norte? Será porque foi o epicentro da crise [sanitária] no Brasil, com pessoas morrendo por falta de oxigênio? O luto? A perda de renda?"
Segundo ele, é preciso muita atenção com esse atual período, em que o pior da crise sanitária parece ter passado, mas as pessoas ainda vivem as consequências dela. "O sofrimento de um transtorno psiquiátrico é imediato, mas o tratamento não é como uma cirurgia, que logo que resolve. São anos de tratamento", afirma o psicólogo, que aponta que pode ocorrer um aumento das taxas de suicídio na população em geral nos próximos anos.
O pesquisador também lembra que o Brasil tem um dos maiores índices de transtornos mentais do mundo e uma das possíveis causas é a insuficiência de serviços e profissionais para atender no sistema público de saúde. "Na questão do suicídio, é preciso prevenção na escola, nas redes de assistência social. É preciso romper essa ideia defasada de que saúde mental só se resolve com medicamento. É preciso identificar sinais de que a pessoa está em risco."
Além disso, explica Ornell, existe uma forte herança cultural da internação de doentes mentais nos manicômios, o que faz com que as pessoas evitem admitir que estão sofrendo problemas mentais, com medo de serem taxadas como loucas. "Por isso, é importante promover a educação em saúde mental, estimulando que as pessoas falem sobre o problema." Também é fundamental democratizar o acesso aos serviços em saúde mental, qualificando as unidades públicas na área. O pesquisador é autor de uma cartilha em que descreve como compreender, identificar e intervir nos sinais do suicídio. O material está disponível no site da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio Grande do Sul.
Onde buscar ajuda?
- Procure a UBS (Unidade Básica de Saúde) ou o Caps (Centro de Atenção Psicossocial) mais próximo da sua residência
- Em caso de emergência, entre em contato com o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ligando para 192
- Converse com um voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) ligando para 188 (chamada gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou de celular de todo o território nacional) ou acesse www.cvv.org.br . (CLÁUDIA COLLUCCI/Folhapress)