Toda a celebração é preparada com semanas de antecedência e após todo o ritual tem forró, mas na última quarta-feira (21), a passagem de dona Divina Siqueira, matriarca do quilombo, fez com que somente as tradições de fé fossem mantidas em respeito ao luto, mas preservando a ancestralidade. “Agora ela é uma ancestral e, tenho certeza, faria questão de continuarmos seu legado”, conta Silvio Siqueira, de 87, o mestre Badu, irmão de dona Divina. Ele agora é o patriarca do Quilombo. Já Lindomar Joao dos Santos, de 49, sobrinho de dona Divina e um dos candombeiros do Mato do Tição, se disse feliz com o ritual de passagem em todos os sentidos. “No começo, foi difícil a falta dela na preparação da festa, mas depois que eu vi pessoas jovens e que souberam trazer energias boas parecidas com as de dona Divina dizendo que iriam participar, ficou clara sua presença e o sentido de realizar. Isso deu forças neste momento para superar a ausência física”, conta.
Ritual e travessia na brasa
O ritual começa com a construção comunitária de uma enorme fogueira acesa no final da tarde, quando acontece a reza do terço, ladainha e cânticos de louvor a São João Batista. Do altar em homenagem ao santo, os devotos saem com a bandeira no mastro em pequena procissão. Com a bandeira hasteada é hora de fazer os pedidos e agradecimentos. É neste momento que se inicia o Candombe de Boiadeira (com “a” mesmo), “onde o tirante, candombeiro ou capitão inicia o cântico e a reposta vem em até 6 vozes”, explica Lindomar. Em seguida, há o recolhimento da brasa e, durante meia hora, à partir da meia noite as brasas são espalhadas pelo chão de terra formando um incandescente tapete por onde os fiéis caminham. “Não é coragem. Eu não tenho coragem de fazer isto, é a fé mesmo! Em Nossa Senhora do Rosário e a na sabedoria dos nossos ancestrais passadas pelas nossas famílias e que, por isto, não vai morrer nunca!”, frisa Pedro Eduardo da Silva Santos, 24, nascido e criado na comunidade do Açude, vizinha do Mato do Tição. Ele acaba de cumprir a promessa de passar pela terceira vez em três anos pela brasa da fogueira sagrada de São João. Interrompida pela pandemia, foi em 2023 que conseguiu finalizar a penitência. “O que entendi desse ritual de passagem é que, dependendo de sua fé no ano, você machuca os pés. Em 2019 e hoje, eu não tive nada, mas ano passado eu queimei muito, pois a fé estava mais abalada. É a firmeza da fé que faz você atravessar”, confessa.