Picanha, vinho, livro, café... Tem promoção de tudo nestas eleições. E o preço? R$ 13 ou R$ 22. Algumas deixam até o consumidor escolher qual dos dois valores quer pagar por um produto. Os preços fazem referência às candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) à Presidência.
Para especialistas, essas promoções ferem o direito do consumidor e, dependendo do caso, podem ser consideradas crime eleitoral.
Nas redes sociais os anúncios ganharam repercussão. No primeiro turno das eleições, um frigorífico de Goiânia fez uma promoção de picanha a R$ 22 o quilo. O mesmo produto custava, em média, R$ 129,99 na região.
Houve tumulto e uma cliente morreu pisoteada. Uma cafeteria de Porto Alegre fez o que chamou de "promoção da democracia", em que o cliente pode escolher quanto queria pagar pelo combo de café e croissant: as opções são R$ 13 ou R$ 22. Uma famosa editora de livros ofereceu listas de publicações a R$ 13 cada.
Nesta quarta-feira (19), uma promoção de vinho virou alvo de um pedido de investigação da Polícia Federal. Uma adega de Goiânia colocou à venda mais de dez rótulos ao preço de R$ 22 a garrafa.
O pedido foi do promotor eleitoral, Haroldo Caetano. De acordo com a denúncia, a promoção iria até o dia 29 de outubro, véspera do segundo turno.
O anúncio foi publicado no Instagram da empresa há seis dias. Depois, o preço foi modificado para R$ 21,90. Para o promotor eleitoral, se confirmado, este caso dos vinhos pode ser enquadrado no artigo 299 do Código Eleitoral, que aponta infração ao "dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita".
Em caso de condenação, a pena prevista para esse tipo de crime é de reclusão por até quatro anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa. Na avaliação do presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, todos esses casos podem ser punidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
Ele explica que o artigo 36 dispõe sobre como a publicidade deverá comunicada ao consumidor. A regra determina que deve ser veiculada de tal forma que o consumidor "fácil e imediatamente a identifique como tal". O especialista explica, ainda, que a publicidade "não pode ser abusiva, enganosa e nem ter nenhuma mensagem subliminar".
Nestes casos, segundo Almeida Júnior, "o comprador está sendo sugestionado a um determinado candidato" por meio dos valores de R$ 13 ou R$ 22. "Isso mostra que há uma mensagem disfarçada", diz o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP.
As penalidades podem ir desde a apreensão do produto, inutilização dos itens e cassação do registro da empresa. "Em caso de persistência na publicidade enganosa, o proprietário pode ter a atividade do local suspensa, além de aplicação de multa variável de acordo com o seu poder econômico", explica Almeida Júnior.
A orientação é para que o consumidor que se sentir lesado denuncie a situação aos órgãos competentes, como Procon, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e Ministério Público. A reparação não é individual, mas coletiva. O Ministério Público pode abrir uma investigação e instaurar ação civil pública.
"Os ofensores podem ser condenados por danos morais coletivos em valores que serão revertidos a um fundo de defesa do consumidor."
Além do dano ao consumidor, Almeida Júnior também acredita que pode haver enquadramento no artigo 299 da lei eleitoral, desde que haja materialização do caso. "Não há dúvida de que o caso do vinho por R$ 22 faz referência à candidatura, o que é vedado pelo código do consumidor, mas eventualmente pode ser enquadrado como crime eleitoral", explica.
A condição para isso é que fique caracterizado que houve vantagem ao consumidor para votar naquele candidato. "Caso contrário ele pode comprar e votar em outro do mesmo jeito."
(Luciana Cavalcante - Folhapress)