Geral Educação

Idealizadora do Enem questiona falta de ação para atender os 3 milhões de alunos que faltaram à prova de 2020

Por Redação

25/01/2021 às 07:46:01 - Atualizado há
'É estarrecedor se concentrar apenas em quem foi', diz Maria Inês Fini. Atual edição, realizada em meio à piora dos números da pandemia de Covid, teve recorde de abstenção. Estudantes fazem o segundo dia de provas do Enem

A realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 em plena pandemia foi "estarrecedora", ocorreu na pior fase de alta de casos no país e agravou ainda mais a exclusão de estudantes, de acordo com a análise de três ex-presidentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ouvidos pelo G1.

O Enem 2020 teve recorde de abstenção: mais da metade (55,3%) dos candidatos confirmados não apareceram. O avanço da pandemia levou à suspensão das provas no Amazonas e em duas cidades de Rondônia (Rolim de Moura e Espigão D'Oeste).

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O presidente atual do Inep, Alexandre Lopes, afirmou que esta edição foi "vitoriosa". "O Brasil, com todas as suas dificuldades logísticas e todas as suas desigualdades, você assegurar no meio da pandemia que 5 milhões pudessem fazer a prova e que 2,5 milhões façam a prova, eu acho isso uma vitória", afirmou.

Dos 5,5 milhões esperados para esta edição do Enem (já excluindo os locais sem prova), 2,4 milhões compareceram aos dois dias de aplicação. Mais de 3 milhões faltaram.

O exame é considerado o maior vestibular do país. A nota no Enem permite disputar vagas em universidades públicas por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Quanto maior o desempenho, maiores as chances de ser aprovado.

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Cristina Boeckel/G1

'Estarrecedor'

"É lamentável que tenha se mantido calendários. A abstenção foi a maior. Quase 3,1 milhões de pessoas faltaram ao exame", analisa a idealizadora do Enem e presidente do Inep entre 2016 e 2018, Maria Inês Fini.

"É estarrecedor se concentrar apenas em quem foi, fez exame, e vai disputar vaga no ensino superior. E esses 3 milhões que ficaram de fora? Qual ação para eles?", questiona.

O perfil dos 3.052.633 candidatos que não foram ao exame ainda não foi divulgado pelo Inep. Não se sabe se eram alunos do terceiro ano do ensino médio que não tiveram acesso às aulas remotas na pandemia, ou estudantes do primeiro e segundo ano que fazem a prova para treinar, os chamados "treineiros", ou ainda quem teve medo da aglomeração em meio à alta de casos de Covid.

"Se pensar na vulnerabilidade dos que mais precisam (escola pública, noturno, quem trabalha para viver) tinha que ter algum tipo de ação para repor essa escolaridade. Muitos não tinham acesso às plataformas digitais, outros as secretarias de educação não conseguiriam mandar trabalhos para casa. Há todo um contexto, essas coisas acontecem em contexto e ele não foi considerado", analisa.

Ela ressalta que a crise de aprendizagem é histórica e já existia anteriormente. "Mas a pandemia escancarou essa experiência", avalia.

Para Fini, o Enem, que foi idealizado para ser uma prova para todos os estudantes, acabou se tornando algo para poucos em 2020. "Isso que era feito como projeto de inclusão de todos, acabou sendo um processo de exclusão", afirma.

E para a edição de 2021, as perspectivas não são melhores: a prova precisará ser planejada novamente em ambiente de pandemia, frente a um ano letivo em que não há clareza sobre quando serão retomadas as aulas presenciais.

O ensino híbrido deve prevalecer, mas as desigualdades ainda estarão presentes. Em meio a este cenário, o governo pretende implementar o Enem seriado, com provas anuais ao fim de cada ano do ensino médio, em que a nota final é uma média dos três anos.

"O problema não é implantar uma nova modalidade de avaliação, desde que faça com transparência e em cima de tudo que sociedade já construiu. Nós temos a Base Nacional [Comum Curricular] e a reforma do ensino médio. Mas qual é o currículo que as escolas estão conseguindo praticar em 2021?" questiona.

