As lembranças da juventude estão muito claras na memória de religiosos mineiros que vivem agora outra fase da vida e residem no Convivium Emaús, onde se encontra sediado o Seminário Arquidiocesano Coração Eucarístico de Jesus (Sacej), no Bairro Dom Cabral, na Região Noroeste de Belo Horizonte. Entre os 18 sacerdotes acolhidos, está o padre Carlos Geraldo Pinto de Oliveira, de 79 anos, natural de Gouveia, na Região Central do estado.
Ordenado há 53 anos, ele chegou criança, mais exatamente aos 12 anos, ao Seminário de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha. A motivação maior, ressalta, foi o chamado da fé, uma força que se chama vocação e vem de Deus. “Havia incertezas, mas fui fortalecendo os laços com meu objetivo maior: o de ser padre”.
Testemunha de parte importante da história do Brasil, de forma especial na juventude e no início da maturidade, padre Carlos Pinto tinha 20 anos quando ocorreu o golpe de 1964, seguindo-se o período de 21 anos de ditadura militar. Na época, era arcebispo de Diamantina dom Geraldo de Proença Sigaud (1909-1999), o dom Sigaud, crítico do clero progressista e famoso pela cruzada anticomunista. Também na década de 1960 ocorria o Concílio Vaticano II (de 1962 a 1965) mudando os rumos da Igreja Católica no mundo.
“Parte do clero foi bafejada pelos ventos que sopravam do Concílio Vaticano II. Havia, então, um novo entendimento da dimensão social da vida, da importância espiritual, da necessidade de estar perto do povo de Deus. Esse momento foi fundamental para o atendimento aos pobres, às comunidades”, conta padre Carlos Pinto. Certo de sua missão social como religioso – “sem qualquer dúvida no coração quanto à vida religiosa e confiante num trabalho pastoral mais ligado ao povo”, conforme observa –, e não concordando com as diretrizes na diocese de Diamantina, o jovem resolveu vir para Belo Horizonte. Em 1969, foi ordenado sacerdote.
“Desde minha ordenação, trabalhei em paróquias da periferia da capital, a exemplo do Bairro Amazonas (paróquia Cristo Rei, durante 15 anos), Cidade Industrial, no Bairro Salgado Filho e, durante seis anos, na cidade de Bonfim (a 82 quilômetros de BH).
Acolhido desde 2018 no Convivium Emaús e sempre plantando a semente da esperança, “que precisa ser lançada com determinação para germinar e dar frutos”, o padre se mostra admirador do papa Francisco, que defende “uma igreja sem rugas”. Aos jovens, orienta: “É fundamental estar sempre ao lado dos pobres”. Ativo nas ações do Sacej, padre Carlos Pinto encantou a criançada, na última festa de Natal, ao se vestir de Papai Noel e distribuir presentes e guloseimas às famílias moradoras de vilas da Região Noroeste.
Seminário conta uma parte da história de BH
O então Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus, composto pelos cursos de humanidades e teológico, foi criado em 15 de março de 1923, por dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), primeiro arcebispo metropolitano de Belo Horizonte. A primeira localização foi na Rua Rio Grande do Norte, número 300, onde também funcionou, provisoriamente, o Palácio Episcopal. No discurso inaugural, dom Cabral colocou o seminário sobre a proteção do Coração Eucarístico de Jesus e auspícios da Virgem Santíssima.
O primeiro reitor do seminário foi o monsenhor João Rodrigues de Oliveira, sendo diretor espiritual o padre Vicente Soares, Em 1927, dom Cabral fundou oficialmente a Obra das Vocações Sacerdotais (OVS) e destacou a necessidade de criação de um local adequado para o funcionamento do seminário “de acordo com todas as exigências dos foros de cultura, higiene e civilização da nossa capital”.
Nessa época, dom Cabral adquiriu as terras da Vila Anchieta, subdividindo-a em vários lotes e colocando-os à venda, para, com os recursos obtidos, construir o seminário. A pedra fundamental foi lançada em 14 de agosto de 1927, na presença do núncio apostólico (embaixador da Santa Sé no Brasil), dom Bento Aloísio Masella, do presidente do estado (na época, não era governador), Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, do prefeito de Belo Horizonte, Cristiano Machado, e de outras autoridades. No mesmo local de lançamento da pedra fundamental, foi erguido um cruzeiro.
A inauguração ocorreu em 19 de fevereiro de 1930, com a benção do edifício do Seminário Maior por dom Cabral. Os projetos ficaram a cargo do escritório técnico de arquitetura de Joseph Poley, do Rio de Janeiro. Em 1943, já se encontravam construídos cinco edifícios com dois pavimentos além da residência para as madres de Nossa Senhora do Monte Calvário, responsável pela manutenção e serviços das casas. Sete anos depois, foi lançada a pedra fundamental do edifício que abrigaria a Faculdade de Direito e a Faculdade de Filosofia da Universidade Católica, atual PUC Minas.
A introdução de outros cursos nas proximidades do seminário e a convivência de filósofos e teólogos com os demais alunos, acrescidas de outros fatores culturais, gerou grande crise e levou à separação. Assim, foi inaugurado, em 1976, na Avenida 31 de Março. A partir daí, os edifícios que atendiam ao seminário ficariam inteiramente usados pelos diversos cursos da Universidade Católica, atual PUC Minas. No prédio, encontra-se a capela sob invocação de Nossa Senhora Aparecida, ocupando uma sala no segundo pavimento com aproximadamente 60 metros quadrados e organizada com simplicidade, atendendo as orientações do Conselho Vaticano II (1962- 1965).
Mudanças vieram no século 21. Em 2009, o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo, após ouvir padres e fiéis nas muitas comunidades de fé, e considerando as necessidades da Igreja na contemporaneidade, abençoou a pedra fundamental do Convivium Emaús, em 19 de junho de 2009. Além de ser sede definitiva do Seminário Arquidiocesano Coração Eucarístico de Jesus, o conjunto arquitetônico do Convivium Emaús reúne a Casa Santo Cura D’ars, dedicada aos padres mais idosos, um centro de formação para fiéis, a Capela Coração Eucarístico de Jesus.
A inauguração do Convivium Emaús, na Rua Ibirapitanga, 235, no Bairro Dom Cabral, com transferência do seminário para a sede definitiva, ocorreu em 8 e 9 de junho de 2018.