Governo pediu urgência para novas regras de transporte marítimo; com isso, pauta só avança quando projeto for votado. Base aliada tenta acordo para evitar que análise seja adiada. Líderes partidários ouvidos pelo G1 consideram "incerta" a votação na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (2), do projeto de lei que estimula a cabotagem – navegação comercial ao longo da costa brasileira –, também conhecido como "BR do Mar".
O projeto foi enviado pelo governo federal à Câmara em agosto com urgência constitucional. O mecanismo serve para dar prioridade aos textos de interesse do Executivo, mas tem um efeito colateral: passados 45 dias de tramitação, se não for votado, o texto trava a maior parte das votações em plenário.
Esse freio na pauta da Câmara, vigente há quase dois meses, pode impedir o avanço de temas importantes, como a regulamentação do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). A urgência constitucional só pode ser "cancelada" a pedido do próprio governo.
Líderes da base aliada devem se reunir pela internet na manhã desta quarta em busca de um acordo antes da sessão, convocada para as 11h.
Proposto pelo governo federal, o programa BR do Mar tem como objetivo trazer mais competitividade ao setor e incentivar a migração do transporte rodoviário para o marítimo. Apesar da falta de consenso, alguns líderes governistas dizem estar otimistas.
"Apesar de a BR do Mar ser extremamente importante para o país, ela não é a mais importante e, muito menos, é mais urgente do que o Fundeb", diz o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), relator do projeto que define as regras de divisão da verba do fundo. "Se a gente aprovar a BR do Mar em março do ano que vem, ela continua sendo muito importante. O Fundeb tem que ser aprovado neste ano", acrescenta.
O que pode tramitar
Pelo entendimento atual fixado no Supremo Tribunal Federal (STF), a urgência constitucional não tranca por completo a pauta de votações do Congresso. Medidas provisórias, propostas de Emendas à Constituição (PECs) e decretos legislativos, por exemplo, ainda podem tramitar.
Globo Mar: programa fala sobre a navegação de cabotagem
Para a sessão desta quarta, além do projeto de regras para cabotagem, estão na pauta:
a Medida Provisória 994, que liberou crédito extraordinário de quase R$ 2 bilhões para viabilizar a produção de vacinas contra a Covid-19; e
a Medida Provisória 996, que criou o programa habitacional Casa Verde e Amarela como uma nova versão do Minha Casa, Minha Vida.
A MP 994 ainda não foi lida em plenário e perde validade na quinta-feira (3). Como o dinheiro já foi liberado, mesmo se não for votada na Câmara e no Senado, a MP já "cumpriu seu papel" e o fim do prazo não terá efeito prático. A MP 996 só perde validade em fevereiro de 2021.
Fim do ano
A preocupação dos parlamentares é com a proximidade do fim do ano, uma vez que o recesso parlamentar começa oficialmente a partir de 23 de dezembro. A previsão, no entanto, é que o Congresso Nacional tenha só mais duas semanas de trabalhos legislativos.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem feito críticas às prioridades do governo no Congresso. Há duas semanas, por exemplo, ele chegou a dizer que considerava projetos como o da cabotagem uma “cortina de fumaça”. Para ele, o foco do Palácio do Planalto deveria ser apoiar propostas de ajuste fiscal para tentar resolver a crise econômica atual.
“Projetos bonitos, mas não vão resolver o nosso curto prazo. Com todo o respeito, o projeto de cabotagem não vai resolver o problema do Brasil nos próximos 6 meses”, disse na ocasião.
Controvérsias
Segundo o líder do Solidariedade, Zé Silva (MG), há incerteza em relação à votação da cabotagem nesta quarta porque existe uma resistência de alguns setores, como os caminhoneiros, em relação ao texto apresentado. A categoria teme que o estímulo ao transporte de cabotagem tire mercado do transporte rodoviário.
“Parece que está aumentando a resistência ao tema na forma que está sendo apresentado. A resistência maior é dos caminhoneiros”, disse.
Também há controvérsia entre os parlamentares do Norte e do Nordeste, que se sentem prejudicados com a redução de um benefício para essas regiões.
Um dos vice-líderes do governo na Câmara, o deputado Giovani Cherini (PL-RS) espera ver esse impasse contornado com alguns ajustes no projeto, o que, na avaliação dele, viabilizarão a aprovação da matéria nesta quarta. "Temos algumas emendas [sugestões de alteração no texto] na cabotagem", afirmou.
O deputado Evair de Melo (PP-ES), outro vice-líder do governo, admitiu que há “resistências localizadas e pontuais”, mas viu "avanços importantes" no mérito do projeto. "Temos focos de resistências localizadas e pontuais", disse, sem entrar em detalhes. "Vamos para o voto".
Outro obstáculo que o governo precisará vencer para conseguir votar nesta quarta é a obstrução feita pelos partidos de oposição. A obstrução é um recurso regimental que permite a apresentação de vários requerimentos com o objetivo de atrasar a votação.
A esquerda pressiona pela votação da medida provisória que prorrogou o pagamento do auxílio emergencial no valor de R$ 300. O objetivo é tentar, durante eventual análise, elevar esse valor para R$ 600, o que não é de interesse do governo.
Líder do PT, o deputado Enio Verri (PR) avalia como improvável a votação do projeto de cabotagem nesta quarta-feira. “Não creio [que seja votado]. Vamos obstruir”, afirmou.
A opinião é a mesma do líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), que acha “difícil” a proposta ser votada nesta semana.
Categoria
A proposta é ainda alvo de críticas de atores dentro do próprio setor de navegação. Para o presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), Cleber Lucas, o projeto, embora pretenda melhorar o mercado de navegação, não trará os resultados esperados se o texto não for aperfeiçoado no Congresso.
“Ninguém vai usar o programa BR do Mar como ele está colocado por imperfeições na hora de escrever o projeto. Ele mexe nos fundamentos necessários, mas a forma como mexe não consegue gerar os resultados pretendidos”, afirmou. “Se permanecer como está será um fiasco”, disse.
Um dos pontos levantados por ele é a exigência de que dois terços da tripulação sejam brasileiros. Segundo ele, isso acaba por minar a possibilidade de redução de custos da operação, tornando “impraticável” o afretamento (contratação de navios).
Segundo Lucas, seria melhor não estabelecer a regra para a tripulação, exigindo apenas que o chefe de máquinas fosse brasileiro, o que tornaria efetivo o domínio nacional sobre a embarcação.
O que diz o projeto de cabotagem
O BR do Mar é um regime especial, com benefícios e obrigações para a empresa que aderir.
As metas do Ministério da Infraestrutura com a proposta são:
ampliar em 40% a oferta de embarcações para cabotagem;
aumentar em 65% o volume de contêineres transportados por ano até 2022;
gerar um potencial de crescimento da cabotagem estimado em 30% ao ano.
Uma das principais mudanças é a flexibilização das regras para a contratação de navios estrangeiros, desde que atendidas as condições definidas no programa.