No Brasil, 92% dos médicos atuam em municípios com 50 mil pessoas ou mais, mas as cidades menores são 90% do território nacional. Na média, são 2,4 profissionais a cada mil habitantes, de acordo com o levantamento mais recente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Universidade de São Paulo (USP), de 2020. Dados que mostram, neste Dia do Médico (18 de outubro), a importância de se investir mais na formação desse profissional.
A taxa é díspare entre regiões no Brasil. Em São Paulo, chega a 4,09. No Maranhão, a 0,71. Em Minas, a 2,6. Para comparação, a Espanha registra 4,0 médicos por mil pessoas. Na comparação com centros urbanos, os números são ainda mais distantes: em Belo Horizonte há 7,09 médicos por mil habitantes.
Henrique Guerra, médico, chefe de departamento de medicina da PUC-Minas e coodenador do curso no campus em Betim, na região metropolitana de BH, pontua que soluções passam pelo fortalecimento da atenção primária e da formação de carreira do profissional de saúde.
“A equipe médica é muito instável, há mudanças a todo momento, médicos saindo, entrando. As condições são relacionadas às próprias instabilidades da profissão. Há poucos concursos, existe uma tendência de contratar o médico como pessoa jurídica, não há segurança de carreira muitas vezes”, pontua.
Supervisor do internato rural da faculdade de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Francisco Rubió cita programas de incentivo como exemplo para incentivar profissionais a trabalharem no interior e, principalmente, a estruturação da carreira no Sistema Único de Saúde (SUS).
"Pode-se pagar um valor a mais medido pela distância do centro em que o profissional se formou, ou promover o direito a particiação de congressos anualmente. O problema começa na atenção básica. Esses profissionais que formam a estratégia da saúde da família são muito importantes, é a atenção mais complexa. Lida-se com problemas dos mais diversos, desde um infarto, a uma diabetes, a doenças raras, saúde mental. Como não existe o plano de carreira, a contratação é precária", explica.
A dificuldade também foi reconhecida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em especial nas Regiões Norte e Nordeste do país, onde, normalmente, há estruturas precárias para o atendimento ao público e desenvolvimento profissional. As condições “desestimulam médicos enfermeiros e técnicos”, segundo a Corte.
“Se fôssemos analisar só na capital (Brasília), o Brasil estaria [em número de médicos] junto com países desenvolvidos como a Dinamarca por exemplo. Há uma má distribuição dos médicos no país. Se fala muito na falta de recursos para a Saúde. Eu tenho a percepção de que os recursos são poucos, mas precisam ser bem gastos. O que precisa é de gestão e governança", afirmou o ministro do Tribunal Marcelo Chaves, em entrevista.
Enquanto a média nacional é de 2,4 médicos por mil habitantes, na Região Norte ela é de 1,16. Para uma população de 17,9 milhões de habitantes, o que corresponde a 8,6% de brasileiros, trabalham nessa região 20.884 médicos, o que dá 4,6% dos médicos brasileiros. O estado nortista com melhor proporção de médicos é o Tocantins, com 1,67 médicos por mil habitantes, já o menor é o Pará, com 0,97.
Em seguida como pior distribuição de médicos está a região Nordeste, com 1,41 médicos por mil habitantes. Moram na região 80.623 médicos (17,8% do total de profissionais), para atender 57,2 milhões de nordestinos (27,6% da população). O estado nordestino com melhor proporção de médicos é Pernambuco (1,73) e o menor é Maranhão (0,87).
A região Sul vem em seguida, com 2,31 médicos por mil habitantes. São 68.430 médicos (15,2%) para uma população de 29,6 milhões (14,3%). Não há muita diferença entre a melhor e a pior distribuição: a melhor distribuição é o Rio Grande do Sul, com 2,56, e o pior é o Paraná, com 2,09.
