O histórico distrito de Cachoeira do Brumado, em Mariana, na Região Central de Minas, festejou ontem a reabertura da Matriz Nossa Senhora da Conceição, que ficou 10 anos em obras e fechada, nos dois últimos, para restauro dos elementos artísticos. O administrador paroquial, padre José Geraldo Coura, conhecido por padre Juca, entusiasmava-se com a agenda de atividades realizadas ontem, envolvendo repicar de sinos e procissão saindo da Capela Nossa das Graças. Na chegada à matriz da imagem de Nossa Senhora da Conceição, houve abertura solene da porta principal, acolhida pela sociedade musical Oito de Dezembro, bênção da igreja e missa presidida pelo arcebispo metropolitano de Mariana, dom Airton José dos Santos. Lembrando que a comunidade é sempre a melhor guardiã de seu patrimônio, padre Juca, há oito anos na paróquia, portanto à frente da maior parte das intervenções, pede a colaboração de todos para continuar o trabalho. “Nossa próxima etapa é o cuidado com nosso grande tesouro, que é a matriz. A comunidade vem ajudando demais, com doações, barraquinhas e leilões, a levarmos adiante a restauração, mas temos ainda serviços fundamentais para a segurança”, diz o administrador paroquial. Com população em torno de 3 mil pessoas e localizado há 27 quilômetros do Centro de Mariana (primeira vila, cidade, capital e diocese de Minas), Cachoeira do Brumado esperou durante 10 anos pelo término do restauro da matriz do século 18. A primeira fase, contemplando a parte estrutural, especialmente o telhado, ocorreu em 2012, começando a segunda três anos depois, para restauro dos elementos artísticos e do arco cruzeiro. Em 2010, veio a terceira fase, incluindo o forro, balaústres e cimalha, e um complemento no coro. Os problemas na igreja, decorrentes da ação dos cupins e das infiltrações provocadas pelas águas da chuva, demandaram obras em uma década ao custo de R$ 1,5 milhão – recursos do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural “deliberado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana, com recursos do ICMS Cultural e da participação popular”. Igualmente satisfeito está o especialista Rafael César da Cruz, da Práxis RestaurArte, que trabalha com sua equipe desde 2015, no início das intervenções nos elementos artísticos, e dá mais detalhes. “Começamos com o trabalho em três retábulos, fruto de um convênio da prefeitura com a Arquidiocese de Mariana. Todos estavam muito danificados, com ataque de cupins, partes apodrecidas e repinturas. O restauro recuperou a pintura original escondida. Depois, pelo mesmo convênio, houve o restauro de dois púlpitos e do arco-cruzeiro, e, na sequência, das arcadas, tribunas e forro da nave com a representação de Nossa Senhora da Conceição”.
SURPRESAS O patrimônio cultural de Minas não para de surpreender – e sempre brilha em arte, beleza e história para encantar moradores e visitantes. Em 2019, conforme documentou o Estado de Minas, a equipe de restauração descobriu, sob camadas de tinta, uma pintura datada do século 18.Nos estilos barroco e rococó, da mesma época de término da construção do templo, conforme pesquisa, a pintura está localizada na parte superior do retábulo de São Miguel, no altar lateral direito (de quem entra no templo) e se encontrava debaixo de duas camadas de repintura: do fim do século e de 1945. A pintura foi descoberta pelas restauradoras Sandra Godoy e Adenice Souza. Na época, Sandra contou ao EM que o trabalho estava em procedimento de desmonte e restauro do arco-cruzeiro, raspagem e recuperação dos primeiros revestimentos feitos nos púlpitos e retábulos laterais, quando houve o achado, inesperado, dos primeiros vestígios do desenho. “Ao iniciarmos o procedimento do lado esquerdo, descobrimos que, antes da repintura, havia sido feita toda a remoção de uma pintura original, e já esperávamos que acontecesse o mesmo do outro lado. Quando passamos para o lado direito, no início da remoção, já fomos notando resquícios da original, que provavelmente era a mesma que havia no lado esquerdo. À medida em que íamos removendo, ela ia aparecendo.”Adenice também falou sobre a pintura. “Não há prazer maior do que o da descoberta. Buscamos, sempre, encontrar e recuperar algo, mas, quando não é possível, tudo bem. E a emoção da revelação de uma policromia concreta é muito gratificante, ainda mais que estávamos em procedimento final. Era a última etapa, então não esperávamos mesmo encontrar algo ali.”
O especialista Rafael Cruz deu detalhes sobre a pintura: “Trata-se de uma obra de 1750, período marcado pela transição do barroco para o rococó. Ela é composta por desenhos de romãs, símbolo da imaginária sacra daquela época, rocalhas, folhas de acanto e uma voluta envolta por elementos florais. Sua policromia foi afetada pelo tempo e a estrutura conta com galerias de cupins. A partir de agora, passará por um processo de recuperação e preservação de seus elementos artísticos”. (GV)