Brasil tenta destravar importação de ingredientes da China, usados nas vacinas, e doses prontas da Índia. Países tiveram divergências diplomáticas recentes com o governo Bolsonaro. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, negou nesta quarta-feira (20) que problemas políticos e diplomáticos tenham atrasado as negociações do Brasil com Índia e China, nas últimas semanas, para a importação de ingredientes e de vacinas prontas contra a Covid-19.
"Nós não identificamos nenhum problema de natureza política em relação ao fornecimento desses insumos provenientes da China. [...] Nem nós do Itamaraty, aqui de Brasília, nem a nossa embaixada em Pequim, nem outras áreas do governo identificaram problemas de natureza política, diplomática", afirmou Araújo.
"Não verificamos nenhum percalço neste sentido. Nossa análise, coincidente com o mencionado pelas pessoas que me precederam aqui, é de que realmente há uma demanda muito grande por esses insumos, evidentemente, nesse momento no mundo", prosseguiu.
Brasil fica de fora de lista de países para os quais a Índia vai exportar primeira leva de vacinas
As declarações foram dadas aos membros da comissão externa criada pela Câmara dos Deputados para debater o enfrentamento à pandemia da Covid-19. O colegiado fez uma reunião informal já que, oficialmente, o Congresso Nacional está em recesso até o início de fevereiro.
O Brasil enfrenta dificuldades para liberar uma carga de 2 milhões de doses da vacina de Oxford, produzida pelo governo da Índia em parceria com o instituto indiano Serum.
Ao mesmo tempo, laboratórios brasileiros aguardam que a China libere a exportação de dois tipos de ingrediente farmacêutico ativo (IFA) produzido em solo chinês. O IFA é a "matéria-prima" para que as vacinas sejam processadas e produzidas no Brasil.
O atraso afeta a produção brasileira da vacina de Oxford, prevista em um contrato da Fiocruz com o laboratório Astrazeneca; e a produção da CoronaVac, fruto de parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac.
A indefinição sobre o cronograma de importação desses produtos coloca em risco a continuidade do programa de imunização brasileiro – que pode ser interrompido se as novas doses não ficarem prontas até o início de fevereiro.
Na terça (19), a Fiocruz informou que a entrega da vacina de Oxford contra a Covid-19 vai atrasar, de fevereiro para março, devido à demora na chegada do IFA.
Fontes diplomáticas afirmaram à TV Globo, nos últimos dias, que a postura do governo Jair Bolsonaro no cenário internacional é um dos fatores desse atraso nos trâmites comerciais.
Além de Araújo, também foram convidados para a reunião o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco; o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas; e o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger. Diversos parlamentares participam da reunião.
Crise com a China
Para fabricar as vacinas no Brasil, tanto o Instituto Butantan – responsável pela CoronaVac – quanto a Fiocruz – que produz o imunizante de Oxford – precisam do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) que vem da China.
O país asiático, no entanto, foi alvo de ataques frequentes de membros do governo Jair Bolsonaro, incluindo o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, e o próprio chanceler Ernesto Araújo.
Em outubro, Bolsonaro chegou a cancelar um acordo de compra de doses da CoronaVac pelo Ministério da Saúde e afirmou que não compraria vacinas produzidas na China. Na ocasião, o presidente também aproveitou para rivalizar com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) – o Butantan é vinculado ao governo paulista.
Após afirmar que não compraria a CoronaVac, Bolsonaro diz que a vacina 'é do Brasil, não é de nenhum governador'
As duas vacinas, CoronaVac e de Oxford, são as únicas autorizadas até o momento pela Anvisa para uso emergencial no Brasil. Apenas doses da CoronaVac estão disponíveis atualmente no país – a vacinação começou nesta semana com esses frascos, que ainda são insuficientes para atender à totalidade dos grupos prioritários.
Nesta terça, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez uma reunião com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming. Segundo Maia, o diplomata disse não ver obstáculo político, mas sim técnico, na demora para envio ao Brasil de insumos chineses para a produção de vacinas contra a Covid-19.
Maia: 'Tenho mantido um ótimo diálogo com o embaixador da China no Brasil'
Outras provocações
O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), já usou suas redes sociais para criticar duramente o país, além de culpar a China pela pandemia.
Em novembro do ano passado, ao comentar sobre a tecnologia de internet móvel de quinta geração, o deputado afirmou que o governo brasileiro declarou apoio a uma “aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”. Em seguida, apagou a postagem.
Na ocasião, a embaixada da China reagiu às mensagens do parlamentar. Nota divulgada em novembro do ano passado afirmava que as mensagens de Eduardo Bolsonaro são “infundadas” e “solapam” a relação entre os dois países.
Na época, o Itamaraty não reprovou as declarações de Eduardo Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores enviou uma carta à embaixada da China reclamando do que considerou um conteúdo "ofensivo e desrespeitoso" da resposta dada ao deputado.
Ainda no governo, o hoje ex-ministro da Educação Abraham Weintraub publicou em abril do ano passado uma postagem em rede social com insinuações de que a China poderia se beneficiar, de propósito, da crise mundial causada pelo coronavírus.
Weintraub criou atrito com a China, em abril, ao insinuar que país seria beneficiado com pandemia
No texto, usou o jeito de falar do personagem "Cebolinha" da Turma da Mônica, que troca o "L" pelo "R" para ironizar o sotaque chinês.
Após reação negativa da embaixada chinesa, Weintraub apagou as postagem. Por causa disso, é alvo de um inquérito na Justiça Federal pelo crime de racismo.