Puxado pelo Distrito Federal, que tem 4,35 médicos por mil habitantes, o Centro-Oeste é a segunda região com melhor distribuição: 2,36. Nessa região, moram 15,8 milhões de habitantes (7,6% da população), que são atendidos por 37.536 médicos (8,3% desses profissionais). A pior distribuição é em Mato Grosso, que tem 1,63 médicos por mil habitantes.
O Sudeste, que responde por 41,9% da população brasileira, com 86,9 milhões de habitantes, também concentra o número de médicos: são 244.304 profissionais, que representam 54,1% da comunidade médica, o que dá uma proporção de 2,81 médicos por habitantes. O melhor percentual é no Rio de Janeiro, 3,55, e o pior em Minas Gerais, 2,30.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu nessa segunda-feira (17) a audiência pública para debater a exigência de chamamento público para a autorização do funcionamento de novos cursos de medicina. O ministro é relator de uma ação declaratória de constitucionalidade (ADO) e de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema, abertas pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), que defende a exigência do chamamento público, e pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), para quem a medida favorece grandes grupos e fere a autonomia universitária.
O chamamento público é feito pela administração pública para executar atividades ou projetos que tenham interesse público. No caso dos cursos de medicina, a imposição do procedimento para autorizar a abertura está previsto na Lei do Mais Médicos (Lei 12.871/2013). Conforme a lei, a exigência do chamamento permite que o Ministério da Educação, por exemplo, pré-selecione os municípios onde autorizará novos cursos de medicina, bem como que imponha critérios para seu funcionamento.
Gilmar Mendes disse que a audiência deverá fornecer “subsídios técnicos e fáticos” que ajudarão o Supremo a decidir sobre a controvérsia. Ele enumerou os quatro pontos principais que espera serem abordados no evento: como é a oferta de médicos no Brasil, sua evolução e distribuição no território nacional; quais são os recursos essenciais para o funcionamento de cursos de graduação em medicina; qual o impacto das políticas públicas, especialmente do requisito prévio de chamamento publica; qual a dinâmica de mercado de cursos de medicina e barreiras à entrada; e a atuação da AGU no barramento de liminares.
De acordo com dados oficiais, desde que a exigência do chamamento público foi sancionada, em 2013, foram autorizados a funcionar 160 novos cursos de graduação em medicina, com a criação de 16.500 novas vagas. Em 2018, o MEC decidiu suspender por 5 anos os chamamentos. De acordo com o ministro da Educação, Victor Godoy, a medida foi tomada para que se pudesse avaliar o sucesso da nova política pública.
A suspensão se encerra em abril de 2023 e Godoy disse que o MEC criou, em abril, um grupo de trabalho para elaborar os regulamentos de novos chamamentos públicos para os cursos de medicina. Ele disse ver os chamamentos como essenciais para que o governo possa “direcionar os esforços, de maneira mais equânime, não só nas capitais do país, mas no seu interior”.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também defendeu a exigência dos chamamentos públicos para que se possa autorizar a criação de novos cursos de medicina no país. Ele criticou a abertura de graduações na área de forma indiscriminada, e disse que a exigência do procedimento permite também “fechar as escolas que não formam adequadamente os médicos que a sociedade brasileira precisa”.
Ambos os ministros se disseram preocupados com as crescentes ondas de liminares (decisões provisórias) autorizando a criação de novos cursos de medicina, afastando a exigência legal do chamamento público. “Só nos últimos 6 meses, o MEC respondeu a 145 ações judiciais, com 65 decisões para cumprimento”, disse Godoy, acrescentando que “de modo geral, os cursos novos autorizados unicamente por decisão judicial possuem qualidade inferior”.
Uma das principais preocupações de quem é a favor do chamamento público para que se possam criar cursos de medicina é que haja uma estrutura hospitalar que permita a prática médica dos estudantes antes que se formem. “Se não há campo de prática, se não há estrutura pública, nós não podemos ter entrada de novos cursos. Isso é requisito de qualidade, e qualidade é a única coisa que pretendemos obter aqui quando pedimos uma liminar”, disse Elizabeth Guedes, presidente da Anup. (Com agências)