Em setembro, Primeira Turma do STF manteve decisão do Tribunal do Júri que absolveu acusado de tentar matar companheira. Advogados usaram argumento de 'legítima defesa da honra'. A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve a absolvição pelo Tribunal do Júri de um homem que confessou uma tentativa de feminicídio em Minas Gerais. Os jurados acataram a argumentação de que ele agiu em "legítima defesa da honra".A decisão dos jurados foi mantida pela Primeira Turma do STF em setembro, e o recurso, apresentado nesta quinta-feira (28) pelo subprocurador Juliano Baiocchi. Não há data para a nova análise.O caso envolve uma tentativa de feminicídio cometida por um homem contra sua companheira quando ela saía de um culto religioso. Ele atacou a mulher com facadas na cabeça e nas costas.CNJ quer endurecer punições para violência contra a mulherNo julgamento no Tribunal do Júri, o réu confessou o crime e alegou traição, mas foi absolvido. O Ministério Público de Minas recorreu ao Tribunal de Justiça local, que anulou o julgamento porque os jurados tinham votado contra as provas do processo. O TJ mineiro entendeu que teses de defesa na linha da “legítima defesa da honra” não são compatíveis com o Direito brasileiro. O STJ manteve a decisão que anulou o julgamento.Em setembro, o caso foi analisado pela Primeira Turma do STF. Por três votos a dois, os ministros mantiveram a decisão seguindo o princípio da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, assegurada pela Constituição. Com isso, a decisão dos jurados não pode ser reavaliada sob o ponto de vista dos fatos e das provas. O debate do caso incluiu temas como a violência contra a mulher e o feminicídio.O que diz o recursoNo recurso, a PGR lembrou o caso da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, de 45 anos, assassinada a facadas, diante das filhas e na véspera de Natal pelo ex-marido, o engenheiro Paulo José Arronenzi."A profissão da vítima, seu status social, a presença das filhas, anterior medida protetiva, nada disso inibiu o agressor. Esse episódio bem mostra até onde se avançou na concretização da igualdade entre homens e mulheres desde a Constituição de 1988, passados 32 anos, mais de uma geração".O subprocurador apontou ainda que "teses passionais" no júri equiparam as mulheres a "menos que coisas" e violam direitos previstos na Constituição, como a igualdade entre homens e mulheres e a dignidade da pessoa humana."Essas teses passionais no Júri colocam a mulher praticamente como menos que coisas, pois dano patrimonial é indenizável pelo autor da conduta. A prevalecerem essas teses, as mulheres teriam de suportar ciúmes possessivos e revanches homicidas, sem que nada possa acontecer ao autor da conduta", afirmou o MP."As teses passionais no feminicídio, do que é exemplo mais conhecido a tese da “legítima defesa da honra”, são, sob um ângulo estrutural, manifestamente contra ao Direito, pois se o agente aduz que atentou contra a vida da mulher por ciúmes, por não se contentar com o fim do relacionamento, ele está justamente confessando o feminicídio. Pode esta Suprema Corte proclamar um não direito, sob a alegação da soberania dos veredictos do Júri, ainda que contrariada a soberania da Constituição, que garante a igualdade de gênero?", completou.Juliano Baiocchi pontuou ainda que manter a absolvição em casos como o em discussão representaria uma "chancela" a ação de homens no sentido de cometer crimes movidos por sentimentos de ciúmes e de posse sobre as mulheres."Consequência, ao se manter Júris absolutórios como o aqui objeto deste HC, o que se chancela é que os agentes dos homicídios possam “fazer justiça com as próprias mãos”, movidos por sentimentos de ciúmes e de posse sobre as mulheres. Isso é flagrante ofensa à estrutura constitucional, pautada pelos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana", concluiu.Outros julgamentosO STF também analisa, em outras frentes, processos que discutem tanto a possibilidade de revisão de decisões do júri contrária à prova dos autos quanto que questionam a aplicação da tese da legítima defesa da honra. No primeiro caso, o julgamento chegou a ser iniciado no plenário virtual em outubro, mas foi interrompido e será trazido para julgamento presencial. No segundo caso, trata-se de uma ação do PDT, apresentada dias depois do assassinato da juíza do Rio.