Uma antropóloga e palestrante denunciou, nas redes sociais, que não foi contratada para realizar uma palestra por ser negra. O caso ocorreu com a mestre em antropologia social e pesquisadora de relações sociais, Izabel Accioly, que mora em Fortaleza. O relato dela contando sobre a negativa da empresa, usando a cor da pele como argumento, foi compartilhado por ela no Twitter nesta segunda-feira (19) e já rendeu milhares de interações.
Uma empresa me pediu uma proposta de palestra. Eu enviei e o retorno me deixou em choque.
— Izabel Accioly (@afroantropologa) September 19, 2022
Em resumo: "o público da empresa é branco e pesquisas apontam que brancos tendem a escutar mais outros brancos, por isso optamos em contratar um palestrante branco". BIZARRO rs
No post, Accioly afirmou que a organização solicitou a ela uma proposta de palestra que teria como tema a branquitude. Após enviar as informações solicitadas, ela recebeu um retorno que, nas entrelinhas, afirmou que o público da empresa era branco e estudos apontavam que “brancos tendem a escutar mais outros brancos, por isso optamos em contratar um palestrante branco”, publicou Izabel.
Em seguida, a antropóloga divulgou a íntegra do e-mail enviado pela empresa. No texto, a organização citou que a decisão por não contratá-la foi difícil. “Porém, por se tratar de uma palestra em que o público alvo são pessoas brancas, para a gente faz sentido que o/a palestrante também seja, considerando que alguns estudos já trazem essa afirmação que costumamos ouvir com maior atenção o nosso semelhante”, justificou a empresa.
Izabel afirmou que respondeu à organização sugerindo a leitura sobre o pacto narcísico da branquitude, mesmo acreditando que a sugestão não será aceita. “Isso me deixou TÃO mal, eu tô na merda até agora. não foi a primeira vez que deixei de ser contratada por ser uma mulher negra, mas essa me doeu bastante. O sentimento é de impotência. Parece que não importa o quanto eu estude, me qualifique, pesquise, me esforce não há espaço pra gente como eu. Tô bem exausta”, desabafou a mulher.
Na divulgação da íntegra do e-mail, Izabel preservou o nome da empresa e dos colaboradores. Ela foi questionada sobre a escolha e afirmou que quem não entende o motivo de se evitar uma exposição “não sabe de nada sobre racismo institucional e funcionamento do judiciário brasileiro”. “Vocês acham mesmo que lei contra o racismo põe fim ao racismo? Vocês acham mesmo que essas empresas que são processadas por racismo sofrem algo? Busquem saber como é, pesquisem sobre como acontecem esses processos, vejam em quantas situações a justiça foi efetivamente feita”, arrematou Izabel Accioly.
Mesmo com a empresa afirmando que guardaria o contato dela para oportunidades futuras, a palestrante manifestou o desejo de “nunca mais falar com qualquer pessoa dessa empresa”, diz o último post publicado sobre o assunto. O TEMPO tentou contato com a mulher, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Mercado desigual
O episódio vivenciado por Izabel Accioly refletem uma realidade ampla e desigual. Segundo pesquisa do site Vagas.com, pessoas negras ocupam a minoria dos cargos de apoio, média e alta liderança. O levantamento foi feito junto com HR Tech, líder em soluções tecnológicas de recrutamento e seleção.
Segundo o estudo, os pretos representam 3,6% dos cargos de nível pleno ante 5,5% dos brancos e 4,6% dos amarelos. Na posição de diretoria é onde a diferença é mais acentuada: 0,4% desses cargos são ocupados por negros enquanto os brancos aparecem com 1,1%, amarelos com 0,9% e indígenas (0,4%). Os negros só lideram posições operacionais (33,2%) e técnicas (6,3%).
Ao analisar outros níveis hierárquicos, os negros também são minoria em relação às outras raças. Isto ocorre em níveis de apoio à gestão como sênior e supervisão e coordenação. Na posição de gerência, a desigualdade racial também é observada.
“Apesar do avanço dos programas de diversidade e inclusão no ambiente corporativo, os negros ainda continuam marginalizados e com baixa representatividade do meio ao topo da pirâmide hierárquica. Os dados apontam que esse público continua tendo mais espaço em cargos operacionais. Essa discrepância fica ainda mais notória quando analisamos o nível de graduação de todas as raças, comprovando que há uma clara distinção de oportunidades para os negros, especialmente em posições de suporte e gestão”, explica Renan Batistela, integrante do comitê de Diversidade & Inclusão da Vagas.com.
O TEMPO