Seis em cada dez artigos científicos publicados por instituições de pesquisa brasileiras têm participação de pesquisadores de universidades federais, as mesmas que têm vivido uma crise financeira em decorrência da falta de verbas. Isso significa que a dificuldade dessas instituições em arcar com custos da sua manutenção básica, como restaurantes universitários, contratos de transporte, segurança e limpeza, afeta as pesquisas científicas conduzidas no país.
Para se ter uma ideia, em 2002, 4 em cada 10 estudos publicados no Brasil tinham participação das federais, como Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) ou Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O país conta, hoje, com 68 universidades federais, um terço do total (as demais são estaduais, privadas e municipais). Vinte e cinco federais surgiram de 2002 para cá.
O ritmo de produção acadêmica dessas instituições em todas as áreas do conhecimento, como saúde pública, astronomia ou ambiente, têm aumentado mais do que a média nacional. Então, elas ganharam força no ecossistema da educação superior e da ciência brasileira. Os dados foram tabulados pela Folha de S.Paulo na base internacional de periódicos científicos Web of Science, que reúne mais de 12 mil publicações acadêmicas de todo o mundo. É a mesma utilizada na coleta de dados do RUF - Ranking Universitário Folha. A extração foi feita na última sexta (9).
A situação financeira das universidades federais virou assunto depois do anúncio de um bloqueio de verbas do Orçamento Geral da União deste ano destinadas ao MEC, guarda-chuva institucional dessas instituições. O governo federal acabou desistindo do bloqueio de verbas, mas voltou atrás em seguida. Depois, desistiu de voltar atrás. Na quinta (8), o ministro da Educação, Victor Godoy, divulgou que a pasta conseguiu a liberação de R$ 460 milhões para o pagamento de despesas da educação, dos quais R$ 300 milhões foram repassados a entidades do MEC como as universidades. O bloqueio poderia inviabilizar e paralisar pesquisas importantes.
Cientistas de universidades federais participaram de mais de 60 mil artigos científicos publicados no ano passado. Em média, foram 167 novos resultados de pesquisa por dia, devidamente revisados e aprovados pela academia. Isso inclui pesquisas importantes em áreas como Covid. Há dois anos, por exemplo, cientistas das federais do Rio Grande do Norte, de Santa Maria, do Rio Grande do Sul e de São Paulo (Unifesp) assinaram, com colegas, uma pesquisa no periódico The Lancet fundamental para o entendimento da eficácia e da segurança da vacina Pfizer na população brasileira.
À época, todas as vacinas contra Covid-19, que estão hoje disponíveis no país, ainda estavam sendo testadas. Esse tipo de pesquisa conduzida no Brasil foi importante para o encaminhamento das primeiras aprovações dos imunizantes. Antes das vacinas, saiu também de uma universidade federal, a Ufpel (Pelotas), um trabalho científico que mostrou que o número de infectados por Covid seria sete vezes maior do que os números oficiais.
Os dados compilados no levantamento Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, foram publicados também no periódico The Lancet. O coordenador da iniciativa é o epidemiologista Pedro Hallal. Nos dois primeiros anos da pandemia, cientistas das universidades federais participaram de mais da metade (56,6%) das pesquisas brasileiras relacionadas à pandemia.
Há, também, trabalhos de impacto em áreas além da Covid. É o caso de um artigo científico internacional com a participação da UFMG e da UFCG (Campina Grande) publicado, em 2020, no periódico Nature Methods. O trabalho traz uma visão geral dos recursos da SciPy 1.0, biblioteca de computação científica para a linguagem de programação Python usada por cientistas. De acordo com dados da base Web of Science, o trabalho já foi mencionado mais de 7.800 vezes em estudos publicados depois dele. Na ciência, a quantidade de citações a um estudo em publicações científicas posteriores revela seu impacto acadêmico.
As instituições mais produtivas, as federais do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, estão, também, entre as maiores e mais antigas do país. Elas participaram de cerca de 15 mil artigos científicos no ano passado. Universidades federais jovens, com menos de 20 anos, no entanto, também têm produção científica significativa. É o caso da UFABC (Universidade Federal do ABC): criada em 2005, ela participou de 1.300 artigos científicos no ano passado.
O contingenciamento de recursos no MEC havia afetado também o pagamento de mais de 200 mil bolsas de pós-graduação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), agência federal ligada ao MEC que fomenta a pesquisa no país. A situação foi regularizada na última sexta (9). Bolsas de pesquisa são uma espécie de salário pago a cientistas em formação para que se dediquem com exclusividade ao seu trabalho de pesquisa. De acordo com dados também tabulados pela Folha de S.Paulo, mais da metade das bolsas da Capes na pós-graduação são de estudantes justamente de universidades federais. (ESTÊVÃO GAMBA E SABINE RIGHETTI/Folhapress)