Em uma cadeirinha de bebê, Elis via, inquieta, a irmã Eloá brincando com pecinhas de montar no tapete colocado na sala de casa em Boa Vista, capital de Roraima. “Ela está assim por conta dos dentinhos, que estão nascendo. Uma é mais melosa; a outra, mais hiperativa”, conta a mãe, Elismar Lima Carneiro, 39. As duas acabaram de completar um ano e oito meses e trouxeram um desafio a mais para a família, que ao todo é formada por dez filhos: elas foram diagnosticadas com a rara síndrome Hutchinson-Gilford, conhecida informalmente como “velhice precoce”. Mesmo com a condição, elas vivem uma vida como qualquer outro bebê.
“São 100% dependentes da gente, mas, apesar de terem essa doença rara, possuem necessidades de bebês normais. Elas querem brincar, fazer bagunça, e atualmente já começaram a tentar andar. Também brigam uma com a outra”, acrescenta o irmão, Guilherme Lago, que é estudante de marketing. As meninas nasceram prematuras, com apenas 32 semanas, e na maternidade a mãe já desconfiava de algo. “Elas já nasceram com a pele enrugada e aspecto de magreza. Quando elas fizeram 4 meses, iniciamos os exames para identificar qual era a síndrome. Mas só com 7 meses que a médica disse que poderia ser essa síndrome”, enfatiza a costureira.
Como não existe nenhum tratamento no país, a família, que é de baixa renda, recorreu aos Estados Unidos, que oferece uma medicação específica para retardar o envelhecimento precoce. Para isso, elas vão realizar exames que serão enviados para o país, e foi necessário realizar uma vaquinha online. “O objetivo é conseguir uma expectativa de vida maior, além de qualidade de vida também. Além disso, precisamos sempre manter fisioterapia e acompanhamento com fonoaudiólogos em dia, para que a gente ajude elas a se desenvolverem”, pontua Guilherme.
O irmão também contou que todo esse processo de acompanhamento ainda é uma construção. Como as pequenas têm uma condição rara, nem mesmo os especialistas sabem como tratar as questões relacionadas à síndrome. “Hoje, não temos um tratamento 100% eficaz justamente por causa da raridade. Tem que haver uma adaptação, já que elas não têm o peso ideal para alguns exercícios, por exemplo”, explica o irmão. Os próprios profissionais estão aperfeiçoando os trabalhos à medida que atuam com as bebês.
Por conta das filhas, a mãe Elismar precisou reduzir o trabalho como costureira e, além de Guilherme, conta com a ajuda da filha Maria Carneiro, 14, no cuidado diário. E, com isso, a renda familiar foi afetada, e não há nenhuma ajuda financeira do governo. “Demos entrada no benefício do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para elas. Hoje, não há políticas públicas precisas para crianças com doenças raras. Em Roraima, nem sequer temos um médico geneticista para que a doença fosse descoberta de forma mais precoce e o tratamento fosse iniciado para melhorar a qualidade de vida da criança”, diz Guilherme.
Além disso, a família quer melhorar a estrutura da casa, que é simples, para que as meninas tenham melhor condição de vida. Quem quiser doar qualquer valor basta fazer um Pix para a chave eliscapixabalima@gmail.com.
Primeiras palavras
Com quase 2 anos, Elis e Eloá, que são as primeiras gêmeas da família, começam a falar as primeiras palavras, como “mamãe” e “Maria”. Segundo Guilherme, elas também se comunicam com uma linguagem própria . “Conversam entre si, têm alguma sonorização. Falam um "oi, mamãe", ainda falhando”, afirma. Já a mãe Elismar disse que elas são fascinadas com o celular, já conseguem colocar vídeos sozinhas e até escutam áudios do WhatsApp. “A Eloá gosta muito de ouvir o áudio, já sabe pegar e colocar no ouvido. Elas comem sozinhas, na bagunça delas. Já estão se arrastando pela casa toda. Elas fazem tudo normalmente”, conta.
Doença é causada por mutação em gene
Responsável por causar o envelhecimento precoce, a síndrome fez as gêmeas já começarem a sofrer queda de cabelo e enrugamento da pele nos primeiros meses de vida. Conforme o médico geneticista Caio Bruzaca, a causa da doença é uma mutação no gene LMNA, localizado no cromossomo 1q22. “Os casos são todos mutação em heterozigose, ou seja, os pais não têm alterações genéticas, e a mutação ocorre na criança. É uma condição ultrarrara, com frequência inferior a 1 em 1 milhão de habitantes”, enfatiza.
Entre os principais sintomas, está o atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, baixa estatura, perda de gordura subcutânea, fase estreita, artrose e aparência envelhecida da pele. “O que deve ser feito é o tratamento de comorbidades, como o atraso do desenvolvimento”, completa. Porém, a expectativa de vida de pessoas que nascem com a síndrome é de 13 anos, em média. “Não há estimativa no mundo de quantos casos há com esta condição genética”, diz.
Atualmente, há 400 pessoas que vivem com a condição e são acompanhadas pelo Progeria Research Foundation, que fica nos Estados Unidos. Além das gêmeas Elis e Eloá, o programa também acompanha outros sete casos no país.
O TEMPO