Descendo dois lances de escada estreita, o pároco e reitor da Basílica de Lourdes, padre Ozanilton Batista de Abreu, entra no ambiente que relembra, guardadas as devidas proporções, salas de mosteiros medievais, especialmente pelos tijolos aparentes no teto e iluminação valorizando a arquitetura. “Estamos no porão da basílica”, explica o religioso, dirigindo-se, em primeiro lugar, ao presépio montado permanentemente.
Na sequência, padre Ozanilton mostra em dois quadros os projetos originais da basílica, que vem se preparando para festejar em 19 de março de 2023 o centenário de criação da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes. Sete anos antes, o primeiro bispo de BH, dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), abençoou a pedra fundamental da igreja preferida das noivas para a cerimônia de casamento.
Na última sala do memorial, o visitante poderá admirar ostensórios ou custódias, peça usada nas missas para exposição solene da hóstia consagrada. “Vejam esta! Tem a forma da nossa basílica”, destaca o padre ao erguer o objeto sacro, centenário, com a forma neogótica do templo. Para quem quiser visitar, o memorial fica aberto de segunda a sexta-feira, no horário comercial.
COLUMBÁRIO
Para as comemorações do centenário da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, o memorial será transferido para um espaço mais amplo da basílica, dando lugar ao columbário. Palavra ainda pouco familiar à maioria das pessoas, columbário é o local onde são guardadas as cinzas de pessoas cremadas após o falecimento. A cremação é permitida pela Igreja Católica desde 1963.
Em Belo Horizonte, existe apenas o columbário da Basílica de Lourdes, conta o padre Ozanilton abrindo a porta do cômodo onde, em potes e caixas, com nomes e retratos, encontram-se os restos mortais. “O papa Francisco pediu que as pessoas não lançassem as cinzas na terra, no ar ou no mar, ou mesmo ficassem com elas em casa”, explica.
Em 2016, o Vaticano divulgou regras para a cremação dos defuntos católicos. Entre elas, a orientação de que as cinzas devem ser mantidas em lugar sacro, e jamais guardadas no ambiente doméstico, para que não se tornem “lembranças comemorativas”.
HISTÓRIA
Uma viagem no tempo serve para contar a história da igreja Nossa Senhora de Lourdes, declarada basílica pelo papa Pio XII, em 16 de maio de1958. Mas as origens estão no final do século 19 – no terreno onde hoje está o templo neogótico, havia uma capelinha na qual se venerava Nossa Senhora de Lourdes. Para alegria dos católicos, em 24 de junho de 1900 chegava de Paris uma imagem da santa – a mesma que está na gruta construída com pedras de minério e que recria um ambiente no qual, em 1858, por 18 vezes, a Virgem Maria teria aparecido para a jovem Bernadete Soubirous, na França.
De acordo com o livro “Basílica de Lourdes” (editado pela paróquia), em 12 de julho de 1911 o arcebispo de Mariana, dom Silvério Gomes Pimenta, concedeu aos missionários claretianos o uso perpétuo da capela. Até então, a capital mineira estava vinculada à Diocese de Mariana. No mês seguinte, chegavam à cidade os primeiros missionários, entre eles o padre Sebastião Pujol, que seria nomeado, em 1923, o primeiro vigário da paróquia. Com o firme propósito de construir uma igreja, o grupo trabalhou duro até que a pedra fundamental fosse abençoada em 3 de maio de 1916.
Vale adiantar que, na noite de Natal, a Basílica Nossa Senhora de Lourdes vai comemorar 100 anos da primeira missa ali celebrada.
Depoimento do repórter
BH redescoberta
"Cresci ouvindo histórias sobre o túnel de Capitão Eduardo e o 'trecho' de serviços. Meu pai, Helton, veio do Rio de Janeiro, no início da década de 1940, exatamente para trabalhar nessa obra, pois era topógrafo, desenhista de projetos e funcionário do extinto Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF), do Ministério dos Transportes. Lá em casa, tinha até um quadro com todos os pontos do ramal ferroviário de BH a Peçanha. Confesso que só havia passado nesse túnel uma vez, e, surpreso, retornei ao Bairro Capitão Eduardo no início da semana. Impressionante como a gente ainda conhece pouco da cidade onde vive. Muitos não sabem, mas nossa capital tem prédios, da década de 1940, com abrigos antiaéreos. E quem imagina um presépio subterrâneo na Basílica Nossa Senhora de Lourdes, dentro de um memorial? Novidade também é um columbário, o único da cidade. Neste aniversário de Belo Horizonte, descobrir pode ser um verbo importante, assim como redescobrir". (GW)
Memória
“Coração em estado líquido”
Quem vê cara não vê coração. O ditado cai como uma luva quando se está diante das nascentes do Ribeirão Arrudas, na Serra do Curral, e depois se acompanha sua transformação na área urbana até o encontro com o Rio das Velhas, no Bairro General Carneiro, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O “coração em estado líquido” brota da terra no Bairro Petrópolis, em área da Serra do Curral, na Região do Barreiro. Incrustadas numa Área de Preservação Permanente (APP), as nascentes ganham uma expressão ainda maior neste 12 de dezembro de 2022, aniversário da capital mineira. “Elas significam uma memória da natureza hídrica que foi fundamental para o surgimento de Belo Horizonte”, diz o coordenador do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcus Polignano. Impossível falar das nascentes do Ribeirão Arrudas sem mencionar dona Ivana Eva Novais de Sousa, falecida há cinco anos, e reverencias sua memória. Nos sucessivos encontros com a equipe do Estado de Minas, a então diretora da Creche Frei Toninho e integrante do Comitê da Bacia do Rio das Velhas mostrava o mesmo amor à criançada e ao berçário do afluente do Velhas e do Rio São Francisco. Sempre preocupada com o meio ambiente, ela ficava atenta a qualquer agressão às nascentes, das quais sempre colhia um pouco de água para atestar a pureza. “Não podemos permitir que o Arrudas, que já sofre tanta poluição por onde passa, seja enterrado vivo no seu nascedouro”, disse numa entrevista em 22 de março de 2002, no Dia Mundial da Água. Sábias palavras que, duas décadas depois, mantêm a força e servem como exemplo para todas as bacias hidrográficas.