Hanry não voltou para casa em 21 de novembro de 2002. No dia seguinte, após procurá-lo por toda a comunidade onde moravam, Márcia, sua mãe, descobriu que o filho de 16 anos havia sido morto em uma troca de tiros com a polícia. Era mais um auto de resistência nas periferias brasileiras. Era?
Alertada pelos próprios moradores de que Hanry fora morto injustamente, Márcia iniciou uma busca improvável: investigar como o próprio filho morreu. Foram anos descobrindo testemunhas, vasculhando vielas e revisitando cada minuto daquele 21 de novembro. Até que finalmente a verdade (ou parte dela) viesse à tona e escancarasse as marcas da violência policial contra o negro brasileiro.
Partindo dessa história ocorrida no Morro do Gambá, uma comunidade pertencente ao Complexo do Lins, no Rio de Janeiro, o jornalista Itamar Cardin refez ao longo de quase dez anos os passos da investigação de Márcia. A pesquisa resulta agora em seu primeiro livro, Marcha do Silêncio, um romance de não ficção que está sendo lançando pela Temporada, um selo da Editora Letramento.
Além de trazer à tona o passo-a-passo da investigação, a obra revisita o passado da mãe, de Hanry e de seus familiares, buscando entender o tamanho da perda para cada indivíduo. Aborda, ainda, o contexto social e político que envolve a violência policial nas periferias brasileiras. E relata a jornada pessoal de Márcia, uma mulher negra de uma favela que, após a morte do filho, ganharia prêmios e se aproximaria de lideranças políticas nacionais, como Marcelo Freixo e Marielle Franco.
Marcha do Silêncio tem prefácio assinado por Bianca Santana, uma das mais importantes intelectuais brasileiras na luta contra o racismo. “Saber de Hanry, conhecer Márcia, sua mãe, e o caminho tortuoso para compreender o que aconteceu com seu filho na busca por justiça é nossa possibilidade de compreender o genocídio negro em curso no Brasil para enfrentá-lo”, escreve Bianca.
Com um extenso trabalho de pesquisa que se debruçou sobre o inquérito policial, o processo jurídico e contou com dezenas de entrevistas com Márcia, além de testemunhas, familiares e amigos de Hanry, autoridades e outras mães em condição semelhante, Marcha do Silêncio narra a luta trágica de uma mãe para provar a inocência do filho morto – e como, em meio a essa busca, o trauma deixa marcas irreparáveis na constituição dos sujeitos.