A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de criar comissões para tratar de despejos e desocupações coletivas de imóveis abre margem para um prazo maior à realização de reintegrações de posse, apesar da possibilidade de facilitar a conciliação em processos deste tipo. As avaliações são de juristas que não entraram, ainda, em consenso sobre a medida aprovada com sete votos favoráveis, contra dois contrários dos ministros da corte.
Na prática, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso endossada pelos pares define que os Tribunais de Justiça de cada Estado e os Tribunais Regionais Federais devem instalar, de imediato, comissões para tratar de conflitos fundiários. A atuação do grupo vai servir de apoio aos juízes e, inicialmente, devem ser tratadas as reintegrações que estavam suspensas “de maneira gradual e escalonada”, definiu o STF.
O coordenador do curso de Direito do Ibmec em Belo Horizonte, Rodrigo Capanema, explicou que o trabalho das comissões pode já ser realizado antes da judicialização dos casos, durante o processo - ouvindo as partes envolvidas -, e após a decisão judicial no ato de cumprimento da ordem judicial para desocupação. Para ele, no entanto, o ideal seria que a decisão fosse tomada por meio legislativos, como em um projeto de lei.
“É uma decisão que cria uma nova etapa com as comissões e ela exige que haja agendamento, que essa comissão receba as partes, que ela vá até o local, que busque em determinadas situações vislumbrar qual o destino dos ocupantes do imóvel em questão e isso tudo custa muito tempo”, detalhou o docente. Capanema citou que há risco de que a decisão represente mais morosidade aos processos.
A opinião dele é reforçada pela necessidade dos juízes avaliarem, segundo orientado pelo STF, o destino futuro dos ocupantes da área ocupada. “Isso acaba trazendo ao proprietário um custo adicional. Temos que ver como vai ser contabilizado na prática. Mas é um fator que se soma e pode gerar sim um aumento na demora judicial. Traz uma vantagem que estimula mais a conciliação, a mediação, mas aos proprietários a reintegração se torna um pouco mais custosa”, alertou ele sobre os prazos para a retomada da posse.
Rodrigo Capanema, no entanto, sinalizou que não há risco à propriedade privada, direito garantido constitucionalmente. “Isso não existe e nem poderia ser. É garantido em Constituição. A incorporação das comissões é a grande novidade, foi inspirada em comissões que já existiam em alguns tribunais durante a pandemia e agora elas são apresentadas em uma regra geral, vinculando todos os magistrados”, acrescentou o docente.
Para Acácio Miranda da Silva Filho, advogado doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa do Distrito Federal (IDP/ DF), a decisão do STF é válida, principalmente em função do volume intenso de processos de reintegração de posse no Brasil. Na avaliação dele, as comissões vão levar em consideração aspectos práticos, como efeitos da decisão, e os efeitos, para que sejam menos impactantes às partes envolvidas.
“É difícil nós cravarmos se isso vai facilitar ou dificultar. Fato é que há uma nova etapa a ser superada. Assim como funciona nas greves, por exemplo, antes da judicialização ou antes da tomada de decisões mais abruptas, há uma tentativa de diálogo e uma tentativa de equacionamento das questões através das partes com a participação, óbvia, do poder judiciário. Não sendo possível, aí sim são tomadas as medidas judiciais de acordo com o estabelecido na lei”, assinalou o advogado.
Na última segunda-feira (31), o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou nesta que os tribunais que tratam de casos de reintegração de posse instalem comissões para mediar eventuais despejos antes de qualquer decisão judicial e na última quarta-feira a Corte formou maioria favorável à decisão.
Acompanharam Barroso: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Kassio Nunes Marques e André Mendonça, indicados ao STF por Jair Messias Bolsonaro (PL), deram os únicos votos contrários.
Segundo a liminar de Barroso, essas comissões devem atuar antes de qualquer decisão judicial. A ordem do ministro foi tomada na ação na qual ele havia prorrogado a suspensão de despejos e desocupações devido à pandemia até o dia 31 de outubro deste ano, após o fim do período eleitoral. O ministro havia decidido inicialmente, em junho de 2021, suspender ordens de remoção e despejo por seis meses, mas ampliou em outras três decisões esse período.
Ao analisar o mais recente pedido de prorrogação da medida, Barroso negou o adiamento, mas criou um "regime de transição" para ser adotado após quase um ano e meio de proibição das desocupações. Ele já vinha afirmando que havia a necessidade de um meio de transição nas decisões anteriores. "A retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo", disse o ministro, na decisão desta segunda.
As comissões também deverão realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer decisão de desocupação, com participação do Ministério Público e da Defensoria Pública. Outras medidas administrativas que resultem em remissões também devem ser avisadas previamente, determina Barroso, e as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com "prazo razoável" para a desocupação e proibição de separar integrantes de uma mesma família.