Ouro Preto, a histórica cidade mineira, guarda em suas pedras centenárias um segredo que há meio século intriga e entristece: o roubo das preciosas peças sacras da Basílica Nossa Senhora do Pilar. Numa madrugada de 2 de setembro de 1973, um dos mais emblemáticos patrimônios culturais do Brasil viu-se alvo de um dos maiores atentados contra bens culturais do país.
O roubo, que até hoje permanece sem solução, deixou uma cicatriz profunda na cidade e na memória dos habitantes locais. Dezessete peças sacras desapareceram do museu localizado no subsolo da Basílica, incluindo uma custódia e três cálices de prata folheados a ouro, de origem portuguesa, usados na histórica festa do Triunfo Eucarístico de 1733, um dos eventos religiosos mais significativos do Brasil colonial.
Carlos José Aparecido de Oliveira, diretor do Museu de Arte Sacra de Ouro Preto, relata: "O tempo passou, mas nunca perdemos a esperança de ter o acervo recuperado. Até hoje, não há pistas das peças levadas pelos ladrões. Tudo indica que foi um roubo encomendado." A cada 2 de setembro, o sino da basílica toca ao meio-dia, marcando a data para que ninguém se esqueça deste triste episódio que ocorreu na primeira cidade brasileira reconhecida como Patrimônio Mundial.
Um Crime Encomendado e uma Cidade Atordoada
O desaparecimento dessas peças valiosas foi um crime meticulosamente planejado. Os ladrões sabiam o que estavam procurando e foram direto ao museu, passando por inúmeras imagens religiosas na igreja sem levar nenhuma delas. Seu alvo era claro: as coroas de Nossa Senhora do Pilar e do Menino Jesus, feitas de ouro maciço e pedras preciosas, além das peças usadas na festa do Triunfo Eucarístico. Isso levou o diretor do museu a afirmar que se tratava do roubo das obras sacras mais importantes do país.
Os dias que se seguiram ao roubo deixaram a cidade em estado de choque. João Evangelista Gomes, um dos zeladores da igreja em 1973, sofreu profundamente com o acontecimento. Sua filha, Geralda da Purificação Gomes, relembra que seu pai, que chegou à matriz naquela manhã para arrumar o templo, passou tempos sem sair de casa. Os ladrões, que chegaram a dormir dentro da igreja, deixaram rastros perturbadores, incluindo "fezes humanas" no local conhecido como "consistório dos Passos".
O crime aconteceu em uma época turbulenta no Brasil, durante a ditadura militar. O padre José Feliciano da Costa Simões, conhecido como padre Simões, foi alvo de interrogatórios e até mesmo prisão domiciliar. Ele acreditava que o roubo havia sido encomendado por pessoas poderosas, mas nunca citou nomes.
O Mistério Persiste
Apesar dos esforços das autoridades e da comunidade local, o mistério em torno do roubo da Basílica Nossa Senhora do Pilar permanece sem solução. Documentos importantes desapareceram ao longo dos anos, e as pistas parecem se dissipar na neblina do tempo.
Em 1986, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou uma ação contra os acusados Adão Pereira Magalhães e Francisco Schwarcz, pedindo indenização pelos danos causados ao patrimônio cultural de Minas. No entanto, a resposta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi que se tratava de algo "juridicamente impossível".
Hoje, as peças roubadas permanecem desaparecidas, e a cidade de Ouro Preto guarda suas lembranças permeadas pelo sentimento de dor, mas também de esperança. A cada ano que passa, a Basílica Nossa Senhora do Pilar continua a receber turistas que vêm admirar sua beleza e, talvez, se perguntar sobre o destino das preciosas peças que um dia adornaram seu museu. Enquanto isso, a busca por respostas e a esperança de um dia recuperar esse tesouro perdido persistem, meio século após o triste episódio que abalou a cidade histórica de Ouro Preto.