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Gerais

Uma cidade mineira reza pela volta de seus santos: "Não descansaremos"

A esperança move comunidades do interior mineiro que perderam bens culturais, muitas vezes na calada da noite, após arrombamentos a igrejas, museus e outros monumentos centenários.


Atuante em redes sociais e presente em reuniões ligadas ao patrimônio, Wilton e outros associados divulgam fotos e dados sobre as 18 peças furtadas na madrugada de 16 de novembro de 1994, entre elas as imagens de Nossa Senhora do Rosário, Santa Rita de Cássia e São Miguel Arcanjo. Os ladrões levaram 21 objetos de fé. Desses, foram recuperadas as esculturas de São Domingos Gusmão e São João Batista Menino, além de um crucifixo de madeira maciça, com 102 centímetros de altura.

Essas peças da igreja tombada em 1980 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) cumpriram uma via-crúcis que começou em Ouro Branco, passou por Sete Lagoas e Belo Horizonte, até serem vendidas em São Paulo (SP), onde foram adquiridas por um colecionador, cujo nome nunca foi divulgado.

O crucifixo, especificamente, foi encontrado graças a uma denúncia anônima, que levou a equipe da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG) a intensificar a investigação e notificar o colecionador, que fez a devolução sem resistência. Cadastrada no banco de dados do acervo procurado pelo Ministério Público, a peça estava com a base serrada para dificultar a identificação.



“Às vezes, brincamos que nosso acervo foi ‘dar uma voltinha’ e já retorna. Na verdade, sempre confiamos na justiça divina e dos homens, e rezamos para que as pessoas devolvam nossos bens culturais e espirituais”, afirma Wilton. Em Minas, a grande campanha pelo resgate de bens culturais desaparecidos completa 20 anos, e as fotos das imagens, com informações detalhadas, encontram-se no cadastro da CPPC, disponíveis para consulta pela plataforma Somdar (somdar.mpmg.mp.br), que reúne 2,5 mil itens.

Segundo o coordenador da CPPC, promotor de Justiça Marcelo Maffra, já foram recuperados cerca de 700 bens culturais e mais mil documento históricos mineiros, em ações diversas, incluindo operações com outras instituições federais e estaduais, apreensões em comércio clandestino pela internet e devoluções espontâneas, essas no objetivo da recém-lançada campanha Boa Fé.

Acervo

No Museu Mineiro, vinculado à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), no Circuito Liberdade, em BH, Maffra observa alguns dos 130 objetos, entre esculturas, tocheiros e fragmentos de talha, que ainda aguardam identificação para retorno aos locais de origem. A coordenadora do Núcleo de Gestão de Acervos Museológicos da Diretoria de Museus/Secult, Elvira Nóbrega, mostra também algumas das peças em exposição no local.

Entre elas estão as imagens de Nossa Senhora da Piedade, em terracota, apreendida pelo MPMG em 2003, em Belo Horizonte, na Operação Pau Oco 1, e de São Sebastião, identificada naquele mesmo ano, em São Paulo (SP), nesse caso pela Polícia Federal. Há peças apreendidas também no Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), no Memorial da Arquidiocese de BH e no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto.

Caça aos tesouros de Minas

1,8 mil bens culturais estão desaparecidos de igrejas, capelas, museus e outros monumentos
688 bensjá foram resgatados em operações especiais, apreensões devoluções e outras ações
2,5 milé o total de bens que estão no cadastro do Ministério Público de Minas Gerais (entre procurados e resgatados)Anos com maior número de furtos, em Minas: 1981 (34), 1990 (30), 1994 (92), 1997 (28), 2003 (80) e 2008 (55)
Municípios com maior número de bens desaparecidos:1)Nova Era, na Região Central 582)Ouro Preto, Região Central 483) Barra Longa, Zona da Mata 394) Mariana, Região Central 375) Oliveira, Centro-Oeste 366) Santa Bárbara, Região Central 367) Tiradentes, Campo das Vertentes 368) Campanha, Sul de Minas 309) Serro, Vale do Jequitinhonha 2710) Diamantina, Vale do Jequitinhonha 2611) Ibituruna, Centro-Oeste 2312) Sabará, Região Metropolitana de BH 2213) Conceição do Mato Dentro, Região Central 2014) Conselheiro Lafaiete, Região Central 1815) Ouro Branco, Região Central 1816) Bom Jesus do Amparo, Região Central 1617) Bonfim, Região Central 1418) Minas Novas, Vale do Jequitinhonha 1419) Nazareno, Campo das Vertentes 1420) São João del-Rei, Campo das Vertentes 13
FONTE: CPPC/MPMG

Esforço pela proteção


A segurança dos monumentos, em especial igrejas e capelas, é fundamental para garantir a integridade dos bens culturais que essas estruturas abrigam. O assessor especial da presidência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), Luís Mundim, diz que a instituição, nos seus mais de 50 anos, sempre se preocupou com a proteção de peças do patrimônio de Minas, incluindo aquelas furtadas e desaparecidas. “Nesses anos, várias ações e campanhas foram desenvolvidas no sentido de coibir o desaparecimento, além de tentar localizar e restituir às comunidades diversos bens culturais que foram alvo de furto.”

Mundim destaca entre os projetos implementados o inventário do acervo das igrejas tombadas pela instituição, a instalação de câmeras e alarme em bens protegidos, a elaboração de banco de dados de objetos culturais desaparecidos e apreendidos, além das campanhas de restituição de bens furtados.

O instituto também tem participação em apreensões, além de ser responsável por laudos e seminários sobre o tema, entre dezenas de outras ações executadas pela instituição ou em apoio à Polícia Federal, Ministério Público e Polícia Civil. “Mais recentemente, o Iepha participou de duas importantes ações: o Somdar e o apoio à elaboração da Lista Vermelha de bens desaparecidos do Brasil, com medidas normativas para combativo ao tráfico”, afirma. “O caminho ainda é longo, mas atuamos, em parceria com outros órgãos e instituições, para prevenir, localizar e restituir os bens culturais mineiros a suas comunidades de origem”, observa Mundim.

Cuidado

Já o Iphan, em nota, alerta compradores em potencial para ficarem atentos à procedência de peças à venda. “Sem cuidados adequados, adquirem-se inadvertidamente peças furtadas ou roubadas. Para contribuir no combate a esse mercado ilegal, há ações preventivas simples, como a checagem da procedência e, em caso de dúvidas ou suspeita, consulta ao Iphan, ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e outras bases de dados disponíveis em seus sites.”

Todos os comerciantes de bens artísticos e históricos, inclusive leiloeiros, devem estar no Cadastro Nacional de Negociantes de Antiguidades e Obras de Arte (Cnart), adverte o Iphan. “O cadastro protege o vendedor de se ver envolvido inadvertidamente em crimes de receptação de bem furtado e de lavagem de dinheiro por meio de obras de arte”, completa o instituto.

Cruzada pelo patrimônio

O Estado de Minas publica desde o último domingo a série “História resgatada”, que retrata os 20 anos de mobilização pela recuperação de peças do patrimônio mineiro saqueadas ao longo de séculos. A primeira reportagem mostrou que os frutos da campanha Boa Fé, de devolução espontânea de itens indevidamente retirados de igrejas e museus, são o capítulo mais recente de uma batalha que começou em 2003, ano crítico para furtos de bens históricos. Ontem, em entrevista ao EM, o coordenador das Promotorias de Defesa do Patrimônio de Minas Gerais, Marcelo Azevedo Maffra, fez um balanço positivo da atuação do MP nas últimas duas décadas, embora reconheça que ainda há muito a ser feito.

Estado de Minas

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