O Brasil vai destinar, em 2023, R$1,2 bilhão para prevenção e recuperação de desastres ambientais. O orçamento é o menor dos últimos 14 anos, segundo levantamento da Associação Contas Abertas, instituição não governamental, formada por pessoas físicas e jurídicas com interesse em controle do orçamento público e social.
Esses recursos são utilizados para garantir assistência aos municípios afetados por desastres naturais, como o ocorrido em São Paulo, que deixou cerca de 50 mortos, na última semana. Além de ações de socorro dos desastres que já ocorreram, o dinheiro também deve contemplar obras de prevenção, como contenção de encostas, drenagem, estudos de áreas de risco, entre outros, que visam prevenir desastres naturais pelo país.
O estudo envolveu todos os programas e ações relacionados à prevenção de desastres e recuperação das áreas atingidas, de 2010 a 2023. A série histórica, inicia com R$ 3,4 bilhões, destinados ao setor. Em 2013, houve um pico com o repasse de R$ 6,5 bilhões. Depois disso, os investimentos na gestão de riscos despencaram. O valor desembolsado no ano passado, R$1,3 bilhão, já tinha sido o segundo menor dos últimos 13 anos.
Na contramão dos investimentos estão os prejuízos. Só em 2022, os desastres naturais causaram R$ 72,3 bilhões de perdas, nos setores públicos e privados, em todo o Brasil, segundo dados Confederação Nacional de Municípios (CNM). No mesmo período, o país registrou 457 mortos pela chuva, representando um aumento de 57% em relação a 2021, quando 290 pessoas morreram vítimas de enchentes ou deslizamentos de encostas.
Segundo o fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, além da redução no montante ano após ano, nem mesmo o valor previsto foi efetivamente repassado aos municípios atingidos. “Nosso levantamento demonstrou que, ao longo de 13 anos, R$ 64 bilhões estiveram previstos em orçamento. No entanto, só cerca de 63,7% foram efetivamente desembolsados”, afirma o gestor da associação.
Para o pesquisador, além dos recursos escassos, há também falta de ações coordenadas entre União, estados e municípios para que o problema seja melhorado. “Muitas vezes, acaba o exercício e a União tem recursos sobrando no seu orçamento porque não chega um projeto a Brasília. Mas será que municípios pequenos possuem em seus quadros técnicos engenheiros, ou seja, pessoas capazes de fazer um projeto bem feito sobre uma contenção de encostas ou sobre uma drenagem de rios? Certamente não. E nem tem recursos para contratar uma empresa especializada” pontua Castello Branco.
Em um cenário de mudanças climáticas, especialistas alertam que chuvas torrenciais com consequentes deslizamentos de terra e inundações vão ocorrer com frequência cada vez maior no Brasil e no mundo. “Não temos como evitar fenômenos da natureza, podemos verificar a possibilidade de ocorrência e alertar as autoridades para o que possa vir a acontecer”, diz a meteorologista Anete Fernandes, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
“Infelizmente não tem lugar que está seguro porque não é somente o volume de chuva, é quem está embaixo da precipitação. Se você tem uma área urbana impermeabilizada, onde a água não escorre no solo ou se cai a chuva sobre áreas vulneráveis, perto de rios e encostas, aí ninguém está seguro”, acrescenta o climatologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e membro da Academia Mundial de Ciências.
E se não tem como evitar os fenômenos, a única saída, segundo Marengo, é proteger a população. “Precisamos criar uma cultura de desastre. Nos Estados Unidos, quando tem alerta de furacão, por exemplo, as pessoas automaticamente já sabem que devem sair de casa, procuram lugares seguros. Essa cultura ainda falta no Brasil. Não podemos combater os desastres, parar as chuvas, mas podemos nos proteger”, afirma o climatologista.