Exclusão

Para Francisco Soares, ex-presidente do Inep entre 2014 e 2016, a realização do Enem foi "um jogo de perde-perde". Para ele, realizar o Enem na pandemia expõe candidatos ao risco de Covid e, não realizá-lo, pode impactar na vida de milhares de estudantes.

"A decisão sobre a realização do Enem foi um jogo do tipo perde-perde. Qualquer decisão de realizar ou não gera perdas. De um lado, há o risco, que não é nulo, de transmissão. De outro há o impacto na vida dos estudantes que estão se preparando há meses para uma data anunciada", analisa.

"O primeiro dia do Enem foi realizado. E aí tomamos conhecimento da enorme exclusão que a pandemia criou. Mais de um milhão de estudantes, além do esperado, não foram fazer os testes. Ou seja, o país inventou uma nova desigualdade. Quem estava cursando o terceiro ano do ensino médio em escolas públicas foi particularmente afetado", afirma .

Soares diz ser necessário saber o perfil dos candidatos que não compareceram às provas para mitigar os impactos da desigualdade.

"Esta desigualdade precisa ser tratada. Agora a questão é como atender esses estudantes. O primeiro passo é saber quem são os desistentes", aposta.

"A sociedade brasileira precisa definir meios para mitigar o desastre que caiu sobre estes estudantes. É preciso encontrar os meios de se fazer isso. Ouvir e considerar as diferentes propostas que começam a circular: acolhimento nas escolas em um quarto ano do ensino médio, apoio estatal aos cursos comunitários, plataformas, um novo Enem no meio do ano", sugere.

Apesar dos problemas, Soares afirma que um adiamento do Enem poderia trazer ainda mais problemas.

"Adiar o Enem pode ser visto não como uma solução, mas como uma forma sofisticada de exclusão. A mensagem seria: Fizemos o que era possível. Vocês não foram admitidos por problemas pessoais. Eu acho que o que ocorre não é um problema dos estudantes, apenas. Mas de toda a sociedade", analisa.

Pior fase da pandemia

"Já era esperado o aumento, não sabia-se quanto, mas muita gente acabou não fazendo a prova, se sentindo inseguro. Quem estava em dúvida acabou não fazendo", afirma Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Inep que deixou o instituto em 2009.

Fernandes afirma que já era sabido que a prova ocorreria em plena pandemia, mas o alto número de casos nesta época do ano não podia ser antecipado pelo Inep.

"Achava claramente previsível que, quando fosse fazer a prova, o vírus ainda estaria ativo. O que eu acho mais difícil de prever lá atrás é que estaríamos em momento de recrudescimento da pandemia", afirma.

"Quando foi adiada a prova foi na expectativa de você pegar um momento em que a pandemia estivesse mais branda. Mas aconteceu o contrário. Do ponto de vista de transmissão, era melhor fazer em novembro. Claro que depois é fácil fazer esta análise, mas o fato é que estamos em pior momento agora, se comparado a maio do ano passado, junho. Pegou momento bastante ruim", analisa.

Para Fernandes, a decisão de manter ou adiar o Enem leva em conta muitos fatores variáveis. "Existia alguma janela para adiar? Se ela fosse bastante razoável, teria que tomar a decisão de ter adiado. Mas aí precisa ver o que as universidades vão fazer, como elas reagiriam, tem um conjunto de variáveis para analisar", afirma.

Ele ressalta que fazer a prova na pandemia envolve riscos e que é necessário minimizar os danos.

"Não tem como colocar 6 milhões para fazer a prova sem o mínimo de risco de aglomeração. Você tem que aumentar número de salas, fazer a prova usando máscara, e tentar jogar para momento em que está mais controlada a pandemia, o que acabou não dando certo. Olhando ex-post é fácil analisar, mas pegou um momento bastante duro, bastante difícil", analisa.

"A questão é que é muito difícil prever o comportamento da pandemia. Quando a taxa de transmissão do vírus começou a baixar, as pessoas se sentiram mais seguras e foram retomando suas atividades, incluindo as baladas. A consequência foi que a transmissão voltou a aumentar. Isso, associado as festas de fim de ano produziu a quadro que estamos vivendo", relata.

Infográfico mostra o histórico de abstenção do Enem; na edição de 2020, índice foi recorde.

Elida Oliveira/G1

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