No dia em que o conflito completou um ano, a gerente de imóveis Uliana Lopatina, 37, e uma colega conterrânea que conheceu num grupo de mensagens decidiram colar cartazes na porta e no muro do imóvel localizado no Leblon, na zona sul carioca. Os cartazes tinham as frases: "Parem a guerra", "Putin, o inferno está te esperando" e "Putin vai para o inferno" em português e inglês, além de outras críticas em russo.
Instantes depois, um homem do consulado, arrancou os papéis e deu um tapa nas costas da amiga de Lopatina. Ao voltar para o imóvel, dois PMs que faziam a segurança da rua o chamaram. O homem pediu desculpas a um dos agentes, que respondeu: "Não, não tem desculpa. O senhor agrediu ela", acrescentando que, se quisesse, a manifestante poderia dar queixa do crime na delegacia.
Segundo a tradução de Lopatina, no vídeo, o diplomata diz à sua amiga antes da agressão: "Me dê seu celular". Depois do tapa, ele ainda ameaça a mulher dizendo que "ela terá mais do que já recebeu". A vítima pediu que sua identidade e a do agressor não fossem divulgadas. "Ela não sabe se quer prestar queixa na Rússia, porque teme por sua segurança e de sua família. Ele tem imunidade diplomática e não pode ser processado aqui. Só na Rússia, mas eles [autoridades russas] não vão fazer nada", diz Lopatina.
Segundo ela, a colega tem medo de represálias caso decida voltar a morar no país, onde seus parentes ainda vivem. A vítima se mudou para o Brasil há alguns meses, depois do início da guerra, enquanto Lopatina vive nos Estados Unidos e está apenas de passagem como turista. No Rio, ela decidiu registrar um boletim de ocorrência por lesão corporal. Após a confusão, que aconteceu entre 12h e 13h, os policiais encaminharam as mulheres e o diplomata à Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat), a cerca de um quilômetro dali.
"A vítima, uma testemunha e o autor, todos cidadãos russos, foram ouvidos. A mulher foi encaminhada para exame de corpo de delito. Diligências estão em andamento para esclarecer os fatos", afirmou a Polícia Civil. Questionada, a corporação afirmou que o agressor "é um funcionário do consulado" e "ainda não há confirmação de que é diplomata". No registro da ocorrência, porém, a profissão do homem de 59 anos consta como diplomata, junto ao número de seu documento.
A reportagem tentou contato com o consulado pelo telefone, pelas redes sociais e por email, mas ainda não obteve resposta. Um funcionário da embaixada da Rússia em Brasília afirmou que o expediente já havia encerrado e que só voltaria na segunda (27).
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, os agentes diplomáticos e membros do pessoal técnico-administrativo das embaixadas gozam de imunidade absoluta, não podendo ser presos, detidos ou processados no Brasil -desde que não tenham nacionalidade brasileira. Já os funcionários e empregados consulares e das embaixadas gozam de imunidade parcial, restrita aos atos praticados no exercício de suas funções. Eles podem ser presos ou detidos por crimes comuns, desde que em decorrência de crime grave e com decisão judicial.
Procurada, a Polícia Militar confirmou os relatos: "Policiais militares do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas foram direcionados ao Leblon, onde ocorria um ato público na rua Professor Azevedo Marques. No local, houve um tumulto. A equipe policial interveio na situação. As pessoas envolvidas foram encaminhadas à delegacia."
O TEMPO