Foi uma derrota para Senegal em todos os sentidos. Na qualidade técnica, diante de um time mais bem afinado que em duas bolas de seu craque matou o jogo; nas divididas, uma evidente superioridade nos lances em disputa e no corpo a corpo, sem cautela em matar a jogada com entradas acima daquela média modorrenta de amistosos; e no que quer da vida, um rival muito comprometido com o resultado, interessado em aproveitar o momento do Brasil para vencer um adversário numa jornada que sempre renderá confiança e uma memória para sempre. O resultado de 4 a 2 refletiu o momento dos dois quadros. +
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Como foi Brasil 2 x 4 Senegal? Nem é o caso de dizer que o time do técnico interino Ramon foi desorganizado. Começou tentando espetar cinco jogadores na última linha e apostando no balanço para sobrar campo aos pontas, nada muito diferente de Tite. Bruno Guimarães fez a de Casemiro, com Joelinton encostando um pouco à frente. Funcionou em dois lances. Primeiro a posse chegou para Vinicius Jr. cruzar na medida para o gol de Paquetá, e depois foi até Malcom, do outro lado, que achou passe perfeito para Richarlison, que perdeu.
Mas diante de tamanha indefinição nos bastidores, é natural que os jogadores não estejam no maior nível de concentração ou de ajuste coletivo para um jogo deste tamanho. Então não é uma zona, mas é um time de alcance apenas mediano. No xadrez do futebol de hoje, não demoram a surgir as falhas de cobertura, os desencaixes, e a certeza de que não será tão simples correr atrás de um onze do nível de Senegal.
No contexto de clubes geralmente se diz que o extracampo interfere nas quatro linhas, ainda que esse tema seja um certo tabu em termos de seleção, tanto pela exposição dos jogadores quanto pela própria natureza dessas reuniões pontuais. A equipe tem um técnico que não sabe se amanhã será efetivado, devolvido à base ou efetivado (como interino). Ninguém sabe se é o começo ou o fim de um trabalho, muito menos pode falar sobre o futuro chefe, que todo mundo só conversa em segredo. Difícil tirar um time trincando assim.
Então se nomes de Copa do Mundo como Danilo, Marquinhos, Militão e Paquetá tiveram dificuldades para competir, imagina os novatos Ayrton Lucas, André, Veiga e Rony, num jogo de exigência técnica e física acima do que estão habituados. Quais são as referências, afinal de contas, num elenco que não tem ideia sobre qual será a desse time quando voltar a se ver em setembro? Qual o teto de um grupo chamado sob essas condições contra atletas importantes na elite do futebol e um técnico que acabou de ganhar uma Copa Africana e fazer um Mundial bem decente?
E aqui nem se trata de um exagero. Vale lembrar que a convocação da seleção principal foi feita por um treinador em disputa do Mundial Sub-20, que sobre esse processo se contenta em dizer que é um funcionário da entidade e está sempre pronto para quando o presidente chamar. Agora não é o caso de supervalorizar o placar de um amistoso quase de férias, mas sim de lidar com a imagem que o jogo em Portugal deixa, o de uma equipe que vai precisar reencontrar sua identidade e seu conjunto para as eliminatórias, no caso, a partir do próximo jogo.
Seleção precisa de uma ideia mais clara
É exagerado o peso que se dá ao técnico neste processo. Ainda que a seleção tenha decidido que o nome mais indicado para tentar ganhar a Copa do Mundo seja Carlo Ancelotti – e tenha informado à imprensa extraoficialmente que
já está certo que o italiano assume o comando daqui um ano e pouco –, não é justificável deixar o ambiente às moscas. Com respeito a Ramon, que nitidamente está com uma missão acima do previsto, urge uma ideia mais clara sobre o que fazer com o próprio semestre de seis jogos competitivos, entre eles uma ida ao Uruguai e uma visita da Argentina.
Ao presidente Ednaldo Rodrigues, infelizmente, tinha um jogo no meio do caminho. Não estava nos planos, mas os 90 e tantos minutos da terça-feira falaram mais do que o previsto. Assim é o futebol, sem massagem: quem vai sem firmeza acaba atropelado. A CBF volta da Europa com um cenário negativo criado por ela própria, responsável solitária, de novo e como quase sempre, por uma crise de afeto em relação ao seu distante torcedor.
Enquanto isso, na saída do vestiário em Lisboa, Sadio Mané, o melhor em campo, vestia a camisa amarelinha. Há quem jure que somos arrogantes com futebol. Me parece que o ponto é lidar com essa grandeza, não negá-